quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Com Manoel

Cinco meses. E não posso me aventurar a soltar uma frase pronta na linha "o tempo voa/ parece que foi ontem". Porque não, não passou rápido. O tempo seguiu pingado, em passo miúdo, e às vezes me dá a impressão de que foi até pouco diante das urgências da digestão constante.
Foram cinco meses vivendo algo novo. Eu, que me mudei de onde morava com amigos para abraçar a proposta de um casamento, de uma vida a dois, me vi, no susto, morando sozinha. E sozinha cuidei das providências que toda casa nova requer e reconheci espaços e tive apoio de perto e tive apoio de longe e vivi os melindres do relacionamento à distância e me vi apertada e me espalhei e estabeleci minha nova rotina e, enfim, me ambientei. Me ambientei até melhor que o esperado para alguém que passou a vida dizendo que não tinha perfil para morar sozinha. E uma das coisas que aprendi foi que, se precisar, eu moro sozinha na boa, achando bom também. Mas se puder escolher, sinceramente, prefiro não. Não por solidão porque sei bem que ela segue a gente até nas multidões e pouco tem a ver com o estar fisicamente acompanhado. Prefiro não porque acho que morar sozinho é um trem perigoso. Vejo aí um terreno fértil para o egoísmo patológico e para o desaprendizado da comunhão.
No morar sozinho não existe um Rodolfo te acordando às 4 da manhã pedindo ajuda, mas nem também te avisando que o farol do seu carro ficou aceso e oferecendo para ir lá apagar para você. Não existe uma Ci falante contando histórias longas quando você está cansada, mas nem também ela nas palas de rir, nos ombros amigos, na cumplicidade sem nome. Não existe pilha de louças na pia que você deixou brilhando de manhã, mas nem também prosas e danças na cozinha em uma noite boba qualquer. Não existe um Fred cutucando sua mania de deixar a porta do armário sempre aberta, mas nem também o braço dele te ajudando a dormir melhor.
Quem mora sozinho tem pouca interferência variada. É constante. É gelatina de uma cor só. Quem mora sozinho conhece só a sua bagunça, o seu dia-a-dia. Está livre simsim das picuinhas e dos problemas dos outros. Mas também não tem as coisas boas do morar junto: o compartilhar diário do bom e do ruim e a necessidade de flexibilidade que esse compartilhar traz. E vejo só benesses nessa flexibilidade. Ela é o exercício que reafirma que não existe só o seu jeito de ver e fazer as coisas e que o mundo não gira em torno das suas prioridades. Quem mora sozinho tem uma tendência maior a supervalorizar suas manias e seu modus operandi e parece que, com o passar dos anos, vai achando o mundo da porta pra fora um lugar ímpar demais para ser assimilado, por ser diferente, por escapar ao controle . Aí o que é diferente ganha capa de estranho e o estranho é abominável para quem só se reconhece no espelho.
É claro que isso não é um rótulo. Terreno fértil não significa cultivo obrigatório. Só falo do que observo à minha volta e o que vejo é o egoísmo operando mais como regra do que como exceção. Mas, de novo, terreno fértil não significa cultivo obrigatório. Além disso, a beleza da diversidade humana está aí para que cada um escolha o caminho que melhor lhe apraz. E dentro do meu poder de escolha, nesse momento, eu repito que não tenho perfil para morar sozinha. Manoel de Barros dizia que ele tinha mais comunhão do que comparação com as coisas e acho bonito isso. Comungar. Comungar para pouco comparar.
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Rádio Plutão
canta o samba da volta



"Sambinha bom
É esse que traz de volta.
Que é só tocar
Que logo você quer voltar.
Meu coração
Já cansou de tanto choro/charme derramar
E pede "volta" pra gente dançar.

Sambinha bom
É esse que tem pouca nota
Que é só tocar
Que logo você quer cantar.
Meu coração
Já cansou de tanto choro derramar,
Implora "volta" pra gente sambar.

Eu, eu quero ficar com você.
Eu, eu quero grudar em você.
Eu, eu quero me bordar em você.

Quero virar sua pele,
Quero fazer uma capa,
Quero tirar sua roupa."
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