domingo, 30 de novembro de 2025

Diária, querida, é relevante definir relevância?

Hoje escovei os dentes, veja bem, antes do café preto. E sei que estou compartilhando contigo essa informação (irrelevante?) como um possível subterfúgio para o fato de não ter elaborado minimamente o que pretendo dizer. É para isso que estamos aqui - eu, caneta, caderno e você - certo? Não só para o que foi pensado e repensado e já cai meio que pronto no papel, mas também para o que prescinde da linha lógica que, a princípio, tanto importa para quem escreve. Penso que um certo senso de desimportância chega a ser refrescante e rima com a manhã de domingo. Isso dito, sigamos, do jeito que for.

Decidi fazer de hoje um dia livre. Casa só minha, nada marcado ou esperado, celular na gaveta. Céu aberto em azul sonoramente ornado por passarinhos quase frenéticos lá fora e Margot deitada em seu travesseiro lilás aqui dentro. E a frase que se repete na minha cabeça é "Gosto de viver o que acontece comigo". Foi o que Maggie disse para Alma no excelente "Depois da Caçada" para pontuar o que tanto as difere. "E nada te afeta" veio a seguir. Achei bonita essa clareza. Clareza que levou anos para alcançar a personagem. Antes disso, Maggie venerava sua mentora, queria não apenas ser como ela, mas ser ela. E quantas vezes, diária, somos o outro ao invés de sermos nós mesmos pelas mais variadas razões? Raso pensar que seria só por falta de entendimento próprio ou negação do "eu". Boto fé que há toda uma atração pelo universo vasto do que é diferente, trazendo ares de encantamento. E simsim o diferente é rico, ainda que sirva apenas para explicitar o des-afim e até a repulsa, percepções importantes que nem serão sentidas se evitarmos a todo custo o que não se aproxima do "eu", o díspar (adoro essa palavra). Eu, como Maggie, também gosto de viver o que acontece comigo. Me afeto. No afeto, no desafeto, no nada. Gosto sim da entrega de viver o que acontece comigo. E sei que leva tempo e eu tenho tempo, o tempo que eu tiver. Lembrei-me daquele quase tango bonito do Fred Martins e ufa que o usarei para terminar um tanto abruptamente essa prosa sem caminho aparente de fim e me levar para outra (ir)relevância logo ali. "Eu tenho o tempo do mundo, mundo afora".

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Rádio Plutão

Tem



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Cara diária, seria essa insônia "um antiacidente como uma rima"?

Madrugada ativa por aqui. Acordei por volta da 1:30 e segui desperta até o sol de quinta-feira chegar. E não foram incômodos que me mantiveram acordada, foram coisas de outra ordem, específicas e aparentemente não interligadas: uma excitação, uma paixão e um mergulho temático.

A excitação veio de algo não vivido por mim diretamente, mas que me sacudiu em contentamento. Pedro partiu ontem para sua primeira viagem solo e passei o dia recebendo imagens dele solto - com amigos, na água, na baladinha. Fui tomada por uma energia quicante, uma alegria genuína em ver, de longe, a cria em voo desgarrado, vivendo dias de autonomia mais concreta. Despertei pensando nisso, na beleza dessas mudanças, e meu peito foi aos poucos se aquietando, mas pensar em mudanças me remeteu à paixão corrente. Aqui talvez caiba um parêntese: (paixões não me são raras nem óbvias. elas surgem por pessoas, objetos, coisas imateriais e quase inimagináveis, mas são ridiculamente efêmeras. por isso me entrego, por isso as degusto). E sim, como me apaixono por autoras e autores. Acendi o abajur, peguei os óculos e li Édouard Louis me espalhando por suas palavras, por sua escrita livre e tão tão rica em tanta coisa. Quase dormi. Mas acontece que ele tocou em um ponto que eu tinha debatido naquele mesmo dia com minha adorável prima Pat e só aí me toquei que tinha tudo a ver com o que eu havia escrito, meio sem elaborar, no dia anterior. Pronto. Mergulho temático. Fechei o livro, puxei o caderno e o resto é história. O in-crível é que, já com sol e sabiás-laranjeira gorjeando, saí da cama bem, disposta, como se tivesse dormido a noite toda. Por isso te pergunto, diária, terá sido essa insônia "um antiacidente como uma rima"?

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Rádio Plutão 

e vem lá



terça-feira, 18 de novembro de 2025

Cara diária, There is no such a thing as coincidence.

Foda lançar mão de anglicismos, mas o que fazer se há expressões adoradas nessa língua outra que perdem algo se traduzidas, algo na sonoridade, algo no sentido. Como traduzir a citada acima e deixar de lado a cadência das palavras combinadas? E em "it takes two to tango"? Corre aqui, Fal, porque eu não consigo. Anyways (uia, mais uma), essa noite sonhei com ela. Ela apareceu no último dos, sei lá, quatro sonhos que tive (oi, CDB). Estávamos nós em uma cidade que parecia interior de Minas, carro parado em estrada de pedra, nos organizando para um rolê específico. E ela ali ao meu lado enquanto eu procurava um par de meias e só achava pés avulsos. Eu fazia graça da situação, teatralizando o simples, e ela gargalhava com seus olhos brilhantes. Acordei meio que rindo, ainda na vibe fresca do sonho, para encontrar um mar de impressões em forma de palavras e fotos e vídeos dela enviados minutos antes. Minutos antes. Estávamos juntas. Eu com ela na escrita e ela comigo em sonho. Bonito isso. Bonito também começar o dia saboreando saudade gostosa de quem está longe/perto. Bonito ter na vida afeto assim. E me despeço aqui usando as palavras dela.


Beijo, querida. 🤍

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Trecho esparso sobre o amor 

Ela havia notado algo peculiar mas levou um tempo para chegar à certeza de fato. Ele não tinha cheiro. Nem cheiro só de pele sem perfume, nem cheiro de pele perfumada, nem cheiro emprestado de roupa lavada. Ele cheirava a nada. Nem quando distante do último banho ou logo após ele. Nem mesmo na boca acordada ou de dentes recém escovados. Nada. Ela bem que procurou - atenta - em horas propícias e lugares prováveis, mas só encontrou caminho sem trescalo (como depois lhe diria o dicionário). Uma atípica e intrigante ausência na essência. Ele cheirava a nada. Diante da evidência, coube a ela fazer o que sabe fazer. Abriu o caderno e o topo da folha com o título "A festa deserta do corpo sem cheiro". E pôs-se a escrever.

sábado, 8 de novembro de 2025

Método 


Tarde de sábado. Li apenas 10 páginas do Édouard Louis e tive que parar. Parei porque o céu lá fora mudou de cor de um jeito que a cor da página aqui dentro mudou também, me puxando para fora da história e de volta para meu quarto. Levantei, acendi a luz, ouvi trovões. Escancarei a janela antes de fechá-la só para sentir o vento forte e as primeiras gotas de chuva no rosto. Inspirei bem fundo e deixei sair pela boca o que sobrou da raiva que amanheceu comigo. Nada gritante, raiva quase corriqueira, nada nova. Aquela que vem quando minha necessidade de controle é cutucada. Quando o outro se demora no que para mim é urgente. E às vezes o tempo nem é necessariamente relevante, pode ser um lance que tanto faz se eu desenrolar de fato agora ou um teco depois, mas ter que depender do outro me perturba, me cresce o bico. Talvez por isso eu goste tanto do meu trampo, pois ali sou eu em todas as etapas do processo, da primeira à última. Controle. Me orgulho e aplaudo e enalteço esse traço em mim? Claro que não. Tento lidar com ele. Sem ignorá-lo, sem fingir que ele não existe. Tento lidar com ele. Reconheço a dificuldade minha, converso com a Larissa (que sabe bem do modus operandi) e me permito sentir a pequena ou grande raiva até ela sentir vontade de passar. E aí vem a calhar se o céu fechado em cinza escuro e a falta de luz me tiram do livro e me levam à janela. Para esvaziar no vento apertos de dentro. Mas devo acrescentar que a raiva em questão foi mais fácil de passar não só por mérito do meu autoconhecimento e do céu. O impasse prático que cutucou meu vespeiro foi resolvido com desfecho que contemplou todos os envolvidos. Houve estresse, desgaste, mas cada um entendeu o lado do outro e cedeu um pouco para achar saída comum. Ao invés de queda de braço, vitória e derrota, achamos entendimento, coisa rara entre nós nos últimos anos. Esse sentimento bom, cujo nome ainda não sei mas que rima com equilíbrio enfim, também se fez presente no peito e no vento. 
Ok, agora depois do sentido organizado na escrita, posso voltar ao livro que traz o tema como título. Mudar: método. Diga-me aí, Édouard Louis. 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Diária, meu bem. The D∅ também canta no seu silêncio?

Lô Borges morreu e eu, pouco internética que sou, só fui descobrir dias depois quando Falzuca falou a respeito. Putz, como amo a escrita e a cantoria desse mineiro que é trilha sonora "do meu vidinha" (oi, André) desde a infância. Bem que quis parar tudo e ficar dias ouvindo só Lô, assim como fiz com Angela Roro e com cada outro significativo que deixa esse plano. Mas não consegui. Porque há som novo ocupando meus espaços em metiê exploratório sem meta nem prazo para cumprir. E como me gusta e acho rico ser esponja sonora, sacar os arranjos, o tempo, as quebras, a poética cantada e seguir assim: canção por canção. Achar gosto e desgosto sem pressa. Pra mim, som novo é mais que som. É água nova e fresca que entra e se espalha, refresca. Frescor interno em forma e cadência variadas ritmando os dias com contornos móveis típicos do que se apresenta diverso, alimentando curiosidades. Busca, envolvimento, entrega e recompensa com ares de descoberta em quase moto-contínuo. E sim, acertou você se acha que o todo aqui dito é mais do que sobre música. É sobre o todo.🤍

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Rádio Plutão 

degusta



quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Retórica 
E quando o tanto se aquieta em confortável nada? Qual o cheiro dessa cor clara de água passada?
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Rádio Plutão 




domingo, 2 de novembro de 2025

Cara diária, tá sentindo o que fica e o que passa?

Interessante o quanto esses processos de quebra rapidamente desenham contornos que são mais sobre você mesma, seu estar no mundo e suas escolhas, do que sobre o outro. Veja bem que usei "quebra" e não "perda". "Perda", escrita assim crua, me soa agora tão unifocal, como se a ausência do objeto fosse o eixo principal de um movimento que envolve uma pá de coisas muitas vezes mais relevantes que a falta do algo em si. Já "quebra" traz um quê de caleidoscópio ritmado que, se bem degustado, é prato cheio para toda uma sorte de percepções e sentidos. Pedaços de um todo mutante. Pedaços que nem vão existir se a gente não se abrir para experimentar, para viver as experiências nas suas oportunidades práticas. E brincar com elas, se aventurar no porvir. Porque é na experiência que se materializa o pensar, o querer, o planejado, o improviso. Pra que roteiros rígidos, ditos seguros, diária, se eles te protegem também da riqueza temática da vida? Quando foi que o inesperado, o que foge do seu (pretenso) controle, virou um vilão? Liv Stromquist tece essa teia de maneira brilhante fazendo sociologia em quadrinhos no fodástico " A rosa mais vermelha desabrocha". Depois de lê-lo fiquei brisando sobre o risco de adotar o medo como timão do barco. Sobre evitar viver para tentar se precaver das intempéries da vida. Só que as intempéries são inescapáveis, dores são inescapáveis e elas vão te morder de algum jeito, inevitavelmente. Sobre como o medo te mantém "seguro" enraizado nos sofrimentos já conhecidos, só sofrendo, sofrendo só. É uma escolha. E quem sou eu pra ditar como os outros devem escolher viver, até mesmo porque euzinha aqui abracei mais de uma vez essa escolha no passado. Mas não mais. Hoje vejo mais sentido no risco, nos riscos que fazem sentido. E ah como me sinto viva nas minhas escolhas, inclusive nas equivocadas. Nelas amo. Nelas sofro. Nelas bordo vínculos e desato nós. Nelas sou nós, pronome plural. Nelas sou eu singular. Nelas descubro chances de mudar. Nelas me lasco. Nelas mudo. Me aventuro no porvir. E aí que ontem fui assistir ao impactante "O último azul", que extrapola o tema em TANTAS direções que vou precisar de elaboração e tempo para falar sobre. Talvez.

Beijo domingueiro, querida. 🤍