terça-feira, 28 de junho de 2011

Trechos esparsos sobre o amor

"Frida Kahlo", arte de Jana Magalhães
diquinha boa da bia =)

A dor dela. A dor dela me fez sentir sem lugar no meu próprio quarto: luz incômoda (acesa ou apagada), espaço pouco, cama desconfortável. E passei toda a noite de quasesono sendo acordada por uns arrepios extensos. Era a dor dela. Era o meu amor sentindo a dor dela.

¨¨
Naquela época chorar em aeroportos fazia parte da minha rotina. Choros intensos de alegria no reencontro e desatados na despedida. Os da despedida, no ar ou em terra, eram encorpados, quicados, daqueles de cotovelos nos joelhos e mãos cobrindo o rosto. Eu sofria demais. Não entendia a temporalidade, a inevitável impermanência das coisas. E não sabia enxergar o colorido do estar sozinho estando junto. Era cedo. Mas depois aprendi.

¨¨
Os domingos parecem ser dias especialmente nossos, mesmo sendo domingos. No último, em mesa de almoço longo e tardio, ele falou do descanso que o rosto sente quando fica um tempo sem os óculos. Me aproximei em sorriso e beijei sem pressa cada um dos seus olhos. Foi como um transe. Achei que fosse me esvair em afeto.

¨¨
Quase tudo que acontece quando com ele é digno de trecho. Mas não escrevo. Não sei se por respeito aos pingos do tempo ou se por simples digestão. Ou talvez seja medo bobo de, escrevendo, assumir pra mim mesma o tamanho que ele tem. É que eu entendo melhor o que sinto na concretude escrita da palavra. E não sei se é hora de entender.

¨¨
Ela atravessou o gramado da casa correndo, assim, meio cambaleante, para me abraçar. Depois do abraço bom me olhou com seus olhinhos gigantes de mangá, passou a mão pelos meus cabelos ainda molhados do banho e disse com doçura sem-par: "tia di, cabelo bonito...". E me abraçou de novo. Juro que quase morri de seiláoque. Não sei nem dar nome ao amor que sinto pelos meus sobrinhos.

¨¨
Domingo. Meio-dia, café bom, broa de milho, manteiga e joão do vale. Em um movimento maisquenatural a gente levantou e começou a dançar. E dançou forró e carimbó e aquela meio salsa. Fluidez. E eu, que sempre achei que o meu papel único era o da condução, aprendo com ele a delícia entregue do me deixar levar. Ele sabe me levar. E eu deixo. Ele me conduz bem nos passos da dança. E me conduz bem também no todo da vida.
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Mil vezes Clarice
"Uma noite gaguejei uma prece por um padre que tem medo de morrer e tem vergonha de ter medo. Eu disse um pouco para Deus, com algum pudor: alivia a alma do padre x..., faze com que ele sinta que Tua mão está dada à dele, faze com que ele sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que ele sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que ele sinta uma alegria modesta e diária, faze com que ele não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que ele se lembre de que também não há explicação porque um filho quer um beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que ele receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-o para que ele viva com alegria o pão que ele come, o sono que ele dorme, faze com que ele tenha caridade por si mesmo, pois senão não poderá sentir que Deus o amou, faze com que ele perca o pudor de desejar que na hora da sua morte ele tenha uma mão humana para apertar a sua, amém. (Padre X... tinha me pedido para eu rezar por ele.)"
Clarice Lispector
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O inverno é interno
da casca pra fora tá tranquilo... =)


"Um marinheiro me contou que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
O pescador me confirmou que o passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Dou duro toda semana, senão pergunte à Joana que não me deixa mentir
Mas, finalmente é domingo, naturalmente, me vingo
Eu vou me espalhar por aí
No compasso do samba eu disfarço o cansaço
Joana debaixo do braço carregadinha de amor
Vou que vou pela estrada que dá numa praia dourada
Que dá num tal de fazer nada, como a natureza mandou
Vou satisfeito, a alegria batendo no peito
O radinho contando direito a vitória do meu tricolor
Vou que vou lá no alto
O sol quente me leva num salto pro lado contrário do asfalto
Pro lado contrário da dor
Um marinheiro me contou que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
Um pescador me confirmou que um passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Ando cansado da lida preocupada, corrida, surrada, batida dos dias meus
Mas uma vez na vida
Eu vou viver a vida que eu pedi a Deus"
Chico Buarque
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quinta-feira, 23 de junho de 2011

Hoje é dia de Lutiana!!!
desejos de fartura e clareza, de brilho sempre no olho, de tempo bem vivido, de risos de chorar, de choros bem sentidos, de amigos feitos e mantidos, de dores superadas, de coração aberto e destemido, de estradas cada vez mais curtas, de laços cada vez mais coloridos, de poesias mil, de sorrisos sinceros, de beijos sinceros, de saudades sinceras....
um presente, uma música, desejos muitos e aquele nosso segredinho (shhhh... =))
mando-te beijos, florlunar.
e bora simsim viver o que há. "vamos nos permitir"!


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terça-feira, 21 de junho de 2011

Por que amo a fal

na foto: fal e eu =)

" No fim, a moça da imobiliária e eu fizemos um trato. Se eu achasse a casa que queria, ela veria a situação do imóvel, se os documentos estavam certinhos, se eu podia comprar sem medo. Negociaria com o dono e ganharia a comissão.

Para um lugar que se propunha ser "livre", até que tínhamos bastantes regras no Sítio. Plantávamos quase tudo que comíamos. Comer animais estava proibido. Qualquer carne era chamada de "cadáver", e comer "cadáveres" acumulava carma negativo. E junto com feijão azuki e abóbora guisada, o que mais se consumia por ali eram cogumelos e LSD.

Passei muitos dias passeando de carro e anotando os telefones das plaquinhas de "vende-se".

As crianças do Sítio frequentavam o colégio e a mortificação da minha vida era ver a Mãe nas festas, com roupas esquisitas e coloridas, cabeluda, cheirando a suor e maconha. Na esquina da escola eu comprava um proibidíssimo picolé de groselha que eu chupava até extrair todo o suco e deixar só gelo no palito.

Visitei algumas casas bem boas, outras nem tanto, e nenhuma era o que eu queria.

Uma vez, uma colega de classe fez sua festinha de aniversário na escola e, ao ser informada, por mim mesma, de que eu tinha comido coxinha e croquete, a Mãe invadiu a escola feito a fúria divina, informando à diretora que não ia permitir que a filha fosse "envenenada". Engraçado notar que eu passei a vida toda me dando esse tipo de rasteira. É só eu começar a me divertir um pouco que logo dou um jeito de me sabotar e acabar com a farra.

Depois de vários dias pesquisando, caí num bairro novo, cara de loteamento recente, perto de uma longa avenida chamada Anchieta. Casas enormes de veraneio, casas menores que podem ou não ser de turistas, e casas pequenas, com quintais grandes, cachorros sem raça, crianças andando de bicicleta - coisas típicas de quem realmente mora no lugar.

As crianças nasciam com regularidade no Sítio, e eu já tinha idade suficiente para saber como burlar a vigilância e assistir aos nascimentos. Eu era fascinada por eles. Adorava a excitação que antecedia cada parto, os mantras, os incensos, as caminhadas que a futura mãe fazia amparada pelas outras mulheres, os gritos, a expulsão do bebê, o sangue, o sangue. Perdi a conta dos partos a que assisti encolhida atrás de uma cortina. Agora, essa aventura toda me parece ser uma irresponsabilidade brutal, temerária e anti-higiênica, mas, por incrível que pareça, só tivemos uma mãe morta em todo aquele tempo, e nunca perdemos um bebê sequer.

Perguntei o nome da rua a um menino de skate na mão. - Rua H-8. Loteamento novo mesmo, as ruas nem haviam sido batizadas. Mais alguns metros pra frente, as casas vão rareando, muitos terrenos, muitos matos. Rua de terra. É assim até hoje. E então, eu a vi.

Os brinquedos e as brincadeiras das crianças, enquanto morávamos no Sítio, eram assuntos graves, seriíssimos, discutidos com solenidade nas reuniões gerais.

Eu sentia a euforia dos malucos em pensar que podia viver ali na praia.

Nós não tínhamos televisão ou rádio, os jornais vnham de São Roque com dias e dias de atraso.

Respiração curta, mãos suando, Dona Alma prestes a mudar tudo, acreditando piamente que uma casa nova seria a solução. Dona Alma e seus eternos recomeços. Dona Alma em busca da treta perdida.

De vez em quando uma de minhas avós nos buscava para "passar o final de semana na civilização". Acho que comia uns dez bifes em dois dias, e eu nem gostava tanto assim de carne.

Por trás da placa vermelha de "vende-se", um portão feito de madeira. Por trás doportão, depois de um quintalão, ela. Branca, térrea, cheia de janelas. Com alpendre. Porta da entrada de ferro e vidro. Sem cara de nada, só de casa.

Mas quando voltávamos para o sítio e eu via nossa casinha amarela, a horta, as outras crianças brincando, eu ficava feliz em voltar. Não queria ficar, mas ficava.

Desci do carro, respirei fundo. Tentei o portão, mas estava trancado. Quando me virei para voltar pro carro, tinha um velhinho a dois palmos do meu nariz. - Boa tarde. Disse que se chamava Lurdiano, que morava a uns 200 metros dali, ouviu o carro, viu que tinha parado, veio ver se era comprador. Disse também que era amigo do falecido dono e se ofereceu para me mostrar a "propriedade".

E de noite eu chorava na cama, de ódio, de ódio. Ser criança é ser absolutamente impotente diante da vida e eu odiava essa sensação.

Seu Lurdiano ainda chama minha casa de "propriedade", como se estivéssemos no campo inglês."

Fal Azevedo (Minúsculos Assassinatos e Alguns Copos de Leite)
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Saudades do Drops


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O bizarro mundo de Iza - Parte 1

Letra por letra (?)
Dormi pouco essa noite. Pulei da cama no usual ridiculamente cedo com a disposição de uma leoa e fui pra academia. Lá fiz o treino dobrado e aumentei a carga de todos os aparelhos, mesmo sem ser o dia. Juro que me cansei pouco. Não sei como. Dizem que o amor (por alguém, por dinheiro, por poder, whatever) é o que move o mundo e concordo. Mas é bem verdade que a raiva, quando sentida direitinho, também traz uma pá felpuda de energia. Pois sim.
A noite de ontem trouxe uma série de sentidos que foram virando outros gradativamente: choque, desapontamento, tristeza e a raiva, ela, que me acompanhou manhã afora e agora virou outra coisa pra qual eu não sei dar nome. Isso tudo por que ouvi um algo inesperado e estranho. Um algo deslocado do vivido e do sentido. E é interessante que de tão aparentemente descabido ele se fez fronteiriço. Ele encontrou lugar naquela linha tênue que separa o bizarro do hilário. E eu, ora em espanto, ora em riso, e sem saber como me sinto em relação a isso, não posso fazer nada além de brincar de soletrar o incompreensível. I êne cê ême pê érre é é êne ésse i vê éle. Incompreensível. Ponto.
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Pandeiro
D, P, U, D, P, U
D, P, U, P, D, P, U, P, D, P, U....
nele, na mesa e no caderno casaco  =)
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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Perguntinhas
Por que mais de três incomoda?
Por que e como assim sem drops?
Por que abrir espaço?
Por que nunca mais cheiro de bolo?
Por que dói tanto o que morre pro olho?
Por que verbo de gosto fica gasto?
Por que quero a mancha na parede?
Por que tudo é sempre tão rotulado?
Por que pergunto?
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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Hã biloute?
¨¨ Sol, vento fresco lá fora e aqui dentro ar condicionado no talo. Humpf. Há rumores de que a galera que controla esse trem habita uma sala secreta no subsolo e passa o dia de camiseta regata, fumando, jogando palitinho, bebendo conhaque e rindo dos que tremem por causa do frio polar que impera no resto do prédio. Humpf.
¨¨ Recebi o seguinte email hj de manhã:

"Bom dia. É daqui q faz reclamação??? então, eu já estou a varios cafés da manhã sem nenhum postzinho novo para ler. Gostaria de saber o que está acontecendo por ai. A senhorita acha q isso está certo? É assim, some e ponto??? E nós leitores... como ficamos? Largados aos textos de G1, Uol e coisas do tipo, q tirando o mundo bizarro dificilmente traz algo divertido e colorido???
(...) Acho q é isso... tô esperando aqui no F5 pra ver quando terei resposta..."

Ói só que delicadeza... Obrigada =). Por isso resolvi dar o ar da graça. Mas desde já deixo claro que não garanto nenhum tipo de colorido. A pá tá virada, o humor tá ácido, faíscas tão saindo pelo ladrão (como diria minha mãe) e minhas insônias têm tido a companhia de ninguém menos que Nietzsche e Alicinha... deu pra imaginar ou quer que eu desenhe? rs!
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Inverno Astral
Com "v" mesmo, digitei errado não. Reza a lenda que são 30 doces dias de mudanças, instabilidades e desordem, que precedem um novo ciclo que começará a partir da data do seu aniversário. Hum. Se o trem existe de fato, ele se deu ao luxo de uma prévia no dia 10 (ói só que privilégio meu) e chegou no dia 13 chutando a porta, cantando sertanejo com a voz do Jairzinho (don't let me get started, please) e trazendo consigo um aroma de beringela cozida blé que tomou conta do ar. Ah é? Pois sim. Digo ' bring it on, darling. be my guest", sem pânico nem temores. Tenho minha adorável assessoria para me ofercer ombro, xingar comigo, bolar soluções e depois (ali, logo depois mesmo), como de praxe, transformar tudo em piada e dar pala de rir. Que venha o Inverno infernal, mas que venha preparado. "Temperamento latino é fogo", não é vero?
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Hoje é dia de Jeann!
acabando o seu, né figura? iêi! =)
e como nada que eu escrever vai superar o jeann's facts do ano passado ( esse aqui ), me limito a repetir cada uma daquelas linhas, te desejar um feliz aniversário farrapado (muito justo!) e torcer para que Deus te conceda aqueles poderes divinos para que você, brilhantemente, resolva o problema da humanidade. Conto contigo, meu amigo. O universo inteiro, em coro mudo, vai te agradecer. rs!
Parabéns e tão aí os caras que vc gosta pra musicar seu dia! =)
beijoté!

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Só conto o milagre
" Vai lá ver se eu vou." (modalidade de convite mais eficiente que existe.rs!)
" Quanto você recebe de insulto?"
" Você vai comer baton ou doar sangue?"
" Mas palmito é a sua cara!!"
" Ela é mais real que o rei."
" Você é de Tupanciretan?" (eu sou ponto)
" Ele é apenas o subconjunto do ego dele."
" Lá só pega o telefone molecular: vai o molequelá dar o recado."
" Gritar?" (disse o santo...assim, bem baixinho...)
" ... e entre a mariposa e o elefante?"
" Viu onde vc tava, Iza? Na porta do Poupatempo! (templo que é templo vem até nós, darlings. precisa procurar não. rs!)
" Calvo, comprido, esticado e anelado. Cabem uns 15 adjetivos na cabeça do cara."
" Só se for o Oswaldo Montenegro antes do almoço, com fome."
" Em uma palavra, ainda que fruto de uma perplexa aglutinação: PUTAQUIUPARIU."
" Quinze pras cinco é cinco?"
" Eles deveriam usar um botton tipo o da herbalife dizendo " perca a alma. pergunte-me como".
" Existe o maravilhoso mundo de Bob e também o bizarro mundo de Iza. (e eu só posso dizer amém, nénão?)
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IM em: das mexicanas. com sabor inverno
(...)
Nathallie de Sou... ah hj pela manha qndo cheguei dei de cara com seu textinho...o mundo bizarro de iza poderia virar uma série
Izabela Fernand... rs! ai, pára!!!
Izabela Fernand... seria sensacional!
Nathallie de Sou... kkkkkk
Izabela Fernand... bora trabalhar na idéia ? =)
Nathallie de Sou... vamos...roteiro pra desenvolver pelo visto nao vai faltar...até chegar o seu aniversário
Izabela Fernand... ave cruz
Izabela Fernand... vamos ganhar fortunas!
Nathallie de Sou... êeee! vai dá até pra deixar de ser a gente
Izabela Fernand... rs!
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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Presente nº 4
Ventania no Rio, nevoeiros, frentes frias, vulcão em tormenta, chuva inesperada em Brasólis. Todas atividades tempestivas que estão aí para comprovar que, simsim, de fato, é seu aniversário.
Que bom que você nasceu e que é quem é e que escreve como escreve e que, ave cruz, compartilha comigo (euzinha, veja bem!) o seu todo tortuoso que sai do que você é e cai no papel. Esse seu todo que cai no papel influencia o que escrevo therefore quem sou. agradeço, querido.
Hoje é seu dia
Faça o que quiser ponto
Te desejo olhos abertos (não para a escrita, por favor), ruas livres (mas não tediosas, veja bem) e o conforto de uma música conhecida (do seu gosto, melancólica) servindo de fundo.
beijoletrado  =)


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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Projeto DV na Trilha
no CB de hoje!!! =)
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Ubuntu
"A jornalista e filósofa Lia Diskin, no Festival Mundial da Paz, em Floripa (2006), nos presenteou com um caso de uma tribo na África chamada Ubuntu.
Ela contou que um antropólogo estava estudando os usos e costumes da tribo e, quando terminou seu trabalho, teve que esperar pelo transporte que o levaria até o aeroporto de volta pra casa. Sobrava muito tempo, mas ele não queria catequizar os membros da tribo; então, propôs uma brincadeira pras crianças, que achou ser inofensiva.
Comprou uma porção de doces e guloseimas na cidade, botou tudo num cesto bem bonito com laço de fita e tudo e colocou debaixo de uma árvore. Aí ele chamou as crianças e combinou que quando ele dissesse "já!", elas deveriam sair correndo até o cesto, e a que chegasse primeiro ganharia todos os doces que estavam lá dentro.
As crianças se posicionaram na linha demarcatória que ele desenhou no chão e esperaram pelo sinal combinado. Quando ele disse "Já!", instantaneamente todas as crianças se deram as mãos e saíram correndo em direção à árvore com o cesto. Chegando lá, começaram a distribuir os doces entre si e a comerem felizes.
O antropólogo foi ao encontro delas e perguntou porque elas tinham ido todas juntas se uma só poderia ficar com tudo que havia no cesto e, assim, ganhar muito mais doces.
Elas simplesmente responderam: "Ubuntu, tio. Como uma de nós poderia ficar feliz se todas as outras estivessem tristes?"
Ele ficou desconcertado! Meses e meses trabalhando nisso, estudando a tribo, e ainda não havia compreendido, de verdade,a essência daquele povo. Ou jamais teria proposto uma competição, certo?
Ubuntu significa: "Sou quem sou, porque somos todos nós!""
Professor Carlos Brandão
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Eu não resisto
malvadezas !
SENSACIONAL! assim mesmo, com letras cavalares e exclamação.

Em nome de Deus
"De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Favor tomar providências
09:48
Caros, bom dia.
Ontem, assistindo a alguns programas esportivos, reparei que os jogadores de futebol continuam usando o Meu nome em vão, especialmente em entrevistas nas quais atribuem a Mim (ou aos Meus poderes) a vitória de sua equipe ou um lance específico da partida.
Quero lembrar-vos que isso fere o Segundo Mandamento e que já pedi insistentemente para que vocês cuidem disso. Favor tomar as providências cabíveis para que isso não mais se repita.
Grato,
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
09:59
Caros,
Continuo aguardando a resposta ao Meu e-mail anterior.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
10:13
Caros,
Meus e-mails estão sendo recebidos?
D.

De: Deus
Para: Informática
Assunto: Problemas na rede?
10:15
Caros,
Estou enviando e-mails para o Departamento Jurídico, mas não estou recebendo as respostas. A rede está com problemas novamente?
D.

De: Deus
Para: Informática
Assunto: Re: Problemas na rede?
10:17
Sim, o Meu e-mail está configurado corretamente. Estou recebendo normalmente mensagens do Universo inteiro. Apenas o Departamento Jurídico não me respondeu.
D.

De: Deus
Para: Informática
Assunto: Re: Problemas na rede?
10:20
Não, Eu não sei o número do meu IP. Mas acredito que o problema não seja na rede. Acabei de telefonar para lá e não Me atenderam.
Obrigado.
D.

De: Deus
Para: RH
Assunto: CADÊ O PESSOAL DO JURÍDICO?
10:28
Caros,
Estou enviando e-mails para o Departamento Jurídico e não estou recebendo resposta alguma. Liguei e ninguém atendeu. Eles tinham alguma reunião externa esta manhã?
D.

De: Deus
Para: RH
Assunto: Re: CADÊ O PESSOAL DO JURÍDICO?
10:30
Como assim não chegaram ainda? Eu estou aqui desde as 07h00min!
D.

De: Deus
Para: RH
Assunto: Re: CADÊ O PESSOAL DO JURÍDICO?
10:32
Sim, Eu sei que sou onipresente, muito obrigado por apontar este fato.
Eles acabaram de me responder.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
10:35
Caros,
Antes de qualquer outra coisa, gostaria de informar que, pelas Minhas Leis, o dia guardado ao descanso é o Domingo. Seja na Terra ou no Céu, Segunda-Feira é dia de expediente normal e qualquer atraso deverá ser comunicado/justificado ao RH.
Certo de sua colaboração a respeito deste tema, aguardo, agora, uma resposta sobre o e-mail enviado para vocês às 09h48min.
Grato
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
10:41
Caros,
O fato de que não existe um mandamento com a lei “não chegarás atrasado ao trabalho” não interfere com o início do expediente. Podemos, por favor, cuidar do assunto referente ao Meu e-mail original?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
10:46
Obrigado.
Sinto muito, mas não sei o nome dos jogadores que usaram Meu nome em vão. Mas toda semana, pelo menos três ou quatro fazem isso. Isso sem falar naquelas camisetas com o nome do Meu filho, que não autorizadas pelo departamento de merchandising.
O que pode ser feito a respeito?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
10:51
Pela última vez, o horário de início do expediente não está em discussão aqui! Eu sei que tenho o hábito de escrever certo por linhas tortas, mas estou sendo o mais claro que posso. E já encerrei este assunto.
Aguardo uma posição de vocês sobre como devemos proceder a respeito do problema envolvendo jogadores de futebol e o Meu nome em vão.

De: Deus
Para: Todos
Assunto: Novo Mandamento
Anexos: pedra01.jpg, pedra02versão02.jpg
11:05
Certo.
Estou enviando em anexo as imagens das pedras com meus Mandamentos.
Atentem ao fato de que a Pedra 02 conta, agora, com SEIS Mandamentos. Acrescentei um 11º Mandamento a respeito do horário do início do expediente. É apenas um esboço feito no Paint, mas a imagem definitiva deverá ficar pronta até o final do dia.
Creio que isso encerra a questão. Podemos cuidar do assunto que pedi?
D.

De: Deus
Para: Marketing
Assunto: Re: Novo Mandamento
11:06
Caros
O 11º Mandamento visto no e-mail anterior não deve ser divulgado fora da empresa em hipótese alguma. Ele não é Universal.
Grato,
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:08
Caros
Agora que temos um Mandamento falando especificamente do horário do expediente, creio que podemos resolver a questão envolvendo os jogadores de futebol.Estou no aguardo de sugestões de estratégias que devemos adotar.
Grato
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:12
Apenas um adendo do qual me lembrei agora.
Semana passada, um jogador foi expulso após quebrar a perna do adversário. Ao sair de campo, disse aos jornalistas que o outro jogador era desleal e havia se machucado por causa da Minha justiça, sendo que Eu nem estava assistindo ao jogo.
A última vez que declarações como essa aconteceram, vocês insinuaram que era um fenômeno passageiro e que poderíamos ignorar. Por causa disso, metade da verba destinada ao departamento de marketing até hoje é para tentar consertar aquela história das Cruzadas.
Assim, peço urgência na elaboração de um plano estratégico.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:15
Não, Eu não sei qual jogador falou isso. Mas não aconteceu nos jogos de ontem, foi alguns dias atrás.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:19
Não, eu não sei por qual time ele joga.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:22
O que é Flamengo?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:44
Alguns comentários a respeito dos e-mails que recebi nos últimos minutos.
1 – Eu não sei o que é Flamengo.
2 – Este assunto não tem importância dentro do que está sendo discutido.
3 – Transformarei o departamento jurídico inteiro em estátuas de sal caso um único e-mail com esta pergunta apareça novamente na Minha caixa de entrada
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
11:56
Chegou ao meu conhecimento que vocês estão pensando em ir almoçar antes de me enviar uma resposta sobre o que pedi. Caso isso aconteça, cabeças rolarão – literalmente.
Vocês têm meia hora.
D.

De: Deus
Para: Iscariotes, Judas; Financeiro
Assunto: Grato!
11:58
Caro Judas:
Obrigado pela informação.
Pode retirar suas 30 moedas de prata no departamento financeiro (copiado neste e-mail) até o final do dia.
Grato
D.

De: Deus
Para: Marketing
Assunto: Re: Novo Mandamento
12:16
Caros,
Acabei de receber o orçamento de uma gráfica para imprimirmos as novas pedras e Bíblias com 11 Mandamentos. Conforme Eu disse no e-mail enviado às 11h06min, este trabalho não deverá ser feito, visto que não divulgaremos este 11º Mandamento.
Não percam seu tempo com isso e prestem um pouco mais de atenção nas minhas mensagens.
Grato,
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
12:42
Ainda não recebi um retorno de vocês. Espero que vocês não estejam almoçando. Aquilo que está escrito no Velho Testamento a meu respeito é verdade.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
12:53
Eu exijo uma resposta até as 13h00min. A minha paciência não é de Jó.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:01
Acabei de receber dois e-mails. Um spam e uma oferta de viagem do Peixe Urbano. O prazo de vocês se esgotou.
D.

De: Deus
Para: Informática
Assunto: E-mails indesejados
13:04
Como eu faço para não receber mais e-mails do Peixe Urbano?
D.

De: Deus
Para: Marketing
Assunto: Re: Novo Mandamento
13:09
Caros,
Se eu receber mais um orçamento a respeito da impressão de novas Bíblias com 11 Mandamentos, o Departamento de Marketing inteiro será demitido.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:15
Caros,
Recebi as recomendações de estratégias a serem adotadas por vocês. Caso elas sejam eficientes, não levarei o atraso em consideração.
Grato,
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:31
Caros,
A sugestão de vocês em enviar novamente o Meu filho a Terra para punir os jogadores de futebol que usam Meu nome em vão foi o maior absurdo que li em séculos. Desisti de ler no momento em que vocês sugerem a realização de um Sermão do Maracanã e a Paixão de Cristo durante a final de algo chamado Libertadores da América.
Vocês fazem ideia do gasto que teríamos para colocar um Messias na Terra? Eu não vou fazer isso por causa de jogadores de futebol!
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:34
Não, nós não podemos contratar o INRI Cristo como freelancer! Qual membro do departamento jurídico está respondendo a estes emails?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:36
Denis, qual seu cargo?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:38
O que é um estagiário?
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:41
Segundo ano de faculdade? Peça aos seus diretores virem à Minha sala imediatamente.
D.

De: Deus
Para: Jurídico
Assunto: Re: Favor tomar providências
13:43
Então peça a eles para subirem aqui assim que voltarem do almoço.
D.

De: Deus
Para: Lúcifer
Assunto: Re: Favor tomar providências
16:49
Lúcifer, como vai?
Desculpe meu sumiço nestes últimos dias, mas as coisas andam bem corridas aqui. Assim que eu tiver um tempinho, atualizarei você com as novidades.
Mas estou escrevendo para pedir um favor pessoal. Acabei de demitir o meu Departamento Jurídico (vou manter apenas o estagiário), mas fiz questão de enviar toda a diretoria para você. Caso eles tenham um tratamento adequado aí embaixo, considerarei isso como um favor pessoal e no próximo pôquer, o uísque é por minha conta. Fechado?
Abraços
D."
Rob Gordon
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pena e grifo
na foto: pirenópolis, eu, ele, café 

Depois do fim de semana de muito pouco dormido e muito muito vivido, a segunda feira trouxe um estampado lento e leve. O salto pisava sonolento, os espreguiços seguiam cada vez mais intensos em frequência e duração, os olhos sorriam baixinho e cor nenhuma parecia se destacar (toda cor estava presente, mas cada qual encaixada no seu lugar). Ritmo bom. Ritmo meu. Tão bom e tão meu que me dei ao luxo de ignorar em silêncio pacífico toda e qualquer conversa miolo-de-pote. Simplesmente cerrava os ouvidos e o que sobrava era um blábláblá na linha "professora do charlie brown" servindo de fundo quasemusical para meus quasepensamentos vagos.

Meu lado insano acreditava piamente na corrida pós-trabalho, mas não. Meu corpo só me deu tempo de tirar os sapatos e me jogou na cama sem trégua. E acordei depois, ainda nada desperta, com aquele som cantado que só o chuvisco inesperado traz. Delícia! Delícia a chuva espaçada e o lusco-fusco do dia que ia entrando pelas frestras da persiana. E a pouca luz concentrava seu foco em um objeto específico: "os funerais da mamãe grande" do grande GG Márquez. Livro que eu trouxe de volta da casa da mãe para a minha para ser relido e ficou ali esquecido, por meses, no arrumado da minha bagunça. Certeira luz.

Acatei à dica da hora chegada e, abajur aceso, fui passando os olhos e as mãos para que algum dos contos me achasse. Mas algo outro me achou antes: uma pena de ave marcando uma página com trecho em grifo. E quem me conhece sabe que apesar de AMAR ler livro rabiscado eu não os rabisco. Nunca. Ponto. Aí então tive que vasculhar a memória, visitar rostos conhecidos, desenhar os caminhos caminhados pelo livro para chegar a uma praça e a um ano distante e escondido. Aquilo, a pena e o grifo, foi um presente dado sem ser recebido. Lembrei-me da cena, da tarde na praça, do livro sendo devolvido e só então li o grifo. Fazia sentido aquele trecho grifado, que tinha mais a ver com o remetente do que com o destinatário. Mas o que fez mais sentido foi como me veio aquele presente tão atrasado. Veio com o sentido tranquilo da nãourgência, da hora melhor de cada coisa. O presente teria sido muito bem recebido anos atrás, mas no chegar agora me trouxe além da delicadeza do regalo em si. Trouxe também o ensinamento sobre o tempo sem pressa, o tempo que vai curtindo o próprio tempo pra chegar assim, recheado de completude. E acho que é isso.

Fechei os olhos e retribui em pensamento aquela gentileza da mesma maneira que ela me veio: sem pressa. E plena. Na completude da hora certa.
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I'm so sorry, Guima
Ando mergulhada em releituras. É que as Fals e Clarices e Hemingways e outros tantos são água fresca para olhos sequiosos e merecem ser relidos inúmeras vezes. Mas sempre que o "noites do sertão" de Guimarães Rosa cai nas minhas mãos sei que será uma longa jornada. Explico. O livro é TODO sensacional, mas eu amo tanto o início (a fala, a cadência, os cheiros) que fico voltando ao começo antes mesmo de chegar ao meio. É compulsivo, I can't help it! I'm sorry, Guima... não é descaso... é amor demais...

" Doralda em chegar - dava boa-noite: as palavras claras, o que ela falava, e seu movimento - o rodavôo quieto de uma grande borboleta, o vestido verde desbotado, fino, quase sem cor - passando, e tudo acontecendo diferentemente, sem choque, sem alvoroço, Doralda mesma seduzia e espalhava uma aragem de paz educada e prazer resoluto - homem inteirava a certeza de que ela vinha com um sério de alegria que era sua, dela só, que se demonstrava assim não era de coisa nenhuma por suceder nem já sucedida, nem por causa das pessoas que ali estavam - e um bem-estar que se sobejava para todos; (...) Doralda vestida feita uma senhora de cidades, sem luxo mas com um gosto de simples, que mais agradava: aqueles do Ão a admiravam constantes - parecia que depois de olharem para Doralda logo olhavam para ele, Soropita, com um renovamento de respeito - homem que tinha tido sorte de tenência e capacidade para que Doralda gostasse dele e dele fosse, para sempre ficasse sendo - e não tiravam os olhos dela: o jeito como andava, como se impossível e depressa tomasse conta de tudo, ligeiro e durável tudo nela, e um cheiro bom que não se sentia no olfato, mas no mexido mudo, de água, falsa arisca nos passos, seu andar um ousio de seguidos botes mesmo num só, fácil fresca corrente como um riacho, mas tão firmada, tão pessoa - e um sobressalto de tudo agradável, bom esperto e sem barulho - e falava com um e com outro, o riso meio rouco, meio debruçada, ia e vinha sem aluir o ar - dama da sala... (...)"
João Guimarães Rosa ( Noites do Sertão ("Corpo de Baile"))

Eu me rendo! E vou continuar assim, nesse deleite feliz, em moto-contínuo, até o "Amor Líquido" chegar emprestado. rosí, minha flor, não tenha pressa... =)
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"Para você o que você gosta"
d i a r i a m e n t e, deli. diariamente.

"Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de mudar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha do que duvidar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?
Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de se dar
E pode aparecer onde ninguém ousaria se pôr
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha o que considerar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?
Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de jogar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não venha a reconsiderar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais..."
Adriana Calcanhoto
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sábado, 4 de junho de 2011

Ato
ele girou o pescoço e checou as horas no celular
ela tirou os brincos, espreguiçou e caiu na cama
ele procurou aquele papel na carteira, sem sucesso
ela escolheu a roupa e entrou no banho
ele atravessou a rua movimentada
ela levou 5 minutos e 27 segundos para desembaraçar os cabelos
ele parou para ver a acrobacia do cara com cara de chileno
ela recusou uma ligação
ele entrou no metrô
ela entrou no vestido
ele sentou na cadeira vazia do canto
ela cantou em riso aquela do chico
ele quase cochilou
ela trocou o tempo do rímel por um poema
ele pegou um taxi
ela subiu no salto
ele preferiu não ligar
ela não conhece esperar
ele chegou
e ela já tinha saído


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quarta-feira, 1 de junho de 2011

Eu não resisto
malvadezas! http://malvadezas.com/

A Hipocrisia nossa de cada almoço de domingo
"“Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados” (Millôr)
Simplesmente do caralho o raciocínio, mas o que eu fico pensando é numa expansão da eficácia da pílula e ver se rola de eliminar uns colaterais, também…
Eu tenho uma baita dificuldade, confesso. Uma dificuldade de me sentir confortável em determinadas situações em que todo mundo trata determinada pessoa de forma normal, riem das piadas dele, escutam o que o sujeito fala, enfim, como se ele fosse alguém que não devesse estar apartado do convívio social.
Nessas horas, não penso no Daniel Dantas, nem no Naji Nahas ou o Cacciola, penso naquele jornalista do Estadão que matou a namorada e tava soltão por aí. Ontem mesmo, provavelmente estaria numa festa com um copo de uísque na mão, contando piadas engraçadíssimas e gargalhando em família. Idem os pleibas que botaram fogo no índio, os (hoje) médicos que mataram o japinha na piscina da USP, aqueles caras que espancaram uma empregada doméstica, acho que todos eles, em família, divertem pessoas, namoram, desfrutam as benesses de uma vida bem nascida enquanto a cadeia não vem. E não vem.
Daí que o patriarca de alguma dessas famílias brada que o Naji Nahas, o Cacciola e o Daniel Dantas tinham que estar presos, esses mesmos patriarcas que um dia sentaram na frente de um Delegado e perguntaram “Vai custar quanto”?
É exatamente a mesma coisa, em maior ou menor escala, tudo uma reles questão de cifra, mas a liberdade ter um “preço”, à revelia da Lei, da ética, da moral e do bom senso, eu entendo. O que eu não entendo é que, além da “liberdade”, venha o silêncio, a leniência, a pressa em transformar qualquer assunto em tabu pra não pintar climão, enfim, tudo aquilo que é feito nas mais altas esferas da corrupção, é repetido no seio das famílias de classe média (alta, baixa, gorda, magra…).
O meu argumento é muito cabotino, mas lembro de uma aula de religião no Agostiniano, era perto do dia das mães e aproveitaram pra falar da mãe de Jesus, e a professora falou que a mãe é a primeira ADVOGADA do filho… estranho, porque a minha sempre foi a primeira a vir com o dedo em riste ACUSANDO, normalmente sem muito direito à defesa. Meu pai, com o jeitão dele, de Juiz sem muita paciência pra ouvir conversa fiada de réu, acabou compondo o resto dessa trindade “manca”, e se eu cresci desprovido da ampla defesa e do contraditório, acabei me tornando um adulto intolerante. Tenho ainda no lombo as marcas de cada estalo do chicote dos meus erros, por isso fico tão maluco quando vejo a mão passando na cabeça e os panos quentes.
A Laura me pede paciência e compreensão, porque esse tipo de gente um dia já foi como o Duda, só inocência e sorrisos e barulhinhos e sílabas; eu até compreendo, claro, mas aí dá um puta medo de que o Duda, um dia, vire esse tipo de gente… e se isso acontecer, será que eu vou ficar tentando adivinhar onde foi que eu errei antes de perguntar pro Delegado “Quanto vai me custar”? Eu costumo dizer que o Duda vai saber que, por piores que sejam as ameaças que o Delegado, polícia ou outros presos fizerem, eu vou fazer pior. Mas vai saber, né?
“Serás hipócrita nas festividades familiares” é o Primeiro Mandamento da tábua da Classe Média, todo mundo meio misturado pra disfarçar melhor, o que espanca empregada doméstica e o que bota fogo no índio e o que mata namorada e atropela traveco e vai atrás de uma pastilha da melhor qualidade pros amigos criados a leite com pêra nos Country Clubs espalhados pelo país, escolas particulares, cursos de inglês, mamãe indo buscar no colégio e escondendo do pai os primeiros passos rumo à delinquência, todo mundo ali rindo a milhão, quem sabe ainda não convidam um traste desses pra ser padrinho de casamento de alguém?
Eu só fico querendo ir embora, sair correndo, tampar o nariz e ligar o som no máximo, enquanto a rapaziada deve rir nas minhas costas, esse otário que precisa TRABALHAR, ha ha ha, quem mandou não ter pai rico?
É Pai, você tava certo o tempo todo sobre essas coisas…"
Randall Neto
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Trechos esparsos sobre o amor

na foto: aquele almojanta com margaridas.

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Durante anos meu afeto se expressava no olhar para cima. Para exatos 33 cm a mais que eu. Tanto que nem consegui me concentrar no gosto do primeiro beijo outro que não o dele. Só sentia a estranheza do contato com o chão. É que eu só sabia beijar na mais esticada ponta dos dedos dos meus pezinhos.

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Eram quase 4 da manhã. Eu, insone, estava lá pela 8ª página de escrita compulsiva quando do nada chega uma mensagem no celular dizendo "Iza, põe o caderno de lado e vai dormir, sua louca." Ri sozinha por uns 5 minutos. E depois chorei um pouquinho. De alegria. Por entender que eu não estava sozinha.

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Ele me ligou cinco minutos depois e a gente conversou em português, espanhol e inglês. Disse que voltaria pra Argentina em dois dias, que queria me ver e me chamou pra sair mais tarde. Mas eu já tinha aquele samba inusitado. Nada me tiraria daquele samba. E a saída ficou pro dia seguinte. Aí entrei no carro, gritei aquela frase uma e me deixei ser tomada pela euforia azul da ousadia. A ousadia tem cor simsim. Nunca o quase conhecer foi tão gostoso.

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Era junho. Ele passou lá em casa para uma noite de festinha, buteco, caldo, não sei. Não me lembro. Mas lembro simsim que antes de sair eu o levei para o quarto e me enfiei embaixo do edredon com ele. E ali, cobertos dos pés a cabeça por um só minuto, eu disse o meu já planejado "só queria te mostrar o quanto esse inverno vai ser gostoso". E ri. E foi.

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Nossos DRs tinham endereço certo. Sempre o mesmo local, com seus bancos de madeira rodeados de bonsais. A gente tomava uma única cerveja e ocupava a disputada mesa por horas a fio com nossos pingos nos is e nossas pazes demoradas. Os garçons nos abominavam. Mas a gente saia de lá tão bem que nem ligava.

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Noite passada um espanto bom me tomava toda vez que eu falava o nome dele. Nome de sonoridade única. Na verdade, ele me parece todo meio único. No jeito, no cheiro, no gosto, na espontaneidade, na energia, no vigor. Ele me deixa à vontade, me enche de vontade e me faz querer ficar. Noite passada eu fiquei. E ele bebeu das minhas costas. Bonito isso, fazer do meu corpo copo pro vinho. E fazer do meu corpo corpo pra tanto. Ele faz.
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