Por que eu amo a Fal
"Palavras, quando o resto nos falta. Ou nos trai. * Palavras, o registro. A prova definitiva do que fizemos e fomos e realizamos. * Palavras que atestam, que exploram, que riem, que gozam. Ah, que explicam, sendo ou não necessário. Palavras que, não raro, estraçalham e, creia, jamais podem ser retiradas. * Palavras que segregam. Que voltam, que cobram, que surpreendem. * Somos, todos nós, construção de nossos suores e desejos, biologias e meios, fibras musculares e sublimações, mas somos, acima de tudo, a consciência concretizada em palavras. Uma conjugação de palavras, uma constelação de palavras. * Estamos aqui com e por elas, o tempo todo lutando nas entrelinhas, dando dois dedinhos antes de começar o parágrafo, apontando o lápis sobre a lixeira, cheirando o caderno novo, namorando a borrachinha, farejando os mundos inéditos, a navegação interestelar para a qual as palavras vão nos enviar enquanto tivermos forças. * Algumas palavras nos limitam, vamos ser francos. Como um namorado abusivo, elas nos cerceiam, decidem o que podemos ou não pedir do cardápio, como devemos nos comportar e que não podemos falar tatibitati com o cão. Algunas palabras emperram nossa vida se são ditas, se não são. Saber que existem em algum lugar do dicionário já é uma aflição. Demoramos para nos livrar de algumas palavras, temos recaídas e saudade de sua maldade. Mas quando finalmente seguimos em frente, nós nos espantamos ao lembrar do passado: “Meu Deus, por que eu andava com uma palavra daquelas?” * Um dia, eu disse ao homem que amo: fica firme porque as palavras voltam. As palavras voltam para nós, sempre. As palavras nunca se foram, não realmente. Não as palavras alheias, as nossas, elas voltam. As pessoas não olham para trás. Velhos amantes esquecem seu nome. Um amigo, que jurou permanecer, perde seu telefone. Uma amiga, com medo do anormal com quem se casou, se afasta de você. Seu irmão faz uma vida só dele. Seu cão morre, sua cidade muda. Mas as palavras, as suas, as suas palavras, voltarão, as palavras querem que você as alcance. As palavras não se esquecem, não precisam dum fio, duma trilha de migalhas, dum motivo, dum pedido desesperado. Elas voltam, as palavras, é isso que elas fazem. É a natureza delas. E a sua." Fal Azevedo |
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