quinta-feira, 5 de junho de 2025

Nada frágil 

Fala. Olha e fala. Se coloca, alinha essa estradinha aparentemente torta. Desenha seu querer em letra, seja pela boca ou pela caneta. Fala, tenta, é mais de boa do que você pensa. Descasca seus medos, joga seus sins. Usa sua voz, banca seus nãos. Um não bem bancado é mais que revolucionário. Fala. Põe seu azulejo colorido no meio do chão de cimento batido e vê o que acontece. Fala. Ou cala, vai, se preferir assim. O silêncio também é bonito do seu jeito, no seu claro imperfeito. O silêncio é vasto, morada de nós imaginários e espaços nada gastos. Então cala. Calar é mais regra que rebedia.

E, no fim do dia, 

até o que cala

fala

na pequena poesia

terça-feira, 27 de maio de 2025

"Margarita has a strange appeal..."

** Num passado já distante, lá pelas saudosas terras das Minas Gerais, conheci esse cara, T., que tinha aí umas questões de ordem psíquica e carregava nas costas uma história famosa. Ele estava no aniversário de uma prima quando, no meio da cantoria do parabéns, ouviu uma voz dizendo: é agora!. T. atravessou a sala correndo e pulou. Da sacada. Do décimo andar. E não, não morreu. A queda foi amortecida por um toldo da área de lazer do prédio e ele somente quebrou as duas pernas. Somente. Na boa, cair do décimo andar e quebrar as duas pernas é NADA. Pois sim. Lembrei dessa história do T. por que na semana passada minha mãe "quebrou as duas pernas". Na versão dela foram nove costelas, pulmão contundido, corte no cotovelo e hematomas mapa mundi espalhados pelo corpo. NADA para alguém que bateu em um caminhão. Em uma rodovia. E o caminhão foi arrastando o carro até atingir um poste que desterrou pegando o carro por baixo também. E não, ela não morreu nem sofreu lesões graves, irreversíveis. Tá aí tendo que ser vigiada para não fazer peripécias durante o repouso necessário. E, assim como T., tem agora essa história pra contar. 

** Saber compartimentar os diferentes aspectos da vida é uma arte, penso eu. Separar em caixinhas, rotular com letra bonita, organizar por ordem de importância e prioridade. Tudo muito claro, visual e certeiro, ali contigo. Nesse sentido, eu por vezes brilho, por vezes fracasso miseravelmente. E, no fim, não sei se faz diferença. Cê lá vi.

** Alessandra Orofino é uma gênia. Gênia. E a cada Calma, urgente parece mais articulada, precisa. Nada não, só pontuando obviedades.

** Adoro quando falo mal de algo, sou veementemente contra, brado "nuncas" enfáticos e depois vou lá, faço e gosto. Adoro. rs

** Eu ainda diria mais...

sábado, 17 de maio de 2025

"tô nem aí pra rolê, tô nem aí pra rolê"

** A frase acima cantada em coro entusiasmado no rolê (ói p'cê vê), frio cortante do invernico candango, gente dançante, mistura tipica asa norter e eu, novata ali, me perguntando quanto João Gomes é muito João Gomes. Ah, João Gomes 💛.

** Fazer amizade em fila de banheiro é um dos pequenos prazeres da vida que mais me apetece, na boa.

** Aceitação e perspectiva. Pepe Mujica morreu nessa semana e me peguei pensando muito na vida dele. Pensar no todo da vida dele trouxe a palavra "contentamento" para o meu já em curso processo de aceitação das coisas e foi um tempero bom. Quanto à perspectiva, E. me trouxe essa analogia que fez sentido e, sentido fazendo, decidi dar aquele conhecido passo pisando diferente. E pisar diferente mudou o passo. Bonito isso. 

** Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e Miranda July me faz exclamar um "Cê tá de sacanagem" em sorriso a cada 5 páginas. Delícia.

terça-feira, 6 de maio de 2025

 Maio


(o céu do chão do parque. sem filtros, por supuesto)

Fal e sua voz delícia começaram recitando Vinicius. "Suavemente Maio se insinua/ por entre os véus de Abril, o mês cruel/ e lava o ar de anil, alegra a rua/ alumbra os astros e aproxima o céu ". Eu, tola, nem sabia que Abril era notoriamente um mês cruel. Achei que tivesse sido alguma disjunção cósmica explosiva endereçada ao meu desatento e discreto umbiginho. E sinceramente não sei se a consciência da crueldade democrática de Abril me conforta ou me perturba mais. Enfim.
Brasília começou trazendo mudança na tardezinha do dia 1, cumprindo a cartilha maiana (?). Fez frio. Brasília sabe desfilar um Maio de noites e manhãs frias, dias de calor e ostenta os mais lindos céus azuis. Lindos. Paulinha e eu nos embrulhamos em casacos e capuzes e meias e seguimos sentadas em cadeiras de praia, proseando ao vento e observando as 12 crianças que brincavam espalhadas em um grupo só. Bonito isso. 
Eu sinto que só comecei mesmo no dia seguinte. Dois de maio é em Minas (ou pelo menos em Uberlândia) o dia mais doido do ano. Doidemai é como se lê e se vive o dia em minerês. E meu doidemai foi doidemai como eu escolhi: no meio do mato. Dia inteiro de trilhas, cachoeiras, prosas, silêncios, o som das passadas no cascalhinho do cerrado (amo) e o acolhimento único que só água corrente sabe dar.
Não sei o que será de Maio. Esperança não tem tido espaço entre as palavras de ordem que imperam (aceitação e perspectiva). Mas sei que ele começou.




sábado, 3 de maio de 2025

 Rupi Kaur 

     (os livros dela e o que já foi meu autorretrato)

Tarde de sábado, sol, friozinho. Margot observa, já sem enxergar, os filhos de mim inventando toda sorte de brincadeira com gravetos e subindo em árvores e me esquecendo soltos. Um novinho de bigode passa cantando alto, pisada firme, algo que desconheço mas cuja letra me leva para outro som, outro tempo e me faz fechar o livro um pouco para chegar lá. Quando se lê poesia, tudo e qualquer coisa parece poética. E com Rupi Kaur me sinto em mergulho na falta de água. Ela entrega escrita que afunda faca no peito, desce em zigue-zague e você sangra repetidamente a cada página. O ar me falta, engulo seco, fecho os olhos e sangro. Sangro feliz pelo que leio e sigo sangrando até ter que parar sem conseguir. E me vejo Kaur no murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Caso meu florescer com o dela, piso o mesmo terreno e vejo que queremos mundos parecidos, que lutamos parecido. Termino o livro meio de sangue trocado de sangue mesmo. Termino o livro com a língua afiada em palavra e pronta para imergir em outros jeitos de usar a boca. Inclusive para dizer seu nome. Rupi Kaur. 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

terça-feira, 29 de abril de 2025

Trecho esparso sobre o amor

Ele falou o que me falou meio de canto mas em uma altura que não sei se quem estava perto chegou a ouvir. Só sei que disse o que disse e eu só entendi de fato quando saquei que música era aquela. Demorei uns segundos para voltar do susto da explicitude e disfarcei verbalmente. Mal, por sinal. Pensei ali se ele, como eu, é adepto da ousadia planejada e trouxe consigo a frase pronta de casa. Talvez. Ele ficou diferente: postura de satisfação, orgulhoso do feito, e olho baixo de claro arrependimento. Ambivalente. Eu fiz a egípcia (quero crer) e também fiquei diferente: lisonjeada pela certeza pouco surpresa de me ver parte do imaginário dele e incomodada por saber que esse é um terreno que tenho por regra não pisar. Ambivalente. Também. Ideal e nada ideal. ...........................................

Rádio Plutão 

segunda-feira, 28 de abril de 2025

 Por que eu amo a Fal

"Alguém a faz sentir-se viva quando alcançada pela luz?

A moça da canção do ABBA (pra mim vale a da Meryl) declara que, quando banhada pelas luzes dos holofotes (gostou do banhada?) não se sentirá triste porque alguém está em algum lugar da multidão e o olhar desse alguém a faz feliz. Ela canta por vaidade artística, ela canta para pagar as contas, mas ela canta para uma pessoa em especial. Mas uma pessoa especial, uma pessoa especial no meio da multidão, faz com que nossa cantorinha triste se sinta viva. Uma pessoa especial em meio à multidão.

É de se imaginar que seja recíproco, porque afinal de contas, a pessoa especial no meio da multidão está ali, a enfrentar la muchedumbre para assistir à apresentação da triste cantorinha banhada pelas luzes. Mas me entenda: é de se imaginar. Não é certeza. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode estar no show por tédio. A pessoa especial em meio à multidão não tinha nada pra fazer e a triste cantorinha mandou um ingresso de presente — a tal da pessoa especial pode ser do tipo que não paga pra ver os shows da cantorinha. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode até ter levado a pessoa especial dela, a pessoa que realmente ama, pro show da cantorinha triste. Por fim, a pessoa especial pode ter dito à cantorinha que ia ao show e não foi não. Vai ver, a pessoa especial em meio à multidão acha a cantorinha extremamente chata, mas, ao mesmo tempo, ter uma cantorinha triste extremamente chata ligando no meio da noite de Glasgow faz qualquer um, até a pessoa especial em meio à multidão que não dá a mínima, se sentir especial. E quem não quer se sentir especial?

Enfim, sobre a pessoa especial em meio à multidão pouco podemos dizer. Geralmente a pessoa especial em meio à multidão não está nem aí para o que a cantorinha triste, você ou eu sentimos.

*

Voltemos para a cantorinha.

Ela se declara menos triste, pois a pessoa especial em meio à multidão estará atenta, ouvindo seus trinados.

*

Nós que escrevemos, escrevemos para alguém: nossos leitores (não escrevemos para nossa família, não escrevemos para nossos amigos). Escrevemos para os nossos leitores. Quem são esses caras?

Se é que eles existem, digo.

*

Perdi um amigo, me machuquei e tomei um susto quase ao mesmo tempo. De longe, perder o amigo foi a pior das situações.

Esse era um amigo que não apenas gostava de me ler — a única coisa que faço na vida. Eu gostava imenso de escrever para ele e de escrever em qualquer lugar sabendo que ele ia me ler.

A morte dele me fez — ainda me faz, é tudo tão recente — inventariar com quem diabos estou falando e para quem diabos quero falar. Quando viramos escritores, somos ensinados, ensinamos a nós mesmos que devemos viver no mode Roberto Carlos – eu quero ter um milhão de amigos.

Não discuto com quem me diz Sim, quero alcançar as mais apartadas almas com o fulgor das minhas palavras.

Nesses dias, mais ou menos de molho, tou fazendo um inventário tão interessante quanto perigoso: estou escrevendo para quem? Não para que, mas quem? Pouco antes do meu amigo morrer, uma imensa escritora me disse que estava dando uma limada em quem a lê. Que está selecionando, na maciota, quem a lê e quando. Na hora só concordei, mas quinze dias depois, nunca uma declaração fez tanto sentido.

Para quem estou escrevendo? Não por que, mas para quem?

Daqui donde estou, embalada por questionamentos vários, tristezinhas miúdas, tristezona enorme, alguma decepção e partinhas soltas de ressentimento e surpresa, me pergunto se faz qualquer diferença ser lida por este e não por aquele, aliás, se faz qualquer diferença ser lida, aliás, se faz qualquer diferença deitar sobre o papel as palavrinhas minhas.

Não tenho resposta, não tenho solução, não vou recomendar a quem quer que seja escrever, não escrever, ler ou não, pensar ou não sobre isso tudo.

Mas a verdade é que a ideia de dar a última aula às dezoito horas, fechar o computador e comer e assistir séries até a hora de dormir tem me parecido muito sedutora. A desistência é sempre sedutora. E algumas coisas simplesmente querem que você desista delas."

Fal Vitiello de Azevedo

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" e nesse dia branco"

*** Aquele nozinho aqui do lado direito, que pega pescoço e ombro em fisgada e dói rígido, cuja terminologia científica é maternidade. Difícil para um cacete. Especialmente a tarefa hercúlea de viver batendo o pé para deixar claro que você, mãe, também é gente e não apenas função. Mais uma área da vida em que a gente tem que bater o pé para deixar claro que é gente. Na boa, difícil para um cacete.

*** Segunda rima com silêncio e algum respiro, mesmo que descompassado. E hoje, especialmente, gostaria que durasse meses.

*** O episódio 2 de The Last of us me lembrou o que me fez abandonar Game of Thrones. Mas tenho aqui pra mim que seguirei.

*** Sonhei esta noite que estava lendo um livro que não quero ler. Isso. Ponto. Só isso. O mais inútil sonho desses meus quase 49 anos. Valendo aqui da premissa (questionável) de que os sonhos têm alguma utilidade. 

*** No excelente "Canção para ninar menino grande", Conceição Evaristo usa várias vezes "cria" como o passado de crer. "Ela cria na chegada do dia em que...". E fiquei viajando na ponte com o "cria" de criar. Pois acreditar, crer, é algo que criamos na nossa mente e nos nossos sentidos. Crer é uma criação imagética. Crer É criar. Por isso "cria", como usa Evaristo, vai além, diz mais, se estende para o campo macio do poético. Bonito isso. 


sexta-feira, 25 de abril de 2025

Retórica 

E se o "Clube dos abandonadores da velha escola" fosse um mar de gente e não esse fiapo quase invisível de água corrente? Como seria?

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

 "nada ficou intacto"

* Esse foi o pedaço de frase que me pegou quando tocou "Boa Noite" do Djavan no rádio do carro, de manhã, voltando pra casa. Ele fala ali do efeito de um amor arrebatador que chega mas eu senti em outro lugar: quando acontecimentos em série trazem uma espécie de crise que parece afetar os aspectos mais variados da vida. "Nada ficou intacto". Nada. Tudo mexido, repensado, rasgado, desfeito, refeito, redirecionado, mudado. Nada ficou intacto. É quase uma outra existência.

* Falzuca quer lançar a campanha "Isso não é amor, é desidratação" e eu digo amém, sista. Porque, né? Há casos em que só pode ser mente e corpo alterados por alguma desordem vital, na boa. rs

* A mulher que sou/estou vira e mexe (leia-se: quase diariamente) topa com a mulher que fui. Topada topada mesmo, na linha dedo mindinho no pé da mesa. Rola choque, grito, palavrão e leva um cadinho de tempo pra parar de doer, pra entender e eu lembrar que é o que acontece com quem muda sempre as coisas de lugar. Parte do processo em curso, mutante.

* Invasor bárbaro, encusiasta, negócio fechado, família adams, malásia, correntinha, pavão, focaccia, em comum. Nada não, só listando referências.

* Aí que o estado quase sólido de desesperança não era tão sólido assim. Foi se deixando permear por simplicidades. Por prosa e café sem pressa com Daia, por pé na grama e livro e sol e ducha gelada de faltar ar no parque, por Pri rompendo com planos para estar junto, por almoço que faz ponte para noite em casa de amigos onde se dança Bowie e Prince na sala e se canta Gal como se Gal fosse na mesa e se bebe gin em taça que parece um balde, por janta improvisada e risos precisos na casa de Paulinha, por White Lotus maratonada, por Alabama Shakes nos ouvidos. Por quietude. Por Conceição Evaristo e sua escrita phoda. Por áudios de rir e chorar da Fal. Pelo que vive. Pelo que se vive.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

PORTARIA CGR Nº 1, DE 17 DE ABRIL DE 2025

Atribui novo significado a estar bem.

A PRESIDENTE DO COMITÊ GERAL DE RESSIGNIFICAÇÕES , no uso da competência que lhe foi subdelegada pela Portaria MTA nº 1, de 20 de maio de 2010, e o que consta no Processo Dossiê nº 130776.130776/1976-13, RESOLVE:

Art. 1º Instituir em caráter temporário e em regime de urgência o novo "bem". O novo "bem" transita em chão duro sem o uso de qualquer tipo de amortecimento e carrega doses consideráveis de seca aceitação. Possui coloração inidentificável, aspecto opaco mas, curiosamente, no fundo é transparente. Prescinde de pausa, chora pouco e mantém alto desempenho na execução das tarefas diárias. O novo "bem" rasga esperanças tolas, infantis, e se fortalece na convicção plena de que tudo não vai ficar bem. Abomina toda e qualquer forma de silêncio e musica (sim, do verbo musicar) todos os espaços ocupáveis. Dá merecido descanso a Noga Erez e abarca variações de algo por ele classificado (talvez equivocadamente) como punk rock. Canta alto todo o "Horses" da Patti Smith, dança sentado duas lado B do Talking Heads e explora Santigold. Ainda assim, o novo "bem" desconhece a graça das coisas e segue cru. Não apresenta características típicas do antigo bem, mas responde que está bem quando perguntam tudo bem. O novo "bem" não se sente só, tem amparo logístico e afetivo e valerá até que portaria posterior o torne sem efeito.

Art. 2º Este ato entra em vigor na data de sua publicação.

Izabela F. Cosenza

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Rádio Plutão 

Santi



segunda-feira, 14 de abril de 2025

"como dois e dois são cinco"

Chove um tanto lá fora. Chuva bonita, encorpada, contínua, com um ou outro som tímido de trovão. Chuva que faz uma a cor do céu. Um longo e único branco acinzentado. E eu, sem cor aqui dentro, não consigo me prender a nada. Como se mente e corpo estivessem sintonizados nessa frequência vaga, sem chiado. Trabalho sem trabalhar, leio sem ler, dirijo sem dirigir, malho sem malhar, como sem comer. E não, não estou afundada em um poço de tristeza ou outra emoção qualquer. Não é isso. Há dor, mas não é isso. Estou desligada, em off, atravessando os passos do dia. Um a um. Eu ausente. Preciso dar um jeito de descer com a Margot. Minha capa de chuva verde, guarda-chuvão e a capa de chuva rosa bonitinha e meio ridícula dela. Preciso trabalhar até as 19:30. Chuva de matérias aqui. Preciso não errar. Tipo de ato, seção, data de publicação. Básico, Izabela. Preciso higienizar as folhas para a salada, ralar cenouras. Preciso continuar nesse silêncio perene e vago, sem chiado. Branco acinzentado. Duas mortes em cinco dias. E eu perdi a cor. 


sexta-feira, 11 de abril de 2025

Rádio Plutão

Imersa com Noga no Aquário



"quero te dizer nenhum segredo" 

* Manhã, aula de bike indoor, no telão competição feminina na Bélgica e uma imagem aérea mostra uma capela cercada de verde por todos os lados com o escrito "Chapel of Steenbergen" no canto da tela. Por um segundo escapei sem pensar para outro tempo, outros tantos lugares e tanto que quase senti aquele cheiro específico. Quase. Mas não. 

* O que chega para ser escrito desconhece o tempo do relógio. E se chega no meio da madrugada traz consigo um imperativo de urgência, pois há chances abissais de ele cair no esquecimento se não cair no papel naquela exata hora. Nessa noite foi assim. Lá pelas 4 me veio o texto prontinho: início, caminho longo e encadeado, pausas, as repetições que imito da Fal (oi, Falzuca), fim que retoma o começo e, se não me engano, até um toque de pretenso humor no meio de uma prosa sobre luto. Não sentei para escrever e ele se foi provavelmente sem volta, o que tem tudo a ver com tudo. O que tem tudo a ver com o (des)embaraço do tempo.

* Alguém da vizinhança tem praticado sax nos fins das manhãs. E eu já me pego dando bom dia pro som. Bonito isso.

* Focaccia. E não falo aqui de pão. É meio que nome ou estado das coisas.

* Noga Erez faz folia em minha vida desde 2023 e tenho pra mim que estou compensando por todo o pop que não ouvi nos anos 90 (Alanis conta como pop, produção?). E tenho ouvido só e somente ela nos últimos dias. Tio Jorge morreu na quarta-feira. O Tio Jorge. Sigo um tanto desorientada desde então, sem conseguir colocar pra dentro ou pra fora, e Noga, de alguma forma, me ritma. Especialmente no aquário.

segunda-feira, 31 de março de 2025

"quero te dizer nenhum segredo"

*A biblioteca da meia-noite. A história é interessante, o livro foi bem escrito, mas me peguei, página a página, esperando por um sobressalto, uma pausa forçada que não chegou. Aquela frase, aquele parágrafo que te faz fechar o livro pra respirar. E você volta e relê o trecho dez vezes e copia no caderninho e fica se perguntando, maravilhada, como alguém escreveu AQUILO (pausa) DAQUELE JEITO (pausa). O lance não é a história, é quem conta a história. Isso faz toda a diferença. Aí sinto que sou tão bem acostumada à maestria poética de Fal Azevedo, Carla Madeira, Ana Suy (conta outra linha de história, mas entra lindamente no time), entre outras, que espero a delícia e o impacto do dito susto. Terminei "A biblioteca.." como quem come um pacote rosa de pipoca sem achar uma doce sequer. Mas, enfim, é um livro válido. A história é boa.

*Assistir à série "Adolescência" enquanto se lê "A vontade de mudar" da bell hooks abre pauta para dez sessões de terapia. Pra começar.

*Responsabilidade afetiva. É bonito na teoria e difícil pra cacete na prática. Requer uma escolha minuciosa das palavras, do tom da prosa. Requer ensaio. Requer lidar com taquicardia e mãos ridiculamente geladas para soltar um "queria te falar sobre como me senti ontem à noite" e seguir dizendo que não há interesse da sua parte, dando a real sem esquinas nem vãos. Difícil pra cacete. Mas aí o outro te escuta, se coloca, diz que tá tudo bem e te agradece pela sinceridade. Ói p'cê vê. No fim das contas, responsabilidade afetiva é bonito na teoria e na prática. Erasmo Carlos sempre soube: gente certa é gente aberta.

*"O pior é o que eu não contei" me fez gargalhar.

*Os filhos de mim abominam carnaval mas são dois ratos de biblioteca, graças às deusatudo. André veio me mostrar esse livro que pegou sobre um E.T. e contei pra ele que aquela era a história de um filme que eu havia assistido quando pitica, quando tinha a idade dele. Ele me olhou incrédulo. rs. Aí lá fomos nós três assistir ao "E.T. o extraterrestre" juntinhos e, putz, foi tão gostoso que dá pra escrever um livro sobre.

*Olha, se sentir incomodada e não ter que fingir que tá tudo bem é altamente libertador. Recomendo. Ainda que rolem cabeças. Ainda que seja a sua. Vale demais da conta.

*Põe um sorriso na minha cara. Nada não, só cantando. =)


sexta-feira, 28 de março de 2025

 Rádio Plutão 

morando no repeat 



quarta-feira, 26 de março de 2025

Acorde

Trouxe pouca coisa além da lembrança. A roupa do corpo, celular no bolso e chaves de lugar nenhum. Abriu sorrisos - um com algum pesar -, falou de alívios e da textura atrativa da falta de chão. Ele ali, pisando onde eu já pisei. Eu ali, escutando tranquila, como casa aberta de frente pra praça. Ali, os dois desatados de nós ouvindo de fundo a sonora nova de quem mudou de direção. Outras trilhas. E nos despedimos bem, cada um seguindo a sua.

Um Lá. Um Lá Bemol.

segunda-feira, 24 de março de 2025

(escrito há 1 ano, em 25/03/2024)

Meu pai morreu. Encerrei a ligação, dei a notícia a minha mãe e continuei a trabalhar, mas não me lembro de uma linha do que fiz. Avisei meu chefe e quem mais eu quis avisar, fechei a porta e apaguei por quase 3 horas. Acordei esquisita, meio seca, perdida. E perdida tive um tempo ali antes de buscar os meninos na escola. Meu pai morreu. Meu pai morreu e não posso discorrer sobre o quanto eu o achava admirável, dizer que nossa experiência juntos foi incrível. Não, essa não é a nossa história. E precisei chegar a idade adulta para entender que meu pai era um "homem do seu tempo" e entender o quanto desafiador deveria ser para ele ter uma filha como eu, que não via sentido algum nas atitudes típicas de um "homem do seu tempo". O que ele conhecia como relação era pra mim inaceitável, desrespeitoso; e o que eu propunha como relação era pra ele inaceitável, desrespeitoso. E assim passamos a vida, patinando no terreno do conflituoso ou indiferente. Sei que ele me amava e por vezes soube do meu amor por ele, mas a gente achava pouca brecha pra trazer esse amor para a prática. Com a chegada da demência, há alguns anos, comecei a demonstrar um ou outro afeto e ele também. Meu pai morreu. Meu pai morreu e tenho pra mim que fizemos nosso melhor, ainda que tenha sido pouco, ainda que pareça pouco. Meu pai morreu e eu que sou de gritar por ajuda e sofrer junto quero ouvir nada, dizer nada. Quero ficar quieta para tentar dar nome para o que sinto sem ser rasa, afoita, e chamar de "uma tristeza enorme" porque é outra coisa que não isso. Meu pai morreu e me escapa a palavra. E, de alguma forma, eu me escapo também. E sinto muitíssimo. 

domingo, 23 de março de 2025

Parecia brincadeira e meio que era. Ela passeava tranquila pelo corpo dele: as pontas, os meios, os pedaços óbvios, os cantos escondidos e intocados. Sem pressa. Sem pressa, mas não em silêncio. Ia contando coisas bobas, aleatórias, pelas quais sua pele já tinha passado. Contou da sensação da rocha quente no corpo gelado e molhado de cachoeira. Contou da gengiva que recebeu de volta dois dentes de leite numa queda. Contou da borda dos olhos que parecia sumir a menos 17° celsius. Tudo isso enquanto espalhava dedos, nariz, boca, língua, queixo pelo todo dele. Sem pressa. Até que chegou na tatuagem do braço e cravou os dentes com alguma força. Ele quicou assustado, susto bom, e se entregou em riso a aquele relaxado tenso. E ela também. Se entregou.

segunda-feira, 17 de março de 2025

 Por que eu amo a Fal

sábado, 15 de março de 2025

Retórica 

e se for isso? esse todo?


Nada leve

Faz bem umas duas décadas que eu digo basicamente a mesma coisa a cada brinde: saúde e leveza. Mas confesso que já há algum tempo a segunda palavra me sai meio que agarrada na garganta. Não pelo que eu quero que ela signifique, mas pelo que muitas vezes ela representa de fato. Uma quase máscara com outro significado escondido por detrás. Comecei a me tocar disso em um passado já passado (ufa), em um movimento de retomada de protagonismo no "meu vidinha" (idiossincrasia). Lá estava eu caindo no mesmo buraco de sobrecarga : trabalho + logística doméstica + cuidado com os filhos, me responsabilizando praticamente sozinha por um conjunto de coisas que deveriam ser compartilhadas. E, já desperta e consciente, manifestava constantemente meu desagrado e indignação diante daquela disparidade. Aí veio a pérola: o problema não era a situação em si, mas a minha "falta de leveza". Eu deveria viver daquele jeito, nadando na merda (perdoe meu francês), sem reclamar nem exigir mudanças. A "leveza" era estar agradável ao outro, independentemente de como eu realmente me sentia. Bacana, né?. Então que dia desses falava eu sobre incômodos latejantes com outra pessoa quando ela me interrompeu e disse: "Calma, Iza. Vamos manter um tom leve!". Taí, de novo, esse mesmo sentido distorcido. Na boa, se for para encarar a leveza assim, como mansidão incondicional, eu a dispenso de pronto. Pra vida. Não quero ser leve. Quero ser a expressão genuína dessa paleta variada de sentimentos que fazem parte do existir, inclusive incômodo, raiva, indignação, tristeza, irritação e por aí vai. E que minha voz e atitudes sejam o reflexo PLENO desses sentires, os meus sentires todos. Porque leveza para mim é estar conectada comigo mesma e ser sincera em relação ao que eu penso e sinto, sem que o outro seja a baliza avaliadora e limitante da minha fala. Para mim leveza não é mansidão , é plenitude.

Saúde e plenitude. Tim tim.