terça-feira, 5 de agosto de 2025
sábado, 2 de agosto de 2025
Bonito isso
Perai que vou buscar meus óculos. Pronto. Bem melhor. E é por aí. Quando criança tinha esse sonho de usar óculos por que achava (e ainda acho) absurdamente marcante e charmoso, mas eu tinha olhos de águia, visão perfeita. Aí que aos 44 fui renovar minha CNH e descobri que não conseguia mais ler bem de perto. Hoje, aos 49, a vida de perto é só borrões se sem óculos. Rolou um tempo de adaptação, mas confesso que adoro meus óculos e, de verdade, adoro precisar deles. Não tenho síndrome de Peter Pan, eu acho. Fico bem feliz que não morri (pra morte, por que em vida já dei umas morridinhas) e vou juntando em mim minha bagagem. Me orgulho dela com o seu pior e o seu melhor. Entro em uma ou outra crise de quando em vez, pois estou inserida nesta cultura etarista e misógina e machista do cacete, mas me sacudo e saio delas em 3, 2, 1.
Bom, introdução à parte, o ponto é meio que esse e meio que outro. Queria falar sobre as rugas. Estou assistindo ao seriado The Pitt e putz, o Noah Wyle. Lembro dele dos tempos idos de E.R. e que bonito é vê-lo com seus 54 anos e suas rugas. E veja bem que eu não estou me posicionando politicamente (apesar de estar). Eu acho realmente bonito Noah e suas rugas. Bonito. Atraente. Verdadeiramente bonito. Minha pergunta é: quem inventou que envelhecer é feio e deve ser evitado esteticamente a todo custo? Quem? Que loucura é essa? É genuinamente bonito, na boa. E talvez W. tenha chegado em minha vida também pra reforçar este olhar. Ele é 11 anos mais velho que eu, e eu o acho bonito, repetindo, genuinamente bonito. Quem decidiu em caráter coletivo que o tempo vivido imprimido na pele é feio e deve ser negado? Sou a única mulher de 49 anos que conheço que nunca fez nada de harmonização facial e nunca me senti tão bem. Sei que posso mudar de ideia (não linear e contraditória, lembra?) mas confesso que tenho hoje em mim uma autoestima quase delirante. Gosto de quem me tornei, do que penso e emano, da minha aparência, do meu estar de agora. Não tenho mais rosto de menina e por que teria se não mais sou? Tenho meu rosto de mulher. E acho realmente belo Noahs e Ws e Eus exibindo suas trajetórias no rosto. Como isto não pode ser belo? É! Pra mim é.
segunda-feira, 28 de julho de 2025
"vermelho sangue, verde oliva, azul celestial..."
☆ Venho por meio desta dizer que, aparentemente, o inverno acabou. Celebro e me sinto pronta para reclamar do calor desalmado quando setembro chegar.
☆ Toda uma geração que foi alfabetizada ouvindo Marina Lima e passou a vida soletrando fugaz em caderninhos e cartas tendo Marina como fonte. Até que o corretor automático veio enfim dizer que não não, que o gás total é sem L e e com z. Achei bonito. Tanto ter escrito errado mas certo esse tempo todo quanto descobrir um jeito certo mas errado novo de escrever.
☆ O cheiro fresco e úmido de roupa recém pendurada no varal.
☆ Eu me olhando de fora e quase sempre vendo sentido em estranhar meus ímpetos primeiros. Basicamente um eu contra eu pra então achar o a favor. Quase todo dia. Em cartaz em mim.
☆ Outra batalha é ouvir o corpo e atendê-lo no que ele pede, jogar a rigidez em relação à malhação pros ares. Fácil não. Esse fds teve teatro, boteco com cerveja agarradinha na cachaça (oi, Minas), torresmo, prosa ao sol, chamego noturno sem pressa e me permiti não pisar na academia, me controlei na minha cartilha quicante. Passei o domingo quietinha e, em agradecimento, meu corpo me colocou pra dormir às 20:36 e segui feliz até acordar com o primeiro sabiá laranjeira. Só ganhei nesse exercício de escuta. Mas é fácil não.
☆ O choque de ter o que queria. Um susto. Aperta áspero e me solta macia em movimento contínuo. Tátil.
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Rádio Plutão
sábado, 26 de julho de 2025
Filhos de mim
Nós ali sentados no banco esperando por Pedro, em chamego e brincadeira, quando André me pergunta: manhê, qual é seu ponto fraco? E lá vou eu: filhote, talvez seja o silêncio. Nos seus opostos. A presença marcante dele me incomoda, me faz preencher os espaços vazios com dúvidas e devaneios que via de regra nem fazem sentido. Eu sou da palavra e entro em conflito com o não dito, entende? E, por outro lado, me perco de mim e do outro quando o silêncio me falta. Preciso do silêncio, do tempo, do respiro. Preciso de espaço para elaborar o que eu penso e sinto. Preciso da falta. Mas nem sempre sei lidar com ela. E ele diz: não, mamãe, é o ponto fraco no corpo. O meu, por exemplo é a cosquinha. AÍ eu não soube responder. E como ri. rs.
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Por que eu amo a Fal
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quinta-feira, 24 de julho de 2025
Trecho esparso sobre o amor
O nome dele, um sussurro. O desfecho de um suspiro. Os erres que não sei se sobem ou descem ao final das sílabas soam despretensiosamente como um quase ronronar. Algo singelo. Mas para minha voz, com o meu sotaque, parecem evidentes demais, a ponto de eu me constranger. Ou não. O nome dele. Ele. E eu solta em sons.
quarta-feira, 23 de julho de 2025
" olha o meu charme, minha túnica, meu terno..."
☆ E este sorriso estalado? Esta cútis cheia de viço? Esta dancinha enquanto escova os dentes cantando p.l.e.a.s.e (oi, Noga) em pretenso silêncio? Esta energia saindo quicante por todos os poros? Fim das férias escolares, darlings.
☆"Janelas escancaradas como bocas que bocejam". Karl Ove Knausgård. Bonito isso.
☆ Fui a um café encontrar cazamiga e lá encontrei uma outra que não via há tempos mas sabia eu que ela tinha se divorciado recentemente. Aí ela me conta o que rolou e né, putz. Se Chico Buarque estivesse ao meu lado, sussurraria em meu ouvido "não sou eu quem repete a história, é a história que adora uma repetição". Que merda! Sou capaz de tacar o caderno na cara de quem disser "nem todo homem", por que é o homem na maioria esmagadora das vezes. E não pense que falo aqui em cima de um palanque de moralismos ou regras impraticáveis. Sou a mulher que carrega "não linear e contraditória" piscando em neon na testa e sei que todo mundo faz merda, todo mundo pode ser escroto e magoar os outros de quando em vez. Mas escrotice continuada, sustentada no tempo e no espaço, com a pessoa que está ali subindo a montanha contigo, aí não. Acho o fim da picada. Sabe o que eu queria? Peraê que vou abrir um meu reino inteiro só pra dizer.
Meu reino inteiro
Por um feitiço que, diante de uma escrotice consciente e continuada, faça o pau dos caras ir apodrecendo até cair no sétimo dia. Quem sabe seria didático.
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☆ "mas não tem nada não, tenho o meu violão".
☆ Há os que adoram estar sempre certos, cobertos com o manto adamascado da razão. E há os que até apreciam a beleza dos próprios tropeços, suspiram ufas quando se percebem equivocados. Talvez não por maturidade mas por um senso crítico um cadinho mais apurado em relação a si mesmo. Ou então, se pá, por simples estratégia de sobrevivência. Não sei. Perdi o fio da meada. rs.
☆ E eu que sou a rainha do falo o que sinto me peguei segurando a palavra ali, na pontinha da língua. Mas isso é prosa que carece de elaboração, prosa pra texto.
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Rádio Plutão
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sábado, 19 de julho de 2025
Trecho esparso sobre o amor
Parte de mim tem sobrenome escapar. Mapeio vielas escondidas, examino a viabilidade de terrenos de passagem e guardo senhas batidas no bolso. Enxergo rotas de saída em portas de entrada e, não satisfeita, chamo outrem para entrar. Decifro códigos talvez nem escritos. Desenho possíveis obituários no canto do caderno. Deixo a mochila pronta e prendo os cachos no alto, também pronta. Alongo o corpo, afino os olhos e me faço Rita em "cartão postal". E não sei se mais me acho ou me perco nesse ensaio supostamente sem palco.
sexta-feira, 18 de julho de 2025
"cada estrela se espanta à própria explosão"
☆ Fal sempre fala tanto da importância do registro e eu não só digo amém como afirmo ser tatuável "sou uma crente do registro ". 2012, que ano horrível. E como é bom reler e me ver ali me debatendo. Eu não estava passiva. Melhor ainda reler e ver que não estou mais lá. Um grande sonoro e prolongado ufa.
☆ Ainda sobre o tema acima, eu boto fé que toda vez que alguém começa a escrever um diarinho, o universo inteiro agradece. E se o diarinho é compartilhado, eu agradeço (oi, Davi).
☆ Os filmes do Wes Anderson. A estética, as cores, a fotografia, os diálogos, aquele ritmo permeado por um todo díspar. "O Esquema fenício " e a abertura com aquela cena no banheiro. Putz. Assistiria mil vezes partindo em pedaços e degustando segundo a segundo.
☆ E como não confessar que estou apaixonada? Suspirante, olhos brilhantes, ridiculamente entregue. Querendo tudo, querendo o todo, querendo mais. Sou puro amor pelo meu e só meu recém chegado óleo de canabidiol. Noite passada dormi oito, eu disse OITO horas de sono. É um soninho bom, uns sonhos macios, uma sensação de descanso que nem sabia mais que poderia existir. Sou só amor, sou só bem querer.
☆ Feminista de merda. E. abomina a expressão pelo mesmo motivo que pra mim faz sentido usá-la (assassinei o português aqui, produção?). Diz ele que fomos criadas em uma cultura machista e misógina então sempre haverá contradição em nós, independentemente do quão "feministas" somos. Por isso não há que se falar em "de merda" pois é uma condição esperada. E, pra mim, exatamente por ser uma contradição via de regra inescapável, mesmo com letramento e atitudes outras, ela é uma merda. Ela não deixa de ser merda só porque temos clareza da contradição. Bem, discordâncias em concordâncias à parte, estava lá eu na melhor linha "então é outra festa, é outra sexta-feira" quando parei para me perguntar se aquilo que eu me dizia querer eu queria de fato ou queria de modo automático, mais para os outros que para mim. E minha resposta foi diametralmente oposta ao "meu querer" inicial. Me senti simsim uma feminista de merda. Mas não com ares pejorativos. É mais como um percalço (ui) natural no caminho de quem questiona o script e, boa parte das vezes, rompe com ele. Consegui me explicar? Bom, as 6 pessoas que leem o blog sabem que nem sempre me faço entender, então está tudo sussa.
☆ Me interesso tanto. Me desinteresso tanto. Aí me interesso tanto. Às vezes nem eu dou conta, na boa.
☆ André Alves e a empatia. Era outro tópico, mas hoje não. :)
terça-feira, 15 de julho de 2025
49 e 3
O 13 de julho virou outra coisa mais que o meu aniversário. Em 2022, foi também a data do dia um de separação, o dia do "nem mais uma noite". Só de lembrar me vem aquela força no peito, o pé firme bancando a decisão e uma serenidade controversa, um prenúncio de alívio. Até então eu via o fim do casamento como um quase fim do mundo. E protelava. Ouvia Chico Buarque cantando que "a saudade é o revés do parto" e cria na separação como o revés do amor. Mas bastou a concretização da experiência chegar para minha perspectiva começar a mudar. Passei a ver e sentir o término da relação como uma grande manifestação de amor. Pela vida, por mim mesma e, de uma maneira meio truncada (às vezes envolvendo raiva e mágoa), também de amor pelo outro. Porque há o entendimento de que estar junto daquele jeito não tem mais nada a ver com amor. Ali sim, permanecer na relação, seria o revés do amor e a separação é o grito pro resgate. É um suspiro fundo que puxa ar novo e nos abre para a possibilidade de uma vida que faça sentido. Sair de uma relação exaurida é um ato de amor imenso. Por isso acho que o divórcio deveria perder o estigma de fracasso e ser celebrado, ritualizado como outros tantos acontecimentos marcantes e decisivos pelos quais passamos. Tanto que na época fiz uma despedida de casada: festa, bolo, lembrancinha, karaoquê. E ontem celebrei o ano três com água de cachoeira escorrendo pela nuca e sol no rosto, com a alegria de estar em mim e rodeada de amor por todos os lados. Viva.
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Georgie Jones - Resoluções para felicidade
N° 12 "Surpreenda-se com algo pequeno todo dia. Uma sombra, uma frase, uma colher ".
☆ Sobre o branco, o movimento lento dele de abraçar meu pé com a mão.
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Palavra roubada
"Glitch love
do amor ter sido a sorte
da morte
do amor ter sido amor
tecido à sorte
do amor
à morte e a sorte
do amor ter
vencido
do amor ter amortecido a morte
e sido"
Davi Machado (Aqui)
sexta-feira, 4 de julho de 2025
" e sonho soluções fenomenais..."
☆ 17:35. Tardinha que cai, minha hora preferida no dia. E sim, estamos em julho e acredito ser senso comum que esse é o mais gorjeante dos meses. Nada a ver com o fato do meu aniversário ser no dia 13 e ser também o Dia Mundial do Rock. Nada a ver.
☆ Fui visitar escritos antigos (oi Davi), lá dos idos 2010 e, pelamordadeusa, que obsessão por uma idealizada "leveza". Aff que dá uma vontadinha de sair apagando, mas não, né? A gente foi quem foi pra ser quem a gente é, quem a gente está. Então tá valendo.
☆ Lendo "A morte do pai", de Karl Ove Knausgård e degustando a maneira na qual ele descreve sua criança perceptiva e observadora, inserida naquela cultura familiar tão tão rígida e tão igualmente familiar pra mim.
☆ Gosto dele. Esta afirmação teve o patrocínio da oitava série B (oi, Falzuca). rs. E gostar, pra mim, decerto por ser algo que não acontece com frequência no campo afetivo-sexual, carrega um quê de estranheza. Me estranho. Estranho estar neste terreno único, não antes pisado por mim nem pelo outro, um todo novo. Acho bonito, excitante e estranho. A sensação que tenho é a de que tudo sinto e nada sei. Ou quase algo sei já que sei que me estranho. E sei também que minha boca talvez não se mova, mas meu olho abre em sorriso quando a gente se vê.
☆ E se a Iza de 2010 era obcecada por leveza (blé), a de 2025 tem como alvo Georgie Jones e sua escrita recitada. Não me canso. AQUI
quarta-feira, 2 de julho de 2025
Imo
Falhos. Intrinsicamente falhos. Ou meramente humanos, por assim dizer. E às vezes sem perceber, em movimento mais que natural, mergulhamos fundo nas nossas fendas, nas nossas ladainhas, na nossa pequenez mais genuína. E ali engendramos análises mirabolantes e perfis adversos e planos plausíveis que fazem MUITO sentido. Bem, MUITO apenas no secreto âmago de nós. Até que conseguimos enfim respirar, respirar de fato, e iniciamos o movimento de volta. Nos afastamos do conforto caótico da nossa gema e aos poucos sentimos certa clareza chegar. Esticamos os braços para alcançar o Eu que existe para além de nós e espreguiçamos como quem acorda de um sonho ruim, de uma viagem errada. Mas vira e mexe voltamos para lá, talvez entendendo melhor os ditames do passeio amargo e aprendendo a não se demorar. E penso que não é problema o imo ter ares de inescapável. Desde que consigamos, de alguma forma, escapar.
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Rádio Plutão
"eu abro meu Neruda e apago o sol"
Aqui
terça-feira, 1 de julho de 2025
domingo, 22 de junho de 2025
Trecho esparso sobre o amor
Ela imprimiu o silêncio. Jogou para o campo do inexistente o que viria, como se ele assim passasse de fato a inexistir. Mas não se calou no todo. Falou e cantou e riu sobre coisas outras da vida mostrando estar bem, confortável naquele hiato criado. E eu, que sou por demais galgada na fala, na palavra, guardei o silêncio no engasgo da garganta e fiz o que podia: respeitei. Não cabe a mim invadir o que nela nem é.
quinta-feira, 5 de junho de 2025
Nada frágil
Fala. Olha e fala. Se coloca, alinha essa estradinha aparentemente torta. Desenha seu querer em letra, seja pela boca ou pela caneta. Fala, tenta, é mais de boa do que você pensa. Descasca seus medos, joga seus sins. Usa sua voz, banca seus nãos. Um não bem bancado é mais que revolucionário. Fala. Põe seu azulejo colorido no meio do chão de cimento batido e vê o que acontece. Fala. Ou cala, vai, se preferir assim. O silêncio também é bonito do seu jeito, no seu claro imperfeito. O silêncio é vasto, morada de nós imaginários e espaços nada gastos. Então cala. Calar é mais regra que rebedia.
E, no fim do dia,
até o que cala
fala
na pequena poesia
terça-feira, 27 de maio de 2025
"Margarita has a strange appeal..."
** Num passado já distante, lá pelas saudosas terras das Minas Gerais, conheci esse cara, T., que tinha aí umas questões de ordem psíquica e carregava nas costas uma história famosa. Ele estava no aniversário de uma prima quando, no meio da cantoria do parabéns, ouviu uma voz dizendo: é agora!. T. atravessou a sala correndo e pulou. Da sacada. Do décimo andar. E não, não morreu. A queda foi amortecida por um toldo da área de lazer do prédio e ele somente quebrou as duas pernas. Somente. Na boa, cair do décimo andar e quebrar as duas pernas é NADA. Pois sim. Lembrei dessa história do T. por que na semana passada minha mãe "quebrou as duas pernas". Na versão dela foram nove costelas, pulmão contundido, corte no cotovelo e hematomas mapa mundi espalhados pelo corpo. NADA para alguém que bateu em um caminhão. Em uma rodovia. E o caminhão foi arrastando o carro até atingir um poste que desterrou pegando o carro por baixo também. E não, ela não morreu nem sofreu lesões graves, irreversíveis. Tá aí tendo que ser vigiada para não fazer peripécias durante o repouso necessário. E, assim como T., tem agora essa história pra contar.
** Saber compartimentar os diferentes aspectos da vida é uma arte, penso eu. Separar em caixinhas, rotular com letra bonita, organizar por ordem de importância e prioridade. Tudo muito claro, visual e certeiro, ali contigo. Nesse sentido, eu por vezes brilho, por vezes fracasso miseravelmente. E, no fim, não sei se faz diferença. Cê lá vi.
** Alessandra Orofino é uma gênia. Gênia. E a cada Calma, urgente parece mais articulada, precisa. Nada não, só pontuando obviedades.
** Adoro quando falo mal de algo, sou veementemente contra, brado "nuncas" enfáticos e depois vou lá, faço e gosto. Adoro. rs
** Eu ainda diria mais...
sábado, 17 de maio de 2025
"tô nem aí pra rolê, tô nem aí pra rolê"
** A frase acima cantada em coro entusiasmado no rolê (ói p'cê vê), frio cortante do invernico candango, gente dançante, mistura tipica asa norter e eu, novata ali, me perguntando quanto João Gomes é muito João Gomes. Ah, João Gomes 💛.
** Fazer amizade em fila de banheiro é um dos pequenos prazeres da vida que mais me apetece, na boa.
** Aceitação e perspectiva. Pepe Mujica morreu nessa semana e me peguei pensando muito na vida dele. Pensar no todo da vida dele trouxe a palavra "contentamento" para o meu já em curso processo de aceitação das coisas e foi um tempero bom. Quanto à perspectiva, E. me trouxe essa analogia que fez sentido e, sentido fazendo, decidi dar aquele conhecido passo pisando diferente. E pisar diferente mudou o passo. Bonito isso.
** Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e Miranda July me faz exclamar um "Cê tá de sacanagem" em sorriso a cada 5 páginas. Delícia.
terça-feira, 6 de maio de 2025
Maio
sábado, 3 de maio de 2025
Rupi Kaur
Tarde de sábado, sol, friozinho. Margot observa, já sem enxergar, os filhos de mim inventando toda sorte de brincadeira com gravetos e subindo em árvores e me esquecendo soltos. Um novinho de bigode passa cantando alto, pisada firme, algo que desconheço mas cuja letra me leva para outro som, outro tempo e me faz fechar o livro um pouco para chegar lá. Quando se lê poesia, tudo e qualquer coisa parece poética. E com Rupi Kaur me sinto em mergulho na falta de água. Ela entrega escrita que afunda faca no peito, desce em zigue-zague e você sangra repetidamente a cada página. O ar me falta, engulo seco, fecho os olhos e sangro. Sangro feliz pelo que leio e sigo sangrando até ter que parar sem conseguir. E me vejo Kaur no murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Caso meu florescer com o dela, piso o mesmo terreno e vejo que queremos mundos parecidos, que lutamos parecido. Termino o livro meio de sangue trocado de sangue mesmo. Termino o livro com a língua afiada em palavra e pronta para imergir em outros jeitos de usar a boca. Inclusive para dizer seu nome. Rupi Kaur.
quarta-feira, 30 de abril de 2025
terça-feira, 29 de abril de 2025
Trecho esparso sobre o amor
Ele falou o que me falou meio de canto mas em uma altura que não sei se quem estava perto chegou a ouvir. Só sei que disse o que disse e eu só entendi de fato quando saquei que música era aquela. Demorei uns segundos para voltar do susto da explicitude e disfarcei verbalmente. Mal, por sinal. Pensei ali se ele, como eu, é adepto da ousadia planejada e trouxe consigo a frase pronta de casa. Talvez. Ele ficou diferente: postura de satisfação, orgulhoso do feito, e olho baixo de claro arrependimento. Ambivalente. Eu fiz a egípcia (quero crer) e também fiquei diferente: lisonjeada pela certeza pouco surpresa de me ver parte do imaginário dele e incomodada por saber que esse é um terreno que tenho por regra não pisar. Ambivalente. Também. Ideal e nada ideal. ...........................................
Rádio Plutão
segunda-feira, 28 de abril de 2025
Por que eu amo a Fal
"Alguém a faz sentir-se viva quando alcançada pela luz?
A moça da canção do ABBA (pra mim vale a da Meryl) declara que, quando banhada pelas luzes dos holofotes (gostou do banhada?) não se sentirá triste porque alguém está em algum lugar da multidão e o olhar desse alguém a faz feliz. Ela canta por vaidade artística, ela canta para pagar as contas, mas ela canta para uma pessoa em especial. Mas uma pessoa especial, uma pessoa especial no meio da multidão, faz com que nossa cantorinha triste se sinta viva. Uma pessoa especial em meio à multidão.
É de se imaginar que seja recíproco, porque afinal de contas, a pessoa especial no meio da multidão está ali, a enfrentar la muchedumbre para assistir à apresentação da triste cantorinha banhada pelas luzes. Mas me entenda: é de se imaginar. Não é certeza. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode estar no show por tédio. A pessoa especial em meio à multidão não tinha nada pra fazer e a triste cantorinha mandou um ingresso de presente — a tal da pessoa especial pode ser do tipo que não paga pra ver os shows da cantorinha. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode até ter levado a pessoa especial dela, a pessoa que realmente ama, pro show da cantorinha triste. Por fim, a pessoa especial pode ter dito à cantorinha que ia ao show e não foi não. Vai ver, a pessoa especial em meio à multidão acha a cantorinha extremamente chata, mas, ao mesmo tempo, ter uma cantorinha triste extremamente chata ligando no meio da noite de Glasgow faz qualquer um, até a pessoa especial em meio à multidão que não dá a mínima, se sentir especial. E quem não quer se sentir especial?
Enfim, sobre a pessoa especial em meio à multidão pouco podemos dizer. Geralmente a pessoa especial em meio à multidão não está nem aí para o que a cantorinha triste, você ou eu sentimos.
*
Voltemos para a cantorinha.
Ela se declara menos triste, pois a pessoa especial em meio à multidão estará atenta, ouvindo seus trinados.
*
Nós que escrevemos, escrevemos para alguém: nossos leitores (não escrevemos para nossa família, não escrevemos para nossos amigos). Escrevemos para os nossos leitores. Quem são esses caras?
Se é que eles existem, digo.
*
Perdi um amigo, me machuquei e tomei um susto quase ao mesmo tempo. De longe, perder o amigo foi a pior das situações.
Esse era um amigo que não apenas gostava de me ler — a única coisa que faço na vida. Eu gostava imenso de escrever para ele e de escrever em qualquer lugar sabendo que ele ia me ler.
A morte dele me fez — ainda me faz, é tudo tão recente — inventariar com quem diabos estou falando e para quem diabos quero falar. Quando viramos escritores, somos ensinados, ensinamos a nós mesmos que devemos viver no mode Roberto Carlos – eu quero ter um milhão de amigos.
Não discuto com quem me diz Sim, quero alcançar as mais apartadas almas com o fulgor das minhas palavras.
Nesses dias, mais ou menos de molho, tou fazendo um inventário tão interessante quanto perigoso: estou escrevendo para quem? Não para que, mas quem? Pouco antes do meu amigo morrer, uma imensa escritora me disse que estava dando uma limada em quem a lê. Que está selecionando, na maciota, quem a lê e quando. Na hora só concordei, mas quinze dias depois, nunca uma declaração fez tanto sentido.
Para quem estou escrevendo? Não por que, mas para quem?
Daqui donde estou, embalada por questionamentos vários, tristezinhas miúdas, tristezona enorme, alguma decepção e partinhas soltas de ressentimento e surpresa, me pergunto se faz qualquer diferença ser lida por este e não por aquele, aliás, se faz qualquer diferença ser lida, aliás, se faz qualquer diferença deitar sobre o papel as palavrinhas minhas.
Não tenho resposta, não tenho solução, não vou recomendar a quem quer que seja escrever, não escrever, ler ou não, pensar ou não sobre isso tudo.
Mas a verdade é que a ideia de dar a última aula às dezoito horas, fechar o computador e comer e assistir séries até a hora de dormir tem me parecido muito sedutora. A desistência é sempre sedutora. E algumas coisas simplesmente querem que você desista delas."
Fal Vitiello de Azevedo
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" e nesse dia branco"
*** Aquele nozinho aqui do lado direito, que pega pescoço e ombro em fisgada e dói rígido, cuja terminologia científica é maternidade. Difícil para um cacete. Especialmente a tarefa hercúlea de viver batendo o pé para deixar claro que você, mãe, também é gente e não apenas função. Mais uma área da vida em que a gente tem que bater o pé para deixar claro que é gente. Na boa, difícil para um cacete.
*** Segunda rima com silêncio e algum respiro, mesmo que descompassado. E hoje, especialmente, gostaria que durasse meses.
*** O episódio 2 de The Last of us me lembrou o que me fez abandonar Game of Thrones. Mas tenho aqui pra mim que seguirei.
*** Sonhei esta noite que estava lendo um livro que não quero ler. Isso. Ponto. Só isso. O mais inútil sonho desses meus quase 49 anos. Valendo aqui da premissa (questionável) de que os sonhos têm alguma utilidade.
*** No excelente "Canção para ninar menino grande", Conceição Evaristo usa várias vezes "cria" como o passado de crer. "Ela cria na chegada do dia em que...". E fiquei viajando na ponte com o "cria" de criar. Pois acreditar, crer, é algo que criamos na nossa mente e nos nossos sentidos. Crer é uma criação imagética. Crer É criar. Por isso "cria", como usa Evaristo, vai além, diz mais, se estende para o campo macio do poético. Bonito isso.
sexta-feira, 25 de abril de 2025
quarta-feira, 23 de abril de 2025
"nada ficou intacto"
* Esse foi o pedaço de frase que me pegou quando tocou "Boa Noite" do Djavan no rádio do carro, de manhã, voltando pra casa. Ele fala ali do efeito de um amor arrebatador que chega mas eu senti em outro lugar: quando acontecimentos em série trazem uma espécie de crise que parece afetar os aspectos mais variados da vida. "Nada ficou intacto". Nada. Tudo mexido, repensado, rasgado, desfeito, refeito, redirecionado, mudado. Nada ficou intacto. É quase uma outra existência.
* Falzuca quer lançar a campanha "Isso não é amor, é desidratação" e eu digo amém, sista. Porque, né? Há casos em que só pode ser mente e corpo alterados por alguma desordem vital, na boa. rs
* A mulher que sou/estou vira e mexe (leia-se: quase diariamente) topa com a mulher que fui. Topada topada mesmo, na linha dedo mindinho no pé da mesa. Rola choque, grito, palavrão e leva um cadinho de tempo pra parar de doer, pra entender e eu lembrar que é o que acontece com quem muda sempre as coisas de lugar. Parte do processo em curso, mutante.
* Invasor bárbaro, encusiasta, negócio fechado, família adams, malásia, correntinha, pavão, focaccia, em comum. Nada não, só listando referências.
* Aí que o estado quase sólido de desesperança não era tão sólido assim. Foi se deixando permear por simplicidades. Por prosa e café sem pressa com Daia, por pé na grama e livro e sol e ducha gelada de faltar ar no parque, por Pri rompendo com planos para estar junto, por almoço que faz ponte para noite em casa de amigos onde se dança Bowie e Prince na sala e se canta Gal como se Gal fosse na mesa e se bebe gin em taça que parece um balde, por janta improvisada e risos precisos na casa de Paulinha, por White Lotus maratonada, por Alabama Shakes nos ouvidos. Por quietude. Por Conceição Evaristo e sua escrita phoda. Por áudios de rir e chorar da Fal. Pelo que vive. Pelo que se vive.
quinta-feira, 17 de abril de 2025
PORTARIA CGR Nº 1, DE 17 DE ABRIL DE 2025
Atribui novo significado a estar bem.
A PRESIDENTE DO COMITÊ GERAL DE RESSIGNIFICAÇÕES , no uso da competência que lhe foi subdelegada pela Portaria MTA nº 1, de 20 de maio de 2010, e o que consta no Processo Dossiê nº 130776.130776/1976-13, RESOLVE:
Art. 1º Instituir em caráter temporário e em regime de urgência o novo "bem". O novo "bem" transita em chão duro sem o uso de qualquer tipo de amortecimento e carrega doses consideráveis de seca aceitação. Possui coloração inidentificável, aspecto opaco mas, curiosamente, no fundo é transparente. Prescinde de pausa, chora pouco e mantém alto desempenho na execução das tarefas diárias. O novo "bem" rasga esperanças tolas, infantis, e se fortalece na convicção plena de que tudo não vai ficar bem. Abomina toda e qualquer forma de silêncio e musica (sim, do verbo musicar) todos os espaços ocupáveis. Dá merecido descanso a Noga Erez e abarca variações de algo por ele classificado (talvez equivocadamente) como punk rock. Canta alto todo o "Horses" da Patti Smith, dança sentado duas lado B do Talking Heads e explora Santigold. Ainda assim, o novo "bem" desconhece a graça das coisas e segue cru. Não apresenta características típicas do antigo bem, mas responde que está bem quando perguntam tudo bem. O novo "bem" não se sente só, tem amparo logístico e afetivo e valerá até que portaria posterior o torne sem efeito.
Art. 2º Este ato entra em vigor na data de sua publicação.
Izabela F. Cosenza
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Rádio Plutão
segunda-feira, 14 de abril de 2025
"como dois e dois são cinco"
Chove um tanto lá fora. Chuva bonita, encorpada, contínua, com um ou outro som tímido de trovão. Chuva que faz uma a cor do céu. Um longo e único branco acinzentado. E eu, sem cor aqui dentro, não consigo me prender a nada. Como se mente e corpo estivessem sintonizados nessa frequência vaga, sem chiado. Trabalho sem trabalhar, leio sem ler, dirijo sem dirigir, malho sem malhar, como sem comer. E não, não estou afundada em um poço de tristeza ou outra emoção qualquer. Não é isso. Há dor, mas não é isso. Estou desligada, em off, atravessando os passos do dia. Um a um. Eu ausente. Preciso dar um jeito de descer com a Margot. Minha capa de chuva verde, guarda-chuvão e a capa de chuva rosa bonitinha e meio ridícula dela. Preciso trabalhar até as 19:30. Chuva de matérias aqui. Preciso não errar. Tipo de ato, seção, data de publicação. Básico, Izabela. Preciso higienizar as folhas para a salada, ralar cenouras. Preciso continuar nesse silêncio perene e vago, sem chiado. Branco acinzentado. Duas mortes em cinco dias. E eu perdi a cor.
sexta-feira, 11 de abril de 2025
"quero te dizer nenhum segredo"
* Manhã, aula de bike indoor, no telão competição feminina na Bélgica e uma imagem aérea mostra uma capela cercada de verde por todos os lados com o escrito "Chapel of Steenbergen" no canto da tela. Por um segundo escapei sem pensar para outro tempo, outros tantos lugares e tanto que quase senti aquele cheiro específico. Quase. Mas não.
* O que chega para ser escrito desconhece o tempo do relógio. E se chega no meio da madrugada traz consigo um imperativo de urgência, pois há chances abissais de ele cair no esquecimento se não cair no papel naquela exata hora. Nessa noite foi assim. Lá pelas 4 me veio o texto prontinho: início, caminho longo e encadeado, pausas, as repetições que imito da Fal (oi, Falzuca), fim que retoma o começo e, se não me engano, até um toque de pretenso humor no meio de uma prosa sobre luto. Não sentei para escrever e ele se foi provavelmente sem volta, o que tem tudo a ver com tudo. O que tem tudo a ver com o (des)embaraço do tempo.
* Alguém da vizinhança tem praticado sax nos fins das manhãs. E eu já me pego dando bom dia pro som. Bonito isso.
* Focaccia. E não falo aqui de pão. É meio que nome ou estado das coisas.
* Noga Erez faz folia em minha vida desde 2023 e tenho pra mim que estou compensando por todo o pop que não ouvi nos anos 90 (Alanis conta como pop, produção?). E tenho ouvido só e somente ela nos últimos dias. Tio Jorge morreu na quarta-feira. O Tio Jorge. Sigo um tanto desorientada desde então, sem conseguir colocar pra dentro ou pra fora, e Noga, de alguma forma, me ritma. Especialmente no aquário.
segunda-feira, 31 de março de 2025
"quero te dizer nenhum segredo"
*A biblioteca da meia-noite. A história é interessante, o livro foi bem escrito, mas me peguei, página a página, esperando por um sobressalto, uma pausa forçada que não chegou. Aquela frase, aquele parágrafo que te faz fechar o livro pra respirar. E você volta e relê o trecho dez vezes e copia no caderninho e fica se perguntando, maravilhada, como alguém escreveu AQUILO (pausa) DAQUELE JEITO (pausa). O lance não é a história, é quem conta a história. Isso faz toda a diferença. Aí sinto que sou tão bem acostumada à maestria poética de Fal Azevedo, Carla Madeira, Ana Suy (conta outra linha de história, mas entra lindamente no time), entre outras, que espero a delícia e o impacto do dito susto. Terminei "A biblioteca.." como quem come um pacote rosa de pipoca sem achar uma doce sequer. Mas, enfim, é um livro válido. A história é boa.
*Assistir à série "Adolescência" enquanto se lê "A vontade de mudar" da bell hooks abre pauta para dez sessões de terapia. Pra começar.
*Responsabilidade afetiva. É bonito na teoria e difícil pra cacete na prática. Requer uma escolha minuciosa das palavras, do tom da prosa. Requer ensaio. Requer lidar com taquicardia e mãos ridiculamente geladas para soltar um "queria te falar sobre como me senti ontem à noite" e seguir dizendo que não há interesse da sua parte, dando a real sem esquinas nem vãos. Difícil pra cacete. Mas aí o outro te escuta, se coloca, diz que tá tudo bem e te agradece pela sinceridade. Ói p'cê vê. No fim das contas, responsabilidade afetiva é bonito na teoria e na prática. Erasmo Carlos sempre soube: gente certa é gente aberta.
*"O pior é o que eu não contei" me fez gargalhar.
*Os filhos de mim abominam carnaval mas são dois ratos de biblioteca, graças às deusatudo. André veio me mostrar esse livro que pegou sobre um E.T. e contei pra ele que aquela era a história de um filme que eu havia assistido quando pitica, quando tinha a idade dele. Ele me olhou incrédulo. rs. Aí lá fomos nós três assistir ao "E.T. o extraterrestre" juntinhos e, putz, foi tão gostoso que dá pra escrever um livro sobre.
*Olha, se sentir incomodada e não ter que fingir que tá tudo bem é altamente libertador. Recomendo. Ainda que rolem cabeças. Ainda que seja a sua. Vale demais da conta.
*Põe um sorriso na minha cara. Nada não, só cantando. =)
sexta-feira, 28 de março de 2025
quarta-feira, 26 de março de 2025
Acorde
Trouxe pouca coisa além da lembrança. A roupa do corpo, celular no bolso e chaves de lugar nenhum. Abriu sorrisos - um com algum pesar -, falou de alívios e da textura atrativa da falta de chão. Ele ali, pisando onde eu já pisei. Eu ali, escutando tranquila, como casa aberta de frente pra praça. Ali, os dois desatados de nós ouvindo de fundo a sonora nova de quem mudou de direção. Outras trilhas. E nos despedimos bem, cada um seguindo a sua.
Um Lá. Um Lá Bemol.
segunda-feira, 24 de março de 2025
(escrito há 1 ano, em 25/03/2024)
Meu pai morreu. Encerrei a ligação, dei a notícia a minha mãe e continuei a trabalhar, mas não me lembro de uma linha do que fiz. Avisei meu chefe e quem mais eu quis avisar, fechei a porta e apaguei por quase 3 horas. Acordei esquisita, meio seca, perdida. E perdida tive um tempo ali antes de buscar os meninos na escola. Meu pai morreu. Meu pai morreu e não posso discorrer sobre o quanto eu o achava admirável, dizer que nossa experiência juntos foi incrível. Não, essa não é a nossa história. E precisei chegar a idade adulta para entender que meu pai era um "homem do seu tempo" e entender o quanto desafiador deveria ser para ele ter uma filha como eu, que não via sentido algum nas atitudes típicas de um "homem do seu tempo". O que ele conhecia como relação era pra mim inaceitável, desrespeitoso; e o que eu propunha como relação era pra ele inaceitável, desrespeitoso. E assim passamos a vida, patinando no terreno do conflituoso ou indiferente. Sei que ele me amava e por vezes soube do meu amor por ele, mas a gente achava pouca brecha pra trazer esse amor para a prática. Com a chegada da demência, há alguns anos, comecei a demonstrar um ou outro afeto e ele também. Meu pai morreu. Meu pai morreu e tenho pra mim que fizemos nosso melhor, ainda que tenha sido pouco, ainda que pareça pouco. Meu pai morreu e eu que sou de gritar por ajuda e sofrer junto quero ouvir nada, dizer nada. Quero ficar quieta para tentar dar nome para o que sinto sem ser rasa, afoita, e chamar de "uma tristeza enorme" porque é outra coisa que não isso. Meu pai morreu e me escapa a palavra. E, de alguma forma, eu me escapo também. E sinto muitíssimo.
domingo, 23 de março de 2025
Parecia brincadeira e meio que era. Ela passeava tranquila pelo corpo dele: as pontas, os meios, os pedaços óbvios, os cantos escondidos e intocados. Sem pressa. Sem pressa, mas não em silêncio. Ia contando coisas bobas, aleatórias, pelas quais sua pele já tinha passado. Contou da sensação da rocha quente no corpo gelado e molhado de cachoeira. Contou da gengiva que recebeu de volta dois dentes de leite numa queda. Contou da borda dos olhos que parecia sumir a menos 17° celsius. Tudo isso enquanto espalhava dedos, nariz, boca, língua, queixo pelo todo dele. Sem pressa. Até que chegou na tatuagem do braço e cravou os dentes com alguma força. Ele quicou assustado, susto bom, e se entregou em riso a aquele relaxado tenso. E ela também. Se entregou.
segunda-feira, 17 de março de 2025
Por que eu amo a Fal
"Palavras, quando o resto nos falta. Ou nos trai. * Palavras, o registro. A prova definitiva do que fizemos e fomos e realizamos. * Palavras que atestam, que exploram, que riem, que gozam. Ah, que explicam, sendo ou não necessário. Palavras que, não raro, estraçalham e, creia, jamais podem ser retiradas. * Palavras que segregam. Que voltam, que cobram, que surpreendem. * Somos, todos nós, construção de nossos suores e desejos, biologias e meios, fibras musculares e sublimações, mas somos, acima de tudo, a consciência concretizada em palavras. Uma conjugação de palavras, uma constelação de palavras. * Estamos aqui com e por elas, o tempo todo lutando nas entrelinhas, dando dois dedinhos antes de começar o parágrafo, apontando o lápis sobre a lixeira, cheirando o caderno novo, namorando a borrachinha, farejando os mundos inéditos, a navegação interestelar para a qual as palavras vão nos enviar enquanto tivermos forças. * Algumas palavras nos limitam, vamos ser francos. Como um namorado abusivo, elas nos cerceiam, decidem o que podemos ou não pedir do cardápio, como devemos nos comportar e que não podemos falar tatibitati com o cão. Algunas palabras emperram nossa vida se são ditas, se não são. Saber que existem em algum lugar do dicionário já é uma aflição. Demoramos para nos livrar de algumas palavras, temos recaídas e saudade de sua maldade. Mas quando finalmente seguimos em frente, nós nos espantamos ao lembrar do passado: “Meu Deus, por que eu andava com uma palavra daquelas?” * Um dia, eu disse ao homem que amo: fica firme porque as palavras voltam. As palavras voltam para nós, sempre. As palavras nunca se foram, não realmente. Não as palavras alheias, as nossas, elas voltam. As pessoas não olham para trás. Velhos amantes esquecem seu nome. Um amigo, que jurou permanecer, perde seu telefone. Uma amiga, com medo do anormal com quem se casou, se afasta de você. Seu irmão faz uma vida só dele. Seu cão morre, sua cidade muda. Mas as palavras, as suas, as suas palavras, voltarão, as palavras querem que você as alcance. As palavras não se esquecem, não precisam dum fio, duma trilha de migalhas, dum motivo, dum pedido desesperado. Elas voltam, as palavras, é isso que elas fazem. É a natureza delas. E a sua." Fal Azevedo |
sábado, 15 de março de 2025
Nada leve
Faz bem umas duas décadas que eu digo basicamente a mesma coisa a cada brinde: saúde e leveza. Mas confesso que já há algum tempo a segunda palavra me sai meio que agarrada na garganta. Não pelo que eu quero que ela signifique, mas pelo que muitas vezes ela representa de fato. Uma quase máscara com outro significado escondido por detrás. Comecei a me tocar disso em um passado já passado (ufa), em um movimento de retomada de protagonismo no "meu vidinha" (idiossincrasia). Lá estava eu caindo no mesmo buraco de sobrecarga : trabalho + logística doméstica + cuidado com os filhos, me responsabilizando praticamente sozinha por um conjunto de coisas que deveriam ser compartilhadas. E, já desperta e consciente, manifestava constantemente meu desagrado e indignação diante daquela disparidade. Aí veio a pérola: o problema não era a situação em si, mas a minha "falta de leveza". Eu deveria viver daquele jeito, nadando na merda (perdoe meu francês), sem reclamar nem exigir mudanças. A "leveza" era estar agradável ao outro, independentemente de como eu realmente me sentia. Bacana, né?. Então que dia desses falava eu sobre incômodos latejantes com outra pessoa quando ela me interrompeu e disse: "Calma, Iza. Vamos manter um tom leve!". Taí, de novo, esse mesmo sentido distorcido. Na boa, se for para encarar a leveza assim, como mansidão incondicional, eu a dispenso de pronto. Pra vida. Não quero ser leve. Quero ser a expressão genuína dessa paleta variada de sentimentos que fazem parte do existir, inclusive incômodo, raiva, indignação, tristeza, irritação e por aí vai. E que minha voz e atitudes sejam o reflexo PLENO desses sentires, os meus sentires todos. Porque leveza para mim é estar conectada comigo mesma e ser sincera em relação ao que eu penso e sinto, sem que o outro seja a baliza avaliadora e limitante da minha fala. Para mim leveza não é mansidão , é plenitude.
Saúde e plenitude. Tim tim.
quarta-feira, 12 de março de 2025
segunda-feira, 10 de março de 2025
Miniconto sobre a falta
Ela sentiu nada. Percebeu a presença dele e continuou descendo as escadas inalterada. O sorriso de longe, o aproximar, o abraço alto e demorado, o contato com o corpo: um todo sem impacto. A conhecida suspensão virara um sereno sem, um vazio espontâneo e confortável. Ela tão não estava ali que até o cheiro dele passou despercebido. E pôs-se a pensar no quanto o desejo por vezes tem vontade própria. É capaz de sobreviver a intempéries colossais e também de sumir assim, sem aviso nem plano. Sumir. Ela sentiu claro o desejo ausente. E subiu de volta as escadas. Inalterada.
sábado, 8 de março de 2025
Momper
"Como na palavra, palavra, a palavra estou em mim". Era o início dos anos 80 e Caetano já cantava a pedra. Outras palavras. Cada um sabe de si e eu não sei de você, mas sinto essa necessidade febril por outras palavras. Não acredito em mudar o dado, o pré-estabelecido, usando os mesmos nomes. Porque penso que chamar o novo do algo antigo é uma maneira de desconhecê-lo, limitar o campo de criação, de transformação. A palavra nova abre espaço para outras construções que abre espaço para outras palavras e vai-se assim. Em movimento. E pouca coisa me interessa mais nesse momento do que dessignificar (outra palavra) ou mesmo ressignificar. Escolher outras dinâmicas e dar nome a elas. Escolher o nome das coisas descobertas, escolhidas. Bonito isso. E essa necessidade minha não vem de uma pretensa pompa literária ou ímpeto aventureiro. Longe disso. Ela grita porque não sei viver com as palavras que me foram ensinadas. Vivo mal, vivo pouco, me perco. Preciso de outras palavras para me ser e, mesmo que momentaneamente, nomear quem sou. E escrever.
domingo, 2 de março de 2025
Não é pequenez
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025
Oníricos nº 3
Ontem à noite, você, mais uma vez. Era uma festa no Praia Clube, sambão, eu e Larissa. Você chegou meio cabeludo, meio bêbado, meio inconveniente, mas parecia se sentir em casa. E ali nos acompanhou pelas andanças e pequenos acontecimentos num misto alternado de ocupando todos os espaços e invisível por completo. Até que, em certo momento, você me levantou pela cintura com um só braço e me beijou. E esse beijo foi, sem dúvida alguma, o beijo mais insosso e vazio que já beijei. Ainda fiz o esforço de me concentrar nele, buscando algum sentido de encaixe, algum gosto, um tempero qualquer. Sem sucesso. Ruim. Comicamente ruim. Na boa, se é para invadir meu sonho e meu samba, faça a gentileza de me beijar propriamente. Beijo de bambear coxas e arrepiar pelos que nem tenho e de me sumir por um instante do ao redor e de mover águas em mim. Francamente. rs.
domingo, 23 de fevereiro de 2025
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
Hã, biloute?
*** gosto de dizer que quem tem filho pequeno não tem plano, tem intenção. Mas a verdade é bem mais ampla que isso. Quem está vivo não tem plano, tem intenção. É claro que a gente planeja, estrategiza (isso é um verbo válido, produção?), sonha, deseja. Mas uma mudança, às vezes externa e que foge completamente ao seu controle, chega e lá vai você se perder e recalcular a rota em condições ridículas de temperatura e pressão. Ridículas. Ridículas. Ridículas.
*** uma semana horrenda, horrenda, horrenda, horrenda. Tão horrenda que dá preguiça de caçar adjetivos melhores. Só repito os mesmos. Mas te digo, há uma vantagem de estar nesse ponto, no lustrar o fundo do poço com a cara. Pra mim, essa é a hora para as pequenas ousadias que normalmente me deixariam receosa, nervosa, sei lá. Eu tô tão ridiculamente (ói a repetição) na merda que eu só vou. Qualquer situação desconfortável vai ser nada perto do que já está rolando. Então vou.
*** minhas incríveis amigas não têm o poder de me tirar da situação horrenda - completamente fora do alcance delas- mas elas vêm me visitar no fundinho horrendo, limpam minhas bochechas, fazem chá, trazem Van Goghs, leem pra mim, falam delas, gargalham, brilham ideias de estrada e mato. Incríveis. Incríveis. Amo loucamente. 💛
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025
Trecho esparso sobre o amor
Eu converso contigo. Ocasionalmente. Acho súbito, não entendo bem o por que, mas converso com você. Assim: prosas eventuais, imaginárias, com pausas reticentes nas frases em que eu diria seu nome. Eu não conheço seu nome. Conheço sua capa, sua voz e sua vibe que passa, transita perto. Conheço seus bons dias, como você me olha e o efeito do seu olho no meu. Isso conheço. E tem algo ali, um chamativo, uma intensidade presente e, não sei, talvez contida. Não sei. Um algo que talvez toque algo adiado em mim.
domingo, 16 de fevereiro de 2025
Pele
Bonito o caráter expansivo da arte. O filme fala do livro que cita o espetáculo que menciona a autora que escreve sobre o quadro que te lembra a série na qual rolou aquele som, aquele som. É meio o poema do Drummond - "João que amava Teresa que amava Raimundo..." - e também na "Quadrilha" da arte os elementos diversos seguem entrando e se movimentando pela nossa história.
Ouvi Letuce pela primeira vez em uma peça de teatro. Tocou "Potência" e eu fiquei simplesmente alucinada, memorizando partes para depois ir sedenta descobrir (e amar) que banda era aquela. Descobri Elizabeth Bishop lendo um artigo sobre Drummond e é dela meu poema favorito na vida. Daí ontem aconteceu algo do tipo. Assistia ao excelente, "Boa sorte, Leo Grande" quando entrou em cena uma cena de dança (ahh, as cenas de dança) e lá fui eu quase me desconectar do filme para mergulhar no som. Voltei a cena várias vezes, me levantei, dancei junto até sentir bem o que havia para sentir ali. Fiquei em dúvida se já conhecia a música porque a conhecia ou se só parecia ser conhecida pelo jeito macio de encaixar em mim. Viajei sem pressa naquela onda prazerosa até que enfim reconheci a voz. Brittany. Dois minutos de busca pelos sons do Alabama Shakes e lá estava ela , Always alright, me esperando. Veio certeira ao meu encontro para fazer casa no meu repeat. Através do filme. Acho isso bonito demais, esse encadeamento que a arte faz, esse juntar colorido de missangas no fio de um colar (oi, Mia Couto). Colar que desconhece fim e vai dando voltas festivas no pescoço, se espalhando, ocupando espaços do corpo. A arte compondo minha pele. Não me canso de achar bonito.
P.S. : Just in case you walk by here, there is a US tour going on, DC in september. Do yourself and the universe a favor and go, por favor. Obrigada, de nada. ;)
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025
Conversê
I: O Irineu existe???? 😱😱😱 Chocada
F: eu tava quase morta naquela padoca
I: Ele nem sonha que é uma celebridade, tadico...
F: né, eu me pergunto se tenho direito de separar aquele homem da celebridade que ele merece
I: hahaha! Toda uma vida paralela, poética, cheia de melindres. E ele lá, só comprando pão.
F: ele tava tomando uma cynar
eram 7h15 da manhã
terno branco com camiseta branca
cynar
no balcão
eu sei que era ele
I: Joguei cynar no Google e GARGALHEI
Só pode ser ele, falzuquitcha
F: eu sei que era
I: E a gente só sonha em chegar lá, né? Desfilando elegância e cynar na padoca às 7:15 da manhã
Algo a se sonhar
Um quase propósito na vida
Hahaha
Até lá você escreve sobre fins de mundos e eu escrevo trechos esparsos sobre o amor inspirados em 1- caras que eu não conheço e 2- caras que eu preferia não ter conhecido. Até a gente, enfim, pedir pro seu Manoel dois aperitivos de alcachofra no balcão da padoca. É um plano.
F: HAHAHAHAHAH ❤️ ❤️ liamo
I: Te amo, meu bem ♥️
terça-feira, 11 de fevereiro de 2025
Rádio Plutão
Galt Galt Galt.
https://open.spotify.com/track/6MN6yRVriszuyAVlyF8ndB?si=-XH1lCdcSkKHfkKNgirHzQ
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025
Com elastano
Rigidez. Quem cresceu em famílias que tinham o rigor como cartão de visita sabe bem o quanto esse tópico é sensível se escolhemos olhar para ele com o cuidado e a reflexão que merece. Por que se por um lado o rigor pode abarcar algum conforto, trazer regras firmes e com elas algum senso de segurança, por outro, parece inescapável que ele caia na intransigência e acabe flertando com a arbitrariedade.
Sei que regras são importantes e que viver a vida sem elas, solta na mão do palhaço (adoro essa expressão), pode nos afundar num caos completo. O lance, então, a meu ver, é se engajar no exercício hercúleo de ir buscando um equilíbrio entre o "dado como dado" e o "ó, pode ser diferente". Aí que dia desses flexibilizei uma regrinha minha (calcada em embasamento prático e pessoal, devo dizer. rs) e me senti bem feliz com a minha atitude. Ahh, por que deu certo, saiu como esperado, Izabela? Não. Êxito zero na empreitada, meu camarada. Uai, feliz "casdiquê" então? Por que eu me questionei, eu não encarei o diferente com olhos de estranheza e repulsa imediata. Eu trouxe o diferente para conversar com o que eu tinha como "certo". E, nessa conversa, eu vi brecha para maleabilidade, brotou um "vai que..." e me permiti agir fora do que tinha preestabelecido. O resultado não foi bom, mas a experiência foi boa. E não só pelo precioso exercício em si, de refletir e olhar além (oi, Nina), mas porque em outras situações já vividas flexibilizar deu super certo e boto fé que em outras que virão também dará. E está tudo bem se der ruim vez ou outra. O que eu não quero é cair no engessamento. Na rigidez que, no fim das contas, nos cega. Cega tirando nosso poder de escolha consciente e, acredito, nos deixando mais propensos a julgar negativamente o diferente, só por que não se encaixar no nosso jeito. A rigidez joga a gente no automático. E o automático é quase burro, fechado para mudanças. Fico genuinamente feliz por eu ter me aberto, ter me arriscado. E termino esse texto um tanto nada organizado citando os adoradíssimos Porcas Borboletas. Sigo sem medo de me molhar.
" Eu me fodi
Tranquilamente
Tô nem aí, eu sigo em frente
Porque agora nessa vida
Eu pretendo melhorar
Se chover eu tomo chuva
Com vontade de molhar."
"Infelizmente" é som delícia da banda Porcas Borboletas.
https://open.spotify.com/track/3lZi9haOBepJfyKrxUMTn8?si=VGeNdB-lRkWP0EWvijQLZA
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025
It takes two to tango
Adoro essa expressão. E não só pela sonoridade, esse encadeamento poético de Ts e o que faz a boca ao pronunciá-los assim seguidinhos. Adoro porque ela traz algo da dinâmica da dança para a dinâmica da vida. Pois assim como no tango, relacionar-se requer movimento, sintonia, presença. Requer incorporar (literalmente) o som e ter alguma dose de confiança para se mover de acordo com as esperadas mas imprevistas tempestades e calmarias, encaixes e desencaixes. Lembro bem dos meus tempos de dança de salão que, para as outras aulas -forró, salsa, samba, bolero- bastavam sapatos e roupas confortáveis. Para o tango não. Para o tango era salto, saia, collant, cabelo em coque, postura e parceria. Eram comuns exercícios com os olhos fechados ou vendados e danças inteiras com as luzes apagadas, no quase completo escuro. Era um exercício de entrega e presença. Sintonia. Mesmo que cada qual com seu passo diverso. E não vejo como estar presente se a dança não te move de fato. Se a música não te apetece, o ritmo não conversa contigo e os passos não te prendem em liberdade pelo salão, não há presença. Há desconforto. E ninguém tem que gostar da mesma dança ou querer dançar. Há aí uma infinidade de ritmos outros, possibilidades outras que podem te fazer mais sentido. Inclusive danças deliciosas que prescindem de parceria. Mas dança de dançar junto é com dois presentes. It takes two to tango. E às vezes na vida a gente é tão pouco atento que dança sozinho estando com outro. Ou seguem os dois em desgosto e desgaste tentando achar ritmo comum onde não existe mais. O entendimento do que é amor, amizade, respeito, responsabilidade, liberdade, ética relacional pode ser completamente diverso e naturalmente não vai encaixar em passo. Não há dança. São pés arrastados em tropeços contínuos. O tango é complexo de se dançar e é divino. Relacionar-se também. Mas precisa de dois. It takes two to tango. Hoje consigo enxergar isso com clareza e me sinto em treinamento no exercício de trazer essa percepção para a prática. Mas confesso que tenho pés e mãos e corpo inteiro com cicatrizes e uma ou outra ferida ainda aberta de tanto que me arrastei e me contorci pelo salão. Me machucava tentando encaixe em dança ruim pra mim ou tentando convencer o outro a dançar, só para garantir a ilusão de ser um par. Não mais. Talvez só agora eu esteja realmente aprendendo a dançar.
quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025
terça-feira, 4 de fevereiro de 2025
Oníricos n°2
Entrei pela porta sem tocar a campainha e não me espantei com a quantidade de gente. Era a sua casa, mas não a casa que eu conheço. Da sala fui para uma varanda comprida que não existe e, a partir daí, lembro só de uma coisa ou outra. De brisa fresca, cortinas vermelhas, luz de fim do dia, burburinho gostoso de encontro festivo e de um bolo de chocolate no centro da mesa. Imaginei ser o aniversário da sua cria, pelo tanto considerável de criança espalhada ali. Até que você segurou meu braço, polegar em movimento, e disse meio de lado sem me olhar no rosto: "não vai embora, tá". Também sem olhar, mas sorrindo, respondi um macio "talvez". E ali ficou clara a sua questão em relação a quem eu fui e a minha tranquilidade em não ser mais. Acordei já fora do sonho e, ao abrir a rede social, lá estava você: vela soprada, bolo, comemorando seu aniversário na noite anterior.
Hã, biloute?
*** Eu, que sigo firme me equivocando em relação às coisas, tinha pra mim que a blogosfera era agora esse campo em ruínas, inabitado, de folhas secas em movimento e vento uivante. Ledo engano. Há aqui gente que lê, que escreve e segue explorando as variadas trilhas palavreiras. Surpresa boa. Caiu por terra meu propósito primeiro de fazer daqui um diarinho secreto, mas tá valendo.
*** "Chega de passar a mão na cabeça de quem te sacaneia", Barão Vermelho cantou a pedra nos idos anos 80. A gente cantava inteirinha, dançava nas festinhas, colocava no LP pra rodar, mas só entendeu como possibilidade real e trouxe pra prática lá pelos 45 de idade. E quando eu digo "a gente", eu digo "eu".
*** Ch. talvez será lembrado com o cara que chamou Nietzsche de juvenil. E não por que eu concorde ou discorde (faz uma vida que eu não leio o distinto senhor), nem por que o comentário abriu toda uma prosa sobre como nós, indivíduos e nação, temos dificuldades em lidar com criticidades, mas por que a mí me gustan as pequenas ousadias, esses quase atrevimentos.
*** Geni Nuñez, no podcast O Estranho Familiar, brilha, brilha, brilha e brilha na sua fala. E termina lendo um poema dela que pelamordadeusa. Anotei no caderninho e leio todo dia. Todo dia. Putz que divino.
*** "O hábito torna suportáveis até as coisas assustadoras". Questões de português pra concurso sabem dos paranauês.
*** Escrevendo hã, biloute no MTA e ouvindo Cícero. Parece 2010 all over again, mas né não, né? :)
sábado, 1 de fevereiro de 2025
"E pareceres contínuo"
Assisti a esse vídeo do Eddie Vedder em que ele lê um trecho escrito por Damien Echols antes de cantar Bob Dylan. E sim, o tempo não existe. Mas existe. Assim como o vento (eita, ói "O tempo e o vento" aí), que não possui um corpo visível mas a gente o reconhece no contato com as folhas que voam, no frescor que bate na nuca, no cabelo que bagunça como que por pequeninas mãos; o tempo também se faz material nas coisas. Eu o vejo imprimindo linhas no meu rosto, nas crianças que voltam diferentes a cada 4 dias com o pai, na mãe que virou minha filha. Vejo o tempo palpável na construção dos afetos, em abraços e beijos que se transformam. Também o vejo na concretude dos silêncios, no sentido de falta que vai se descolando de nós e some, mas nunca em um passe de mágica. Leva tempo. O tempo existe. E não existe, Damien tem muita razão, o tempo é só truque. Só existe o agora. Porque o que foi e o que virá são fugidios e só o agora é real no nosso campo de ação. Agora.
"Uma coisa que eu adoraria ter é uma ampulheta ou uma coleção delas. Algumas que medem minutos, outras que medem horas, outras que medem o dia inteiro. E relógios de pêndulo e relógios de bolso. O que mais gosto sobre o tempo é que ele não é real, está todo na cabeça. Claro que é um truque útil se você quer encontrar alguém em um lugar específico do universo para um chá ou um café, mas é tudo que ele é, um truque. Não existe passado, ele só existe na memória. Não existe futuro, ele existe apenas na nossa imaginação. Se nossos relógios fossem verdadeiramente precisos, a única coisa que eles diriam é "agora"."
Damien Echols
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
Sem ponto
Falzuca monotemática, obcecada pela finitude e eu imersa no emaranhado dos meios, dos (des)contínuos processos, dos acordes em arpejo. Menos por curiosidade e mais por questão de sobrevivência, meus olhos têm aberto holofotes para o entre das coisas. E aí tenho achado prazer. Tanto pela descoberta de entendimentos novos, ritmos outros, quanto por, na prática, me colocar mais entregue ao caminhar do que ao fim programado. Sinto que tira peso e julgamento dos processos incômodos e traz frescor e tempero aos macios. Mas não é algo automático. "Ticar" etapas cumpridas para chegar na meta pretendida é tão automático para quase tudo que é um exercício ir rompendo com esse modus operandi. Exercício às vezes confuso, às vezes cansativo, mas que tem feito sentido. Pra mim. Quem diria que nadar contra minha própria maré me traria o gosto de me deixar levar livre na correnteza.