segunda-feira, 6 de junho de 2011

Pena e grifo
na foto: pirenópolis, eu, ele, café 

Depois do fim de semana de muito pouco dormido e muito muito vivido, a segunda feira trouxe um estampado lento e leve. O salto pisava sonolento, os espreguiços seguiam cada vez mais intensos em frequência e duração, os olhos sorriam baixinho e cor nenhuma parecia se destacar (toda cor estava presente, mas cada qual encaixada no seu lugar). Ritmo bom. Ritmo meu. Tão bom e tão meu que me dei ao luxo de ignorar em silêncio pacífico toda e qualquer conversa miolo-de-pote. Simplesmente cerrava os ouvidos e o que sobrava era um blábláblá na linha "professora do charlie brown" servindo de fundo quasemusical para meus quasepensamentos vagos.

Meu lado insano acreditava piamente na corrida pós-trabalho, mas não. Meu corpo só me deu tempo de tirar os sapatos e me jogou na cama sem trégua. E acordei depois, ainda nada desperta, com aquele som cantado que só o chuvisco inesperado traz. Delícia! Delícia a chuva espaçada e o lusco-fusco do dia que ia entrando pelas frestras da persiana. E a pouca luz concentrava seu foco em um objeto específico: "os funerais da mamãe grande" do grande GG Márquez. Livro que eu trouxe de volta da casa da mãe para a minha para ser relido e ficou ali esquecido, por meses, no arrumado da minha bagunça. Certeira luz.

Acatei à dica da hora chegada e, abajur aceso, fui passando os olhos e as mãos para que algum dos contos me achasse. Mas algo outro me achou antes: uma pena de ave marcando uma página com trecho em grifo. E quem me conhece sabe que apesar de AMAR ler livro rabiscado eu não os rabisco. Nunca. Ponto. Aí então tive que vasculhar a memória, visitar rostos conhecidos, desenhar os caminhos caminhados pelo livro para chegar a uma praça e a um ano distante e escondido. Aquilo, a pena e o grifo, foi um presente dado sem ser recebido. Lembrei-me da cena, da tarde na praça, do livro sendo devolvido e só então li o grifo. Fazia sentido aquele trecho grifado, que tinha mais a ver com o remetente do que com o destinatário. Mas o que fez mais sentido foi como me veio aquele presente tão atrasado. Veio com o sentido tranquilo da nãourgência, da hora melhor de cada coisa. O presente teria sido muito bem recebido anos atrás, mas no chegar agora me trouxe além da delicadeza do regalo em si. Trouxe também o ensinamento sobre o tempo sem pressa, o tempo que vai curtindo o próprio tempo pra chegar assim, recheado de completude. E acho que é isso.

Fechei os olhos e retribui em pensamento aquela gentileza da mesma maneira que ela me veio: sem pressa. E plena. Na completude da hora certa.
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I'm so sorry, Guima
Ando mergulhada em releituras. É que as Fals e Clarices e Hemingways e outros tantos são água fresca para olhos sequiosos e merecem ser relidos inúmeras vezes. Mas sempre que o "noites do sertão" de Guimarães Rosa cai nas minhas mãos sei que será uma longa jornada. Explico. O livro é TODO sensacional, mas eu amo tanto o início (a fala, a cadência, os cheiros) que fico voltando ao começo antes mesmo de chegar ao meio. É compulsivo, I can't help it! I'm sorry, Guima... não é descaso... é amor demais...

" Doralda em chegar - dava boa-noite: as palavras claras, o que ela falava, e seu movimento - o rodavôo quieto de uma grande borboleta, o vestido verde desbotado, fino, quase sem cor - passando, e tudo acontecendo diferentemente, sem choque, sem alvoroço, Doralda mesma seduzia e espalhava uma aragem de paz educada e prazer resoluto - homem inteirava a certeza de que ela vinha com um sério de alegria que era sua, dela só, que se demonstrava assim não era de coisa nenhuma por suceder nem já sucedida, nem por causa das pessoas que ali estavam - e um bem-estar que se sobejava para todos; (...) Doralda vestida feita uma senhora de cidades, sem luxo mas com um gosto de simples, que mais agradava: aqueles do Ão a admiravam constantes - parecia que depois de olharem para Doralda logo olhavam para ele, Soropita, com um renovamento de respeito - homem que tinha tido sorte de tenência e capacidade para que Doralda gostasse dele e dele fosse, para sempre ficasse sendo - e não tiravam os olhos dela: o jeito como andava, como se impossível e depressa tomasse conta de tudo, ligeiro e durável tudo nela, e um cheiro bom que não se sentia no olfato, mas no mexido mudo, de água, falsa arisca nos passos, seu andar um ousio de seguidos botes mesmo num só, fácil fresca corrente como um riacho, mas tão firmada, tão pessoa - e um sobressalto de tudo agradável, bom esperto e sem barulho - e falava com um e com outro, o riso meio rouco, meio debruçada, ia e vinha sem aluir o ar - dama da sala... (...)"
João Guimarães Rosa ( Noites do Sertão ("Corpo de Baile"))

Eu me rendo! E vou continuar assim, nesse deleite feliz, em moto-contínuo, até o "Amor Líquido" chegar emprestado. rosí, minha flor, não tenha pressa... =)
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"Para você o que você gosta"
d i a r i a m e n t e, deli. diariamente.

"Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de mudar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha do que duvidar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?
Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de se dar
E pode aparecer onde ninguém ousaria se pôr
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não tenha o que considerar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais
Vai saber?
Não vá pensando que determinou
Sobre o que só o amor pode saber
Só porque disse que não me quer
Não quer dizer que não vá querer
Pois tudo o que se sabe do amor
É que ele gosta muito de jogar
E pode aparecer onde ninguém ousaria supor
Só porque disse que de mim não pode gostar
Não quer dizer que não venha a reconsiderar
Pensando bem, pode mesmo chegar a se arrepender
E pode ser então que seja tarde demais..."
Adriana Calcanhoto
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2 comentários:

  1. O amor eh um ou eh dois??? se eh um pode ser q doa... seh nao for amor de verdade... mas se for dois... nunca vai doer...

    prefiro o amor sendo um... e sendo incondicional... assim nunca doi... :)

    mas prefiro um nao pq nao doi... mas pq pra mim eh assim... só se ama... sem posse... :)

    saudades de vc... tantona... semana q vem? essa tem pikilandia...

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  2. pequi!
    ave cruz que taí a matemática batendo na porta na porta de novo. hum. sei não. é um e é tantos quando falamos do amor amplo, do humano. e é um e é tantos quando direcionado a uma pessoa específica (ah...a riqueza boa das variações a dois, darling). e é um e é tantos quando só nosso: o amor pela trajetória nossa, pelas nossas batalhas, pelas alegrias mais íntimas. não sei quantos são, pequiquerido, não sei. e precisa saber? =)
    só sei que se a incorporação do amor incondicional for passo a frente na escala evolutiva, meu amigo, eu tô lá embaixo de costas pra escada!rs! boto fé em abraçar o pacote: saber o que o outro tem de bom e de ruim e dizer um genuíno "simsim" para a mistura. mas sou condicional ponto e carrego a lista de condições no bolso do vestido, bem a mão...hehehe.
    saudades tb... semana que vem for sure!
    boa viagem!
    beijorespostinhaquselivro

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