terça-feira, 14 de outubro de 2025

Querido diário, oi.

Ontem finalmente choveu. Choveu forte. Me despedi cedo da casa cheia de gente e vim pro quarto para ler Carrère e me deixar ritmar pelo barulho da água. Ritmada, apaguei a luz para sentir o som de outro jeito e adormeci sem perceber, ainda sob os efeitos relaxantes de uma das histórias que irei contar. Acordei antes do Sol e saí de casa sem levar sombrinha, cantando "se chover eu tomo chuva com vontade de molhar".

Dias intensos por aqui. Três histórias que têm em comum o fato de terem sido desencadeadas pela palavra dita. Eu e você, eu porque sou escritora e você porque é um diário, sabemos bem do talento que as palavras têm de materializar a vida, da beleza e dos perigos da concretude da palavra. Um parêntese: E. me disse hoje que verbalizar cria realidades. Achei bonito e fez sentido.

Pois sim que ano passado, palavras duras ditas por mim caíram como pedra grande em água de lago, provocando movimento inescapável para tudo que estava ali parado por tempo demais. O que já não era deixou efetivamente de ser e, nesse processo, houve quem ficou e quem escolheu se afastar. Aí o tempo que é tempo e roda sem pressa buscando chaves escondidas em caixas de mudança trouxe ares de reaproximação e entendimento. Trouxe também seis braços abertos. Parece que pisquei os olhos para abrir e nos ver ali, juntos de novo. Amores conhecidos em recomeço. Senti aquela alegria que se espalha em luz e cobre todos os cantos. Senti a vida se expandindo. Essa é a história 1 e não, ela não termina com créditos que sobem depois da palavra "fim", ela não é história assim.

Já a história 2 vem de passado bem recente e já adianto que ainda não posso precisar o tipo de desfecho. Mais uma vez, palavras ditas por mim - só que agora de afeto genuíno -, parecem ter caído como pedra grande em água de lago, trazendo movimento inescapável para o que estava em movimento. É o que parece. Parte de mim se entristece com um possível fim, parte acredita no alinhamento de quereres e eu toda sei que não há do que me ressentir. Nem do vivido nem do dito. E se o desencaixe veio para deixar claro que o estar juntos perdeu o sentido, vai me restar sofrer um cadinho e seguir em frente, feliz por levar essa história comigo.

A história 3 é fresquinha, de ontem. E ufa que a voz de palavra falada dessa não sou eu, apesar de eu ter também falado um pouco e ter desfilado muitos sins. A sessão de terapia energética foi uma espécie de transe guiado. Na sorte de ter Nina como guia, me entreguei e vi cores e percorri trajetos desde a natureza pura do centro da Terra ao espaço sideral e atravessei camadas gelatinosas e aprendi o caminho para o meu espaço branco, meu espaço de paz. Meus dedos dos pés viraram raízes e o topo da minha cabeça se abriu em luz. Foi muito e foi tanto. Tanto desnecessário saiu, tanto preciso se fez presente, tangível, ao alcance das mãos. Tanto visto, sentido, tanto transformado. Saí de mim e saí de lá mergulhada nesse caldo sensível e criativo. Saí de lá mais em mim e mais pro mundo.

Verbalizar cria simsim realidades. E a realidade criada depois da palavra dita não está mais na nossa alçada, escapa do nosso controle. Pode trazer desenrolares inesperados e de toda ordem. E, quanto mais vida vivo, mais entendo que pra mim faz sentido correr esse risco. O risco da beleza e dos perigos da concretude da palavra.

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