domingo, 7 de novembro de 2010


Fugi. Sim sim, fugi. Coloquei uma coisa ou outra na sacola, juntei meus livros espalhados, peguei o tênis de corrida e subi pra serra. Porque preciso sair um pouco dessa pilha, dessa agitação boa que virou rotina-não-rotina e que agora me cansa. Me exausta. Preciso de um pouco de quietude. Não quero convites irrecusáveis, risos e embates filosóficos, cinemas, cafés, sinucas, sambas. Não quero receber telefonemas pra falar de saudades que não sinto. Não quero. Quero quietude. Preciso de casa vazia, preciso da companhia única de mela e margot, preciso de grama, preciso de abajur aceso de dia, preciso desacelerar. E assim, depois do sábado de festividades intensas, me apertei sozinha no cobertor abraçoverde e dormi. Sim, sim. Minha mente tempestiva me deixou dormir. Dormi. E passei a primeira meia hora do hoje espalhada no chão, recebendo tranquila os bomdias acolhedores das cachorras. Sem pressa. Corri o tempo que meu joelho deixou, percorri kilômetros musicados pra votar, tomei um banho quente e demorado com cheiro de cereja e avelã e voltei pra cama. E ali fiquei. E muito ou quase nada fiz. Minhas mãos passearam pela delícia variada de quatro livros (inclusive, achei aquela foto em Praga, que estava "perdida" há anos, dentro do JD Salinger), cochilei e acordei já escrevendo em espreguiço. Escrevi uma carta pra mim, uma em segredo, escrevi uma história boba sobre o desemplano pro abominável, um poema meio rasgado e outro daquela dor que só eu sei que sinto. Tudo isso sem pegar no papel. E li mais, e comi um pedaço de bolo de limão e bebi dois dedos de vinho na varanda, olhando a chuva cair e desfazendo com os dedos, lentamente, cada um de meus cachos. Call me Gal. Quietudes minhas. E quero mais. Quero pitanga azeda do pé. Quero uma laranja descascada. Quero o cheiro dela. Quero Amélie Poulain ou As Bicicletas de Belleville. Ou os dois. Ou nenhum. Quero só o que eu quiser. Quero só.
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Amar
" Então, ontem, eu estava em pé no quintal, despedindo-me de Ketut, quando Nyomo passou por mim arrastando sua vassoura, varrendo e fingindo não estar prestando atenção a tudo que acontece em seu império. Eu estava em pé, com as mãos unidas nas costas, e ela veio por trás e segurou uma das minhas mãos. Mexeu na minha mão como se estivesse tentando desembaralhar o segredo de uma tranca e encontrou meu indicador. Então envolveu esse dedo com todo o seu punho grande, duro, e me deu um apertão forte e demorado. Pude sentir seu amor pulsando no aperto de sua mão, subindo pelo meu braço e descendo até minhas entranhas. Ela então soltou minha mão e saiu mancando com sua artrite, sem dizer uma única palavra, continuando a varrer como se nada houvesse acontecido. Enquanto eu ficava ali em pé, afogando-me em silêncio em dois rios de felicidade ao mesmo tempo."
Elizabeth Gilbert (Comer rezar amar)
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Capitoso som

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