terça-feira, 18 de novembro de 2025

Cara diária, There is no such a thing as coincidence.

Foda lançar mão de anglicismos, mas o que fazer se há expressões adoradas nessa língua outra que perdem algo se traduzidas, algo na sonoridade, algo no sentido. Como traduzir a citada acima e deixar de lado a cadência das palavras combinadas? E em "it takes two to tango"? Corre aqui, Fal, porque eu não consigo. Anyways (uia, mais uma), essa noite sonhei com ela. Ela apareceu no último dos, sei lá, quatro sonhos que tive (oi, CDB). Estávamos nós em uma cidade que parecia interior de Minas, carro parado em estrada de pedra, nos organizando para um rolê específico. E ela ali ao meu lado enquanto eu procurava um par de meias e só achava pés avulsos. Eu fazia graça da situação, teatralizando o simples, e ela gargalhava com seus olhos brilhantes. Acordei meio que rindo, ainda na vibe fresca do sonho, para encontrar um mar de impressões em forma de palavras e fotos e vídeos dela enviados minutos antes. Minutos antes. Estávamos juntas. Eu com ela na escrita e ela comigo em sonho. Bonito isso. Bonito também começar o dia saboreando saudade gostosa de quem está longe/perto. Bonito ter na vida afeto assim. E me despeço aqui usando as palavras dela.


Beijo, querida. 🤍

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Trecho esparso sobre o amor 

Ela havia notado algo peculiar mas levou um tempo para chegar à certeza de fato. Ele não tinha cheiro. Nem cheiro só de pele sem perfume, nem cheiro de pele perfumada, nem cheiro emprestado de roupa lavada. Ele cheirava a nada. Nem quando distante do último banho ou logo após ele. Nem mesmo na boca acordada ou de dentes recém escovados. Nada. Ela bem que procurou - atenta - em horas propícias e lugares prováveis, mas só encontrou caminho sem trescalo (como depois lhe diria o dicionário). Uma atípica e intrigante ausência na essência. Ele cheirava a nada. Diante da evidência, coube a ela fazer o que sabe fazer. Abriu o caderno e o topo da folha com o título "A festa deserta do corpo sem cheiro". E pôs-se a escrever.

sábado, 8 de novembro de 2025

Método 


Tarde de sábado. Li apenas 10 páginas do Édouard Louis e tive que parar. Parei porque o céu lá fora mudou de cor de um jeito que a cor da página aqui dentro mudou também, me puxando para fora da história e de volta para meu quarto. Levantei, acendi a luz, ouvi trovões. Escancarei a janela antes de fechá-la só para sentir o vento forte e as primeiras gotas de chuva no rosto. Inspirei bem fundo e deixei sair pela boca o que sobrou da raiva que amanheceu comigo. Nada gritante, raiva quase corriqueira, nada nova. Aquela que vem quando minha necessidade de controle é cutucada. Quando o outro se demora no que para mim é urgente. E às vezes o tempo nem é necessariamente relevante, pode ser um lance que tanto faz se eu desenrolar de fato agora ou um teco depois, mas ter que depender do outro me perturba, me cresce o bico. Talvez por isso eu goste tanto do meu trampo, pois ali sou eu em todas as etapas do processo, da primeira à última. Controle. Me orgulho e aplaudo e enalteço esse traço em mim? Claro que não. Tento lidar com ele. Sem ignorá-lo, sem fingir que ele não existe. Tento lidar com ele. Reconheço a dificuldade minha, converso com a Larissa (que sabe bem do modus operandi) e me permito sentir a pequena ou grande raiva até ela sentir vontade de passar. E aí vem a calhar se o céu fechado em cinza escuro e a falta de luz me tiram do livro e me levam à janela. Para esvaziar no vento apertos de dentro. Mas devo acrescentar que a raiva em questão foi mais fácil de passar não só por mérito do meu autoconhecimento e do céu. O impasse prático que cutucou meu vespeiro foi resolvido com desfecho que contemplou todos os envolvidos. Houve estresse, desgaste, mas cada um entendeu o lado do outro e cedeu um pouco para achar saída comum. Ao invés de queda de braço, vitória e derrota, achamos entendimento, coisa rara entre nós nos últimos anos. Esse sentimento bom, cujo nome ainda não sei mas que rima com equilíbrio enfim, também se fez presente no peito e no vento. 
Ok, agora depois do sentido organizado na escrita, posso voltar ao livro que traz o tema como título. Mudar: método. Diga-me aí, Édouard Louis. 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Diária, meu bem. The D∅ também canta no seu silêncio?

Lô Borges morreu e eu, pouco internética que sou, só fui descobrir dias depois quando Falzuca falou a respeito. Putz, como amo a escrita e a cantoria desse mineiro que é trilha sonora "do meu vidinha" (oi, André) desde a infância. Bem que quis parar tudo e ficar dias ouvindo só Lô, assim como fiz com Angela Roro e com cada outro significativo que deixa esse plano. Mas não consegui. Porque há som novo ocupando meus espaços em metiê exploratório sem meta nem prazo para cumprir. E como me gusta e acho rico ser esponja sonora, sacar os arranjos, o tempo, as quebras, a poética cantada e seguir assim: canção por canção. Achar gosto e desgosto sem pressa. Pra mim, som novo é mais que som. É água nova e fresca que entra e se espalha, refresca. Frescor interno em forma e cadência variadas ritmando os dias com contornos móveis típicos do que se apresenta diverso, alimentando curiosidades. Busca, envolvimento, entrega e recompensa com ares de descoberta em quase moto-contínuo. E sim, acertou você se acha que o todo aqui dito é mais do que sobre música. É sobre o todo.🤍

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Rádio Plutão 

degusta



quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Retórica 
E quando o tanto se aquieta em confortável nada? Qual o cheiro dessa cor clara de água passada?
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Rádio Plutão 




domingo, 2 de novembro de 2025

Cara diária, tá sentindo o que fica e o que passa?

Interessante o quanto esses processos de quebra rapidamente desenham contornos que são mais sobre você mesma, seu estar no mundo e suas escolhas, do que sobre o outro. Veja bem que usei "quebra" e não "perda". "Perda", escrita assim crua, me soa agora tão unifocal, como se a ausência do objeto fosse o eixo principal de um movimento que envolve uma pá de coisas muitas vezes mais relevantes que a falta do algo em si. Já "quebra" traz um quê de caleidoscópio ritmado que, se bem degustado, é prato cheio para toda uma sorte de percepções e sentidos. Pedaços de um todo mutante. Pedaços que nem vão existir se a gente não se abrir para experimentar, para viver as experiências nas suas oportunidades práticas. E brincar com elas, se aventurar no porvir. Porque é na experiência que se materializa o pensar, o querer, o planejado, o improviso. Pra que roteiros rígidos, ditos seguros, diária, se eles te protegem também da riqueza temática da vida? Quando foi que o inesperado, o que foge do seu (pretenso) controle, virou um vilão? Liv Stromquist tece essa teia de maneira brilhante fazendo sociologia em quadrinhos no fodástico " A rosa mais vermelha desabrocha". Depois de lê-lo fiquei brisando sobre o risco de adotar o medo como timão do barco. Sobre evitar viver para tentar se precaver das intempéries da vida. Só que as intempéries são inescapáveis, dores são inescapáveis e elas vão te morder de algum jeito, inevitavelmente. Sobre como o medo te mantém "seguro" enraizado nos sofrimentos já conhecidos, só sofrendo, sofrendo só. É uma escolha. E quem sou eu pra ditar como os outros devem escolher viver, até mesmo porque euzinha aqui abracei mais de uma vez essa escolha no passado. Mas não mais. Hoje vejo mais sentido no risco, nos riscos que fazem sentido. E ah como me sinto viva nas minhas escolhas, inclusive nas equivocadas. Nelas amo. Nelas sofro. Nelas bordo vínculos e desato nós. Nelas sou nós, pronome plural. Nelas sou eu singular. Nelas descubro chances de mudar. Nelas me lasco. Nelas mudo. Me aventuro no porvir. E aí que ontem fui assistir ao impactante "O último azul", que extrapola o tema em TANTAS direções que vou precisar de elaboração e tempo para falar sobre. Talvez.

Beijo domingueiro, querida. 🤍


quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Cara diária, "eu quero a esperança de óculos e meu filho de cuca legal."

Foi o que Elis cantou assim que entrei no carro e sorri de quase distender um músculo da face. Aquele sorriso apertadinho que lembra o efeito de tamarindo na boca, sabe? Porque estava eu usando óculos fresquinhos, que agora seguirão comigo full time. Pausa para o contexto: quando criança eu sonhava em usar óculos. E não ouse me julgar pois "cada ser tem sonhos a sua maneira" (quanta referência musical é muita referência musical? Nunca saberemos, diária.). Achava bonito, estiloso, mas também achava que me comporia, criança nerdinha amante das palavras e escritora de poemas ruins. rs. O lance é que tinha olhos de águia e sempre saia da oftalmologista desgostosa do elogio. Pois sim que agora os 49 anos de praia juntaram a vista cansada com um cadinho de hipermetropia e fui finalmente coroada com essa mudança, com olhos que veem o mundo com outra nitidez. Bonito isso. E penso eu que mudanças tem tudo a ver com esperança. É o incômodo que inquieta e abre espaço para vislumbrar e cavar caminhos melhores, com mais sentido, e traz a vontade de mudar (oi, bell hooks). Espera-se com a mudança, senão nem haveria propósito em passar pelo transtorno e desgaste de deixar o antigo e abraçar algo desconhecido. Esperança. E me tocou a música tocada ali, bem na hora da minha pequena grande mudança. Eu quero simsim a esperança de óculos e meus filhos de cuca legal. Por isso mudo, em voz e atitude. E abri a tarde cantando encantada e mudada eixinho afora.

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Rádio Plutão 

E olhos se movendo assim


terça-feira, 28 de outubro de 2025

Querido D., não deveria ser você "querida"?

Bateu aqui essa brisa. Bom, tendo em vista essa nova ondinha minha de escrever assim, como carta para um interlocutor, faz sentido o substantivo masculino? Sei que a escolha de "o" em diáriO e cadernO foi feita pela gramática da língua portuguesa antes de euzinha pisar aqui nesse plano, está dada. Mas, aqui entra meu sonoro Mas, faz sentido que você seja um substantivo masculino no meu contexto, contexto composto massivamente por interlocutorAS? Me peguei pensando nisso ontem a caminho do bar para uma hora feliz anárquica em plena segundona feriado. Lá, em mesa pra quatro, Nati, Tati, Gi e eu passamos tempo sem pressa em prosa aberta. Nós quatro falamos e ouvimos e reclamamos e cantamos e rimos de doer maxilar, misturando-nos umas nas histórias das outras e nas nossas histórias conjuntas. Assim também no sábado com Paulinha e Pri na casa verde e no domingo com Paulinha no cãopão. O pequeno recorte de três dias, falando só do presencial, grita "a" no final. AmigAs interlocutorAs. Minha existência é uma não ilha cercada de mulheres por todos os lados. Felizmente. Não faria mais sentido então eu lançar mão da minha liberdade poética e te chamar de "querida diária"? Faria. E fará.
Mudando de assunto sem mudar de assunto, você pode me dizer: " Tá aí você toda prosa e cheia de graça, Izabela. Desistiu de viver plenamente o sweet sad love?". Não, minha cara, de jeito algum. Estou no deguste, curtindo literalmente a fossa, porque 1- faz parte do amor (vide vídeo do Louie) e 2- acredito que os lutos (pequenos ou grandes) quando não vividos acabam depois vindo te cutucar em outras horas e de jeitos disfarçados. O lance é que o sweet sad love não precisa ser um buraco escuro, ele vai perpassando a vida no que ela tem de bacana e festivo também. Ainda sinto um pouco a falta do que era bom e muito o alívio da ausência do que era ruim. Ainda bate o engasgo de quando em vez (oi, Fal) mas já "me pego cantando sem mais nem porquê". Vou vivendo o trem e ele vai achando seu lugar tranquilo em mim. Lembrei-me de um miniconto sobre a falta que escrevi há uma pá de tempo (2011, serasse?) e que fala sobre minha capacidade afiada pra esquecer. Vou ali buscar e já volto.

Ela comeu só metade da maçã. Não precisava se fartar. Naquela hora, precisava de quase nada. Não entoou hinos, não chorou rios, não gritou farpas. Não precisava se fartar. Apenas abraçou seu luto em pequenina reclusão. Sofria um pouco pelo perdido, um pouco pelo tempo cedo, um pouco pelo que queria. Mas sofria mesmo por conhecer de longa data aquele talento que tinha. Sabia esquecer como ninguém. Sabia bem viver sem. E por isso sofria.

Talento para a entrega e talento para o esquecimento. Ói p'cê vê. rs
Beijo, querida.
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Rádio Plutão 
Reverencia o tiny desk fresquinho da Céu Aqui!
E putz que bonito Grains de beauté, uma das minhas favoritas na vida, cantada assim. :)





sábado, 25 de outubro de 2025

Querido D., cabe te chamar pela inicial?

Madrugada, "Dois" da Legião Urbana nos ouvidos, e cá estou com essa batata quente nas mãos, com esse osso pra roer e com todas as outras expressões dessa linha desfilando desalinhadas pelas paredes do quarto. "The sweet sad love". E não vou nem dizer que queria que existisse cartilha com regras e orientações e passos sobre como ser um poema ambulante. Nós sabemos bem que eu a leria só para ignorá-la, afirmando veementemente que do meu sofrer quem sabe (ou não sabe) sou eu. O que sei do meu sofrer é que ele está estranho. Quase nada de choro, bom humor aberto com eventuais pancadas de azedume e a vida seguindo aparentemente inabalada. Exceto por um engasgo, um nó amargo. Um nó em movimento, que me aperta em diferentes partes do corpo, de diferentes jeitos. Sinto raiva desse incômodo. Não o conheço. Converso com ele lançando mão do meu sorriso simpático, no meu bom e velho jogo de conquista. Canto canções que possam fazer sentido, mostro meus passinhos e o chamo pra dançar. Conto histórias improváveis e invento desenrolares de rir no final. Rio. Quero que ele goste de mim, que se abra para que eu possa entendê-lo e acolhê-lo, fingindo interesse sincero. Mostro meu presente e passado pra que ele perceba sutilmente que não tem casa aqui. Quero mentir que não tenho pressa só pra que ele não se demore. Sei que o engasgo é necessário, faz parte do processo, mas quero ele fora de mim. Agora. Agora.

 Rádio Plutão 

Isso


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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Querido diário, não chora. Ou chora, vai.

Gostaria que você pudesse ver o que vejo. Numa das sacadas do prédio da frente, um quadro grande com a imagem de algum santo em moldura vermelha, uma bandeira de Cuba pendurada logo abaixo e um gato branco e amarelo sentado em um banquinho, quase imóvel, sentindo o sol. Parece composição de pintura de algum artista que não conheci ou conheci. Já aqui dentro, me vejo nada imóvel.
"... e, por mim, a gente pode terminar como começou, de um jeito bacana e gostoso." foi o que eu disse olhando nos olhos dele, levantando a taça de vinho para um brinde. E assim foi. Ficamos em prosa, em riso, em choro, em gozo, em afeto, em estranhamento, esticando o fio da noite como linha branca de carretel que corre. Foi intenso e bonito e triste. Tão bonito um fim bonito, vestido de entendimento e maturidade pelos dois lados. Ele se disse espantado e confesso que o espanto dele me espantou. Ele não esperava que eu, do alto do meu amor declarado, trouxesse um ponto final? Imaginou, talvez, que eu me ajustaria ao que fosse em nome do meu querer. Lembra o "topa tudo por dinheiro" do programa do Silvio Santos? Pois é. E eu sim já fui nessa vida adepta ao " topa tudo por "amor"" (foco nas aspas dentro das aspas), mas não sou mais essa mulher, não me apetece esse jogo e nem sei dizer o quanto a constatação prática desse sentido me enche o peito de orgulho e alegria. Meu peito também dói, não se engane, pelo prenúncio da falta do gosto, da voz, da presença mesmo quando ausente. Abraço minha dor sem peso, tentando entender a cor dela. E doída me lembro de um memorável episódio da série "Louie", em que Louis C. K. conta para um vizinho que está arrasado por causa de um término e o vizinho, puto, o chama de imbecil, diz que ele não entendeu nada. Fala da beleza e significância do coração partido, que é o momento em que somos " a walking poem", e que devemos desfrutá-lo. Olha, não acredito em deus nem vejo graça em fés institucionalizadas, mas se alguma religião trouxer o diálogo desse episódio transcrito em seu livro sagrado prometo parar para dar uma segunda olhada. rs. E é isso. Me sinto uma mistura de poema ambulante com Adriana Calcanhotto cantando "Tá na minha hora". E sigo, como de costume, nadando de braçada na ambivalência de tudo. Sigamos, pois.
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Rádio Plutão
Louie Aqui
Calcanhotto Aqui



sábado, 18 de outubro de 2025

Querido diário, prepara-te para uma possível miscelânea temática.

Sábado, café preto. Eu e você sabemos que este espaço já mudou de nome algumas vezes, em momentos nos quais outras cores se faziam relevantes e me puxavam os sentidos. A de agora é nova, nunca antes havia passado por aqui, não é verdade? Aí que me encontro imersa no branco - cor densa, sólida, aberta, quase um convite. Um convite de mergulho íntimo e expansivo ao mesmo tempo, não sei se sei explicar. Cor que é página e é tela, mas carrega a serenidade de prescindir de algos outros para compô-la. E mesmo embebida em ares de plenitude se apresenta exposta, sem tampa. O branco é seguro e vulnerável ao mesmo tempo, uma contradição bonita e almejável na minha opinião. Pois sim que é nessa manhã branca de cigarras e sabiás cantantes que sento para escrever. Ontem saí para dançar, coisa que não fazia faz tempo. E, cara, como  gosto de dançar forró. A sonoridade musical, o ritmo que é mesmo e é variado, o exercício de entrega ao movimento conjunto com o corpo do outro (corpo desconhecido) a sensação de aterrar se espalhando pelo chão. Um aterrar não estanque. Além disso, como aprecio o caráter democrático e rico em diversidade do forró. O mano e a mina, o novo e o velho, o feio e o bonito, o performático e o simples estão ali, pertencentes e exercendo sua existência no salão. Todos têm lugar. Me perdi e me achei reparando nas diferentes texturas de mãos e cheiros, nas diferentes formas de me conduzir pelas costas. Me perdi e me achei nos toques nas minhas costas. Cheguei em casa encharcada de suor, cansada, feliz e, voltando para a contradição poética do branco, me perguntando porque a gente foi ensinada a associar segurança à permanência e ao controle das variáveis. Me perguntando se isso permeia o ensinado ou o instintivo. Me perguntando por que não abraçamos a inconstância das coisas, já que SIM a inconstância é inescapável, e nos sentimos seguros fazendo casa nesse lugar, na garantia de que "tudo muda o tempo todo". Segurança na vulnerabilidade. Cheguei em casa me perguntando tanta coisa que custei a dormir. Mas dormi e acordei com dor no joelho esquerdo ("não é só bala de canhão que mata", diria minha sábia Vó Elza) e vontade gostosa de ficar quieta, dar descanso ao corpo e à mente. 

Opa que não houve miscelânea. Tema único. Meu todo branco 🤍. 


terça-feira, 14 de outubro de 2025

Querido diário, oi.

Ontem finalmente choveu. Choveu forte. Me despedi cedo da casa cheia de gente e vim pro quarto para ler Carrère e me deixar ritmar pelo barulho da água. Ritmada, apaguei a luz para sentir o som de outro jeito e adormeci sem perceber, ainda sob os efeitos relaxantes de uma das histórias que irei contar. Acordei antes do Sol e saí de casa sem levar sombrinha, cantando "se chover eu tomo chuva com vontade de molhar".

Dias intensos por aqui. Três histórias que têm em comum o fato de terem sido desencadeadas pela palavra dita. Eu e você, eu porque sou escritora e você porque é um diário, sabemos bem do talento que as palavras têm de materializar a vida, da beleza e dos perigos da concretude da palavra. Um parêntese: E. me disse hoje que verbalizar cria realidades. Achei bonito e fez sentido.

Pois sim que ano passado, palavras duras ditas por mim caíram como pedra grande em água de lago, provocando movimento inescapável para tudo que estava ali parado por tempo demais. O que já não era deixou efetivamente de ser e, nesse processo, houve quem ficou e quem escolheu se afastar. Aí o tempo que é tempo e roda sem pressa buscando chaves escondidas em caixas de mudança trouxe ares de reaproximação e entendimento. Trouxe também seis braços abertos. Parece que pisquei os olhos para abrir e nos ver ali, juntos de novo. Amores conhecidos em recomeço. Senti aquela alegria que se espalha em luz e cobre todos os cantos. Senti a vida se expandindo. Essa é a história 1 e não, ela não termina com créditos que sobem depois da palavra "fim", ela não é história assim.

Já a história 2 vem de passado bem recente e já adianto que ainda não posso precisar o tipo de desfecho. Mais uma vez, palavras ditas por mim - só que agora de afeto genuíno -, parecem ter caído como pedra grande em água de lago, trazendo movimento inescapável para o que estava em movimento. É o que parece. Parte de mim se entristece com um possível fim, parte acredita no alinhamento de quereres e eu toda sei que não há do que me ressentir. Nem do vivido nem do dito. E se o desencaixe veio para deixar claro que o estar juntos perdeu o sentido, vai me restar sofrer um cadinho e seguir em frente, feliz por levar essa história comigo.

A história 3 é fresquinha, de ontem. E ufa que a voz de palavra falada dessa não sou eu, apesar de eu ter também falado um pouco e ter desfilado muitos sins. A sessão de terapia energética foi uma espécie de transe guiado. Na sorte de ter Nina como guia, me entreguei e vi cores e percorri trajetos desde a natureza pura do centro da Terra ao espaço sideral e atravessei camadas gelatinosas e aprendi o caminho para o meu espaço branco, meu espaço de paz. Meus dedos dos pés viraram raízes e o topo da minha cabeça se abriu em luz. Foi muito e foi tanto. Tanto desnecessário saiu, tanto preciso se fez presente, tangível, ao alcance das mãos. Tanto visto, sentido, tanto transformado. Saí de mim e saí de lá mergulhada nesse caldo sensível e criativo. Saí de lá mais em mim e mais pro mundo.

Verbalizar cria simsim realidades. E a realidade criada depois da palavra dita não está mais na nossa alçada, escapa do nosso controle. Pode trazer desenrolares inesperados e de toda ordem. E, quanto mais vida vivo, mais entendo que pra mim faz sentido correr esse risco. O risco da beleza e dos perigos da concretude da palavra.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

E
"Amar é sofrer/ eu vou te dizer/ mas vou duvidar", bem escreveu João Donato para Angela Ro Ro cantar e para euzinha aqui acatar. Não duvido da afirmação ou da dúvida. Amar é sofrer. E cabe duvidar. Porque o amor é mais, bem mais, mas traz um sofrer garantido emaranhado no todo diverso. Pois sim. Daí que agora me pego conjugando verbos desse balaio e amo e sofro. Amo a alegria na prosa e no corpo, os lampejos surpresa, as pequeninas graças e um ou outro eventual momento de arrebatamento. Amo o sentido em mim, o sentido que sai de mim para o outro e os quereres que vão abrindo mato sem pressa, ritmadamente. Amo o simples, me águo. E sofro. Sofro pra dentro com supostas incertezas, com minha ambivalência quase crônica, com a ausência manifesta do que falta. Por vezes me sinto como quem busca por vento abanando um leque fechado. Me seco. E depois passa, o ambiente vira ar. Tudo tão típico, tão clichê. Tão novo e ao mesmo tempo mais velho que o próprio tempo em si. Poetizo, degusto, engasgo, sofro e amo. Mas não me engano, sei que gosto do frenesi desse lugar e me permito ficar até. Até chegar a hora de ir. 
Que demore. Ou seja breve. Sem porquês e com todos eles.
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Rádio Plutão


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Sutis

Passo roupa ou paro para escrever? Um exemplo dos nada glamourosos dilemas cotidianos. E veja bem que não parar para escrever não significa necessariamente ter parado de escrever. Minha mente segue escrevendo. De perguntas retóricas a textos inteiros que vou tecendo ao longo dos dias. Num passado um tanto já distante, eu usava o que tivesse à mão na hora que fosse por receio de perder os meus rotineiros lampejos palavreiros, pois sabia bem da força presente do esquecimento em mim. Achava uma boa alma que me emprestasse uma caneta e lá se iam guardanapos, versos de recibos, braço esquerdo. Certa vez, no falecido e saudoso Schlob, me fechei no banheiro e escrevi um "trecho esparso sobre o amor" que saiu pronto e definitivo na parte alta das coxas. Mas não funciona mais assim. E nem é porque o celular cumpre essa função de cobrir as urgências da escrita. Hoje, não me importa tanto deixar ir. Deixo ir o que for de ir. Outras coisas serão escritas ali na esquina. Ou não. O tempo vivido vai ensinando a gente a perder, a entender que as coisas seguem em movimento. "Viver é perder", bem disse Milly Lacombe. Mas veja bem que aprender a perder não significa necessariamente ter parado de sentir as perdas. Sinto. Só acho (ou quero crer) que hoje sei descascar com algum sucesso os medos que criava em volta delas, das perdas. Acho (ou quero crer) que sei perder melhor. Aí sobra energia e olhar para perceber outros medos mais sutis, antes desconhecidos, mas não menos importantes. Medinhos escondidos nas beiradas, no fundo das gavetas, dentro de páginas marcadas de livros. Mergulho neles. Nos sutis.

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Retórica

E se te confunde o amor "com todo o seu tenebroso esplendor"?


domingo, 7 de setembro de 2025

De/para

Ela afirma que o mundo é um lugar horroroso e eu entendo. Entendo que não é pessimismo nem drama. Entendo quando ela diz essa verdade assim, sem alarde. Que isso não implica necessariamente a ausência absoluta do bom e do belo. Há bondade, há beleza. Há arte que nos toca e move, há gente que caminha junto, há amores pelo caminho, há afeto sincero (ainda que raro). Há este sol da tarde que esquenta minha pele e cai sem peso, sem medo. Mas simsim o mundo é um lugar horroroso. É tanta perda, tanta queda, tanto susto, tanto caos. Fico pensando que seria menos sofrido se encarássemos o inescapável horror assim, sem alarde, sem choque. Pelo simples fato de ser fato, de ser inescapável. O lance é que estamos inseridos até a ponta do nariz em uma cultura que proclama, profetiza e promete uma alcançável satisfação plena que é irreal. É irreal. Daí cria-se uma transferência. Os reveses, que são da vida, passam a cair na sua conta. Como se os problemas não acontecessem por que problemas acontecem, mas por que você não foi e não é suficientemente capaz. Você se torna pessoalmente responsável por tudo que cai. Como se fosse possível só ter o bom e o belo e evitar a perda, a queda, o susto, o caos. Aí o mundo, que já é um lugar horroroso, fica insuportável. E eu sinto muito. Sinto tanto que seja assim. Que não possamos ser mais sol e cair sem peso, sem medo.

domingo, 31 de agosto de 2025

" eu abro meu Neruda e apago o sol..." 

Os tão tocados e tão tão movidos pelas palavras. Nós. 
A ridiculamente desafiadora tarefa de educar filhotes. Você não sabe a hora que vai precisar ensinar o que nem sabia que precisaria ensinar. A situação simplesmente se dá e pronto, vire-se. E você se vê ali, tentando dizer com algum sentido algo que não sabe se sabe dizer e nem sabe se os filhos vão saber entender. É não saber atrás de não saber. Às vezes me sinto em mar revolto, tendo que segurar o barco na força do braço e ao mesmo tempo dar orientações a pequenos tripulantes que mal sabem a diferença entre terra e água. É desesperador. Mas sinto que quando falo pra eles desta minha teia de não saberes, me abro, me vulnerabilizo, eles se esforçam mais pra me ouvir, me entender. É um cadinho menos pior e mais produtivo mas, putz, só alivia um pouco a sensação de que fui erroneamente escalada para um papel que tenho zero expertise pra interpretar. E quem tem? 
Acho sotaque um lance muito interessante. É um jeito de cantar a fala. E se o de Minas, que me é tão familiar, segue arrastando palavras diminuídas e diminutivas, o do Rio Grande do Sul se apresenta aos meus ouvidos quase como outra língua. É todo um vocabulário diferente e todo um jeito de colocar ênfase no final de certas palavras ou no final de todas elas. Acho graça. Por vezes me perco tanto observando essa cadência que não presto atenção no que ele diz. Aí rio em "eita viajei o que que cê disse" ou simplesmente disfarço. rs 
Amo o gramadão dos cachorros por um leque de motivos: o espaço aberto, a grama, a luz da tarde, as crias soltas se soltando com os bichos - envolvendo tropeços, quedas e arranhões-, a prosa boa com os humanos dali, o sol que vai sumindo aos poucos até que sua ausência completa nos diz que é hora de ir embora. Isso tudo é lindo. Mas confesso que o que mais me apetece é EU estar em meio a, sei lá, 15 cachorros. E aprender os nomes e fazer carinho e correr junto e ser quase atropelada e sentir falta dos que faltam e jogar bolinha e aprender o jeitinho de cada um e ter meus preferidos. Me sinto a Iza criança no quintal da casa da Vó Elza com a nova ninhada de Mila e Galbak. Me sinto a Iza criança sendo a Iza criança. 
Tanto a dizer sobre "Um romance russo" e sobre o impacto de "A rosa mais vermelha desabrocha" e sobre a prosa poética quente e de ar parado de "A cabeça do santo", mas sou mãe cansadita e repito hoje não, hoje não, hoje não.
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Rádio Plutão 




domingo, 24 de agosto de 2025

"Caminar descalzo, caminar despierto"

Bastante tempo sem escrever. Quase duas semanas escrevendo na cabeça sem parar para colocar um a no papel. Dias e dias seguidos de mais dias com energia quase nula para o virtual e mantendo, na medida do possível, olhos e mãos longe da tela do celular. Sinto que, cada vez mais, quero cada vez menos dessa órbita e que de tempos em tempos preciso me afastar pra conseguir dosar, achar o tanto muito ou tanto pouco que faz sentido pro agora em questão. E a verdade é que não tem sido algo que demanda esforços, disciplina. É como se fosse um movimento necessário e natural. Como se uma clareza observativa se abrisse em mim, mostrando para onde minha energia quer ir, e meu corpo e mente a seguissem sem resistência. Aí que andei imersa, solta em outros ares. Deliciosamente solta. Com tempo até quando sem tempo. Imersa em mais silêncio, em leituras, em saudade leve e gostosa, em contemplações quase meditativas, em estar presente com outros nos mais diversos lugares, de gramados a bares. Imersa, presente, solta. De mim e em mim.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Retórica 
E se a mola da gana de fato morar fora do linear? No que escapa do roteiro, no que desvia, no descontínuo?
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Rádio Plutão 



sábado, 2 de agosto de 2025

Bonito isso

com Milly Lacombe, que é belíssima 

Perai que vou buscar meus óculos. Pronto. Bem melhor. E é por aí.  Quando criança tinha esse sonho de usar óculos por que achava (e ainda acho) absurdamente marcante e charmoso, mas eu tinha olhos de águia, visão perfeita. Aí que aos 44 fui renovar minha CNH e descobri que não conseguia mais ler bem de perto. Hoje, aos 49, a vida de perto é só borrões se sem óculos. Rolou um tempo de adaptação, mas confesso que adoro meus óculos e, de verdade, adoro precisar deles. Não tenho síndrome de Peter Pan, eu acho. Fico bem feliz que não morri (pra morte, por que em vida já dei umas morridinhas) e vou juntando em mim minha bagagem. Me orgulho dela com o seu pior e o seu melhor. Entro em uma ou outra crise de quando em vez, pois estou inserida nesta cultura etarista e misógina e machista do cacete, mas me sacudo e saio delas em 3, 2, 1. 

Bom, introdução à parte, o ponto é meio que esse e meio que outro. Queria falar sobre as rugas. Estou assistindo ao seriado The Pitt e putz, o Noah Wyle. Lembro dele dos tempos idos de E.R. e que bonito é vê-lo com seus 54 anos e suas rugas. E veja bem que eu não estou me posicionando politicamente (apesar de estar). Eu acho realmente bonito Noah e suas rugas. Bonito. Atraente. Verdadeiramente bonito. Minha pergunta é: quem inventou que envelhecer é feio e deve ser evitado esteticamente a todo custo? Quem? Que loucura é essa? É genuinamente bonito, na boa. E talvez W. tenha chegado em minha vida também pra reforçar este olhar. Ele é 11 anos mais velho que eu, e eu o acho bonito, repetindo, genuinamente bonito. Quem decidiu em caráter coletivo que o tempo vivido imprimido na pele é feio e deve ser negado? Sou a única mulher de 49 anos que conheço que nunca fez nada de harmonização facial e nunca me senti tão bem. Sei que posso mudar de ideia (não linear e contraditória, lembra?) mas confesso que tenho hoje em mim uma autoestima quase delirante. Gosto de quem me tornei, do que penso e emano, da minha aparência, do meu estar de agora. Não tenho mais rosto de menina e por que teria se não mais sou? Tenho meu rosto de mulher. E acho realmente belo Noahs e Ws e Eus exibindo suas trajetórias no rosto. Como isto não pode ser belo? É! Pra mim é.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

"vermelho sangue, verde oliva, azul celestial..."

☆ Venho por meio desta dizer que, aparentemente, o inverno acabou. Celebro e me sinto pronta para reclamar do calor desalmado quando setembro chegar. 

☆ Toda uma geração que foi alfabetizada ouvindo Marina Lima e passou a vida soletrando fugaz em caderninhos e cartas tendo Marina como fonte. Até que o corretor automático veio enfim dizer que não não, que o gás total é sem L e e com z. Achei bonito. Tanto ter escrito errado mas certo esse tempo todo quanto descobrir um jeito certo mas errado novo de escrever. 

☆ O cheiro fresco e úmido de roupa recém pendurada no varal.

☆ Eu me olhando de fora e quase sempre vendo sentido em estranhar meus ímpetos primeiros. Basicamente um eu contra eu pra então achar o a favor. Quase todo dia. Em cartaz em mim.

☆ Outra batalha é ouvir o corpo e atendê-lo no que ele pede, jogar a rigidez em relação à malhação pros ares. Fácil não. Esse fds teve teatro, boteco com cerveja agarradinha na cachaça (oi, Minas), torresmo, prosa ao sol, chamego noturno sem pressa e me permiti não pisar na academia, me controlei na minha cartilha quicante. Passei o domingo quietinha e, em agradecimento, meu corpo me colocou pra dormir às 20:36 e segui feliz até acordar com o primeiro sabiá laranjeira. Só ganhei nesse exercício de escuta. Mas é fácil não. 

☆ O choque de ter o que queria. Um susto. Aperta áspero e me solta macia em movimento contínuo. Tátil.

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Rádio Plutão 

Nova da Noga no repeat