sexta-feira, 10 de maio de 2013

Pois sim

A gente sabe bem da dicotomia vida boa/mundo cão que impera. Sabe que a Terra é um local de provas e espiações e "gente" é um trem que não presta muito não. Tanto sabe e tanto sei que nem assusto quando os reveses cavalares chegam. Eles sempre chegam como adoram chegar, de sobressalto, e pra mim parece não haver muita surpresa. Há até uma quasetranquilidade em saber que as tempestades são certas e virão (porque precisam vir) pra cumprir sua função e passar. Passar. Mas isso - o entendimento, a não surpresa - não afasta o sofrimento. O vento forte joga móveis contra as paredes, embaça a visão e rodopia cartas (antes escondidas) no ar. A tempestade desrespeita as funcionalidades para que se possa achar um novo e melhor lugar pro tudo. Entendo. Mas ver quem eu AMO ali, perdido no meio daquele caos, deixa meu coração em frangalhos. É o ditado que diz "mexa comigo mas não mexa com os meus" fazendo sentido a cada minuto do dia. Queria ter todas as respostas e entregá-las prontas. Queria ter a clareza das palavras certas. Queria ter certezas e indicar o melhor caminho num sussurro leve. Queria poder tirar aquela dor gigante com a mão, levá-la comigo e chorá-la até o esgotamento porque isso eu sei que sei fazer bem. Mas não posso. O que posso fazer é estar perto, estar junto pro que vier. O que posso fazer é lembrar que a tempestade VAI PASSAR deixando aberto um espaço limpo e amplo pra leveza fazer casa. E dar a, sim, CERTEZA de que até lá minha mão não vai deixar a sua sozinha.
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Por que amo a Fal

"Porque você me pediu um motivo
Nós escrevemos e escrevemos. Ficção, porque é todo um mundo novo, ainda que velho, se me faço entender. Ficção, porque tudo, tudo mesmo, é ficção. Se caiu no papel é ponto de vista, é parcial, é re-criação, digam o que quiserem. Porque a Andréa tem todas as respostas. Porque é nosso Sol e nós podemos batizá-lo. Porque é nosso filme, nosso final, nosso mocinho, nosso bandido. Nosso bandido. Escrevemos porque sim. Porque não. Porque as palavras vão se juntando-de-carreirinha em nossas cabeças enquanto andamos o cão ou enquanto falamos ao telefone com o moço da teve a cabo, ainda que não queiramos. Porque não há mais nada, ainda que um amigo querido diga que a vida é muito mais que isso. A dele, talvez. Porque há dor lá fora e aqui dentro. E calor. E medo e rancor e doçura e risadas. Porque a Isa nos mandou um postal que nos fez chorar. Porque há o que contar todos os dias, a cada instante, tanto, tanto o que contar. Porque podemos falar da cor dos cílios do amigo que toma café conosco enquanto esperamos o cinema começar, porque há, sim, uma forma melhor de descrever o amarelo do vestido da moça no ponto do ônibus. Porque há tanta música, tanta sombra, tanta vontade de comer pipoca. Porque os deuses gregos nos assombram, escrevemos, escrevemos. Porque, de um monte de jeitos, a história começou quando fomos capazes de escrever sobre nós mesmos. Porque há confusão, aqui dentro e lá fora e montes de jeitos legais de usar a mesma vírgula. Porque o que lemos nos encantou, porque o que lemos nos deixou putos da cara, porque o que lemos nos deixou. Escrevemos porque conhecemos a filhinha do Bia e da Karen em Campinas, porque choveu, porque fechamos a conta de alguém que morreu. Escrevemos para proteger. Escrevemos para estraçalhar. Para fazer um favor, para encher o saco, escrevemos. Para exibir toda nossa superioridade moral, ah, sim, escrevemos. Porque somos felizes 24 horas por dia. Porque nossa alma é cheia de buracos miseráveis. Porque hoje é dia três. Porque a Maliu está aqui ouvindo Caymmi no último volume. Porque não entendemos uma palavra do que os outros dizem, porque lemos nas entrelinhas. Escrevemos porque não há ninguém aqui com esse nome. Escrevemos, escrevemos, porque o amor não mais nos habita. Porque o amor faz nossa cabeça girar. Porque o Char nos frita ovinhos de gema vermelha e canta baixinho quando choramos, sem perguntar o motivo. Porque somos donos disto e daquilo, escrevemos. Escrevemos sobre o que permanece, sobre o que nunca esteve. Escrevemos sobre os cafés silenciosos que tomamos com a Marlene nas manhãs de domingo, os cilcistas, a luz, a ricota. Sobre a voz do Dean Martin, escrevemos porque that"s amore! Escrevemos para descrever, para narrar, para dissertar. Escrevemos para que gostem de nós. Eu escrevo para que você goste de mim. Para contar o que vemos enquanto choramos na frente do espelho. Na frente do espelho. Escrevemos e é isso que chamo de motivo. Porque os dentes doem, porque os tornozelos incham, é por isso que escrevemos. Escrevemos para refrescar a memória, para esquecer tudo o que aconteceu e para enterrar o assunto também. Porque nosso amigo Leo desenhava estrelas nas palmas de nossas mãos e ele não está mais aqui, mas as estrelas, sim. Escrevemos porque está escuro, porque o dia nasce na avenida 23 de Maio todos os dias, porque vemos as sombras da nossa rua antes do dia começar, naquela horinha em que a solidão é maior que o mundo, enquanto falamos com o cão e andamos no escuro. Escrevemos. Ficção, porque tudo, tudo mesmo, é ficção."
Fal quebrilha Azevedo
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Rádio plutão
clama por poesia e doçura.

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