terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Planeta em pauta

Vasculho as gavetas do escritório à procura de uma folha pautada. Sempre tive essa predileção pela pauta, desde criança, como se a linha fosse aconchego necessário para a palavra prestes a vir. Estou na casa da minha mãe, casa vazia, em um dia de folga. Folga por mim decretada para, entre outras coisas, ter tempo e espaço para o que é simples e essencial como uma folha pautada. Por que a vida vai tomando um ritmo tão automático que não ter tempo nem espaço vira rotina. É um conjunto de pequenas e grandes tarefas, pequenas e grandes programações dentro de um pote cheio até a tampa de variadas responsabilidades. Penso na Izabela menina, marcando com régua os cantos das folhas e traçando linha por linha, sem nem imaginar as responsabilidades que a vida traria. E é aí que eu paro. Paro por que sei que essas responsabilidades não são exatamente minhas, por mais que pareçam ser. Não vou discorrer sobre a origem do patriarcado nem sobre como vamos aprendendo a viver nesse pacote como se fosse o jeito certo, jeito único de se viver. Tem gente boa escrevendo e falando sobre isso desde antes de eu nascer. Quero falar sobre como eu percebo o sistema. Vem a mim essa imagem da mulher, que nasce gente, ser humano, mas aos poucos vai deixando de ser. Iluminação, cenários e maquiagem vão mudando em cada etapa para que essa transformação passe batida, não seja perceptível. E a mulher, que nasce gente, vai virando um satélite. Uma forma, uma função, cujo destino é não precisamente viver, mas orbitar. Orbitar: "estar, girar na esfera de ação ou de influência de; ligar-se a um centro de influência." Segue-se orbitando, então, em torno da logística familiar, dos filhos, da casa, do trabalho e, pasmem, em torno de outro adulto (?), que é seu parceiro. E, função que é, passa a ser a principal responsável por suprir a manutenção e as necessidades dos acima citados. É a lógica do sistema. Mas para mim essa lógica não faz sentido algum. Se fosse lógico, natural, não seria tão exaustivo, vazio, adoecedor e insustentável. É insustentável porque mulher não é satélite. Mulher é planeta. Um corpo celeste que nasceu para girar em torno de sua própria estrela, sua própria luz, sua própria essência, e traçar seu próprio curso. Eu, Izabela adulta, quando teci essa trama de ideias, senti que o pensamento tomou forma, saiu de mim. E me vi, fora de mim, claramente na mulher que nasci, no planeta que sou. Um planeta amarelo com rajadas de verde, roxo e vermelho, que deve é seguir pelas linhas que eu própria traçar no que para mim importa, no meu aconchego de pauta. E me senti forte, quente, plena. Plena para continuar lutando por um movimento que realmente tem lógica e não nos limita a orbitar em torno dos outros. Vejo muito mais sentido em sair do curso "esperado" e brigar para ser o que é. Brigar para ser quem eu sou . Mulher não é satélite. Mulher é planeta.

*escrito em 16 de junho de 2022

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