terça-feira, 17 de abril de 2012

Fatia de Carta
Brasília, 27/03/2012   19:38

A história era mais ou menos assim: Ulisses cruzava mares guerrilhando batalhas e Penélope, sua fiel esposa, aguardava o retorno do seu bravo guerreiro. Acontece que o pai de Penélope tava nem aí pro amor, meu lindo, e pressionava a pobre a abandonar seus votos e se casar novamente. Ela, com esperteza típica feminina, escapou da pressão paterna dizendo que se casaria assim que terminasse a peça que estava em seu tear. E seguiu assim por muito tempo: tecia de dia e à noite desmanchava o que havia feito, garantindo então a peça inacabada e sua espera por Ulisses.
Pois sim que meu amor, meu homem, meu marido, também partiu para terras distantes e desconhecidas e eu me vi assim, meio Penélope. E já que não sou prendada nas habilidades manuais, construirei meu tecido de espera com palavras, escrevendo cartas te contando daqui, de mim e das bobagens festivas que forem acontecendo durante a sua ausência.
Comecemos pois! =)
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" É uma arte, como tudo" indeed 

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A duas mãos
Meses atrás comecei a escrever um conto. Personagem criado como um sopro, primeiro parágrafo escrito em um minuto, sem nem tirar a caneta do papel (uma delícia!), e aí... travou. Nada. Não gostava de nada que escrevia além dali. Até que compartilhei com o amigo Paulo e ele se sentiu livre para dar continuidade ao trem. Ói que gentileza boa. Tá aí então o conto escrito a duas mãos. =)

Pé de Guerra

Ele foi o último a nascer de uma ninhada de oito. Não nasceu grande nem pequeno, gordo nem magro, bonito nem feio, manso nem bravo. Nasceu ele. Tinha as orelhas compridas e pelagem malhadovaca. Fazia as coisas que cachorro filhote faz: chorava, dormia, mamava. Abriu os olhos no tempo esperado, ganhou dentes no tempo esperado e no tempo não esperado virou a pá. Passou a morder as tetas da mãe, infernizar a vida dos irmãos e transformar em perdido qualquer objeto achado. E foi daí que nasceu o seu nome: Pé de guerra. Pé de guerra fazia de cada dia uma batalha, de cada outro um inimigo. Era implacável e não conhecia a cor da derrota. Dormia sozinho no canto áspero, longe do aconchego amontoado dos seus e do tapete macio. Tinha pesadelos e acordava quicante em rosnado. Pé de guerra estava sempre preparado. Toda tentativa de adestramento foi vã diante da força daquela natureza. Pé de guerra era um tipo cru assim. Assim era.
Izabela Cosenza

"Passados três meses do nascimentos dos filhotes, o dono resolveu colocá-los a venda. E assim vinham os vizinhos, os amigos, os conhecidos dos conhecidos.
As crianças eram as que mais se encantavam com a possibilidade de ter um novo amiguinho em casa. Bastava fazer uma cara de choro que os pais se derretiam e levavam um novo membro da família para casa. Só Pé de guerra não se importava com as visitas. Ele ficava de longe a assistir seus irmãozinhos serem levados um a um.
De vez em quando perguntavam sobre aquele pequeno rebelde que ficava longe da ninhada, ao passo que o dono com ares de experiência prontamente respondia: "este cachorro é cachorro xucro. Não tem remendo. Nasceu ruim, vai morrer ruim."
Enquanto isso Pé de guerra ficava sentado desconfiado, num clima de tensão, como se a ameaça estivesse sempre do seu lado. Rejeitava quem se aproximasse dele, até nas horas das refeições ele ia pra longe, e só voltava minutos depois quando seu prato estivesse sozinho.
Acontece que um dia apareceu um homem grisalho, com seus sessenta anos, de costas ligeiramente curvadas. Suas rugas e seu olhar denunciava sofrimentos e tristezas que sua vida lhe proporcionara. As vozes dos que o viram não se contiveram em sussurrar em tom de fofoca: "Ele saiu de casa!", "Nunca mais o vimos depois que morreu sua esposa meses atrás...".
O dono da ninhada o cumprimentou em tom cordial: "Caro Osvaldo! Que bons ventos o trazem??". - "Vim ver seus cachorros....", e virou-se para os 2 filhotes que sobraram: um deles, simpático, chegou aos pés do senhor grisalho para cheirar, enquanto Pé de Guerra ficava a distância observando a cena.
"E aquele filhote que está longe?", apontou para Pé de Guerra.
"Aquele é um filhote xucro, não quer se relacionar com ninguém, até chamei adestrador, mas ele não quer saber de nada. Nunca vi um filhote tão rebelde. Provavelmente vai ficar isolado pro resto da vida"
"é ele quem eu quero." - e foi andando em direção para Pé de Guerra.
Pé de guerra se colocou em posição de ataque, mas Osvaldo se agacha, o fixa com um olhar penetrante. Embora o cãozinho não tenha se entregue, é abraçado pelo novo dono que dá um sorriso de satisfação. 
Osvaldo se despede e vai ante o olhar de espanto dos presentes, pois até onde souberam ele era um homem que nunca teve cachorro. 
Meses se passaram... nenhuma notícia do Osvaldo, a não ser de vez em quando um ou outro latido de Pé de Guerra que pode ser ouvido ao longe...
Até que um dia Osvaldo aparece na casa do antigo dono da ninhada, com Pé de Guerra já adulto preso à coleira.
Pé de Guerra conservava a mesma postura de atenção, vendo tudo que estava ao redor. Porém era obediente ao seu dono.
"Boa Tarde, Osvaldo!" - e olhou bem para o cão do lado, sabia que era Pé de Guerra, mas não acreditava na atitude do cão. "O que você fez para domar este bicho?"
Osvaldo respondeu: "Eu gostaria de agradecer por este cão que levei para casa meses atrás. Você sabe, sofri muito pela doença de minha ex-esposa. Após certo tempo, ela começou a agir de forma estranha em casa, não sabia o que estava acontecendo. Com muita dificuldade, a levei para o médico, que diagnosticou uma doença que nunca tinha ouvido falar".
Parou para enxugar as lágrimas. Respirou fundo e continuou: "Mal de Alzheimer. O doutor disse que teria meses de vida, e cada vez menos iria me reconhecer, e recomendou que mandasse internar quando acontecesse isso. Mas eu não tinha condição para mandar para uma clínica particular, ela teria que ir que ir para um manicômio municipal. Inclusive fui lá ver. Quando eu vi as condições daquele lugar, preferi cuidá-la em casa."
As lágrimas engrossaram e a voz começava a embargar, num mostrando o sofrimento que Osvaldo passara: "E assim eu cuidava dela noite e dia, ela parou de me reconhecer, houve momentos que não deixava que eu me aproximasse dela. Xingava, se debatia, batia para se defender de mim, o seu próprio marido". "Cada dia que passava, as coisas pioravam, tive que usar a força para fazê-la comer, levar para o banheiro para fazer as necessidades físicas. Tive que imobilizá-la para dar remédios".
Osvaldo pegou uma cadeira perto, "posso sentar?", olhou para o céu e continuou a história, desabafando tudo que havia passado sozinho:
- Me senti muito mal fazendo isso, principalmente nos momentos em que tive que usar de força para dominá-la. Pedia a Deus para que me ajudasse, pois não sabia fazer diferente, ou melhor, não conseguia fazer diferente. Mas depois de alguns meses não precisei mais fazer isso, pois ela começou a ficar só deitada. Parecia que seu corpo estava se desligando. Cada dia se mexia menos. Daí levaram para o hospital e ela acabou morrendo por lá....
- Osvaldo - disse o vizinho que se emocionava com o que ele passou - Me desculpa, moro tão perto e nem percebi o que você estava passando. Por que você não pediu minha ajuda?? 
- Você me ajudou - e acaricia Pé de Guerra - Depois que ela morreu eu comecei a beber. Passava o dia bêbado, a vida tinha perdido o sentido para mim. Até que um dia eu vi você vendendo os cachorros. Pensei, pelo menos vou ter um passatempo. Quando cheguei, vi aquele cachorro mais rebelde. E disse para mim mesmo: é este o cachorro. 
Neste instante, seus olhos brilharam, como se exprimisse uma sensação de triunfo. Continuou:
- Levei para casa, ele era arredio no início. Dava comida, mas não queria minha presença. Pedi a Deus como eu deveria fazer. E me lembrei da minha falecida esposa, de como eu cuidava dela. Cuidei dele da mesma forma. Fazendo desta forma, Pé de guerra ficou meu amigo. Hoje não consigo mais ver minha vida sem ele.
e suspirou, desta vez falando com uma sensação de alívio:
- Além disso, obtive uma resposta por algo que me culpei durante o período da doença:  Depois de tentar de todos os modos, o único modo que funcionou para Pé de guerra me obedecer foi utilizar o método da força igual ao que utilizei com minha esposa. Hoje não preciso mais fazer este método, e principalmente tirei o peso que mais me atormentou desde sua morte.
Osvaldo se levanta, dá um forte abraço ao vizinho. Se despedem prometendo se ver em breve.
Antes de sair do portão, solta a coleira de Pé de guerra. O acaricia e entra na estrada de chão. O cão se senta, assiste Osvaldo se distanciar. Mas não demora muito Pé de guerra o segue correndo...."
Paulo W.
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4 comentários:

  1. Oi Iza, já postou o conto???!!! Com todos os erros de português?? Ai que vergonha!!! O que você achou dele??

    sobre a Penélope, pode escrever sim, mas não pode apagar o que já escreveu!!!!! hahahaha

    abraços!

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    1. "erros" é uma palavra que não existe no vocabulário meutodoazulano.rs!
      e ó, apagar cartas jamé! elas vão ganhando frescor novo e sentido de continuidade quando chegam ao seu destinatário. =)

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  2. Gostei muito do texto... Reflexivo e bem estruturado. Erro de português é bobagem, Paulo, afinal isso não ENEM nem Vestibular. O dinamismo e simplicidade de linguagem são aplaudíveis. Parabéns, moços! Escrevam mais juntos!

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    1. que bom que gostou, anônimo! Paulo conseguiu muito bem desenrolar o desenrolável. rs!

      obrigada pela delicadeza do elogio e volte sempre!

      =)

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