terça-feira, 28 de junho de 2011

Trechos esparsos sobre o amor

"Frida Kahlo", arte de Jana Magalhães
diquinha boa da bia =)

A dor dela. A dor dela me fez sentir sem lugar no meu próprio quarto: luz incômoda (acesa ou apagada), espaço pouco, cama desconfortável. E passei toda a noite de quasesono sendo acordada por uns arrepios extensos. Era a dor dela. Era o meu amor sentindo a dor dela.

¨¨
Naquela época chorar em aeroportos fazia parte da minha rotina. Choros intensos de alegria no reencontro e desatados na despedida. Os da despedida, no ar ou em terra, eram encorpados, quicados, daqueles de cotovelos nos joelhos e mãos cobrindo o rosto. Eu sofria demais. Não entendia a temporalidade, a inevitável impermanência das coisas. E não sabia enxergar o colorido do estar sozinho estando junto. Era cedo. Mas depois aprendi.

¨¨
Os domingos parecem ser dias especialmente nossos, mesmo sendo domingos. No último, em mesa de almoço longo e tardio, ele falou do descanso que o rosto sente quando fica um tempo sem os óculos. Me aproximei em sorriso e beijei sem pressa cada um dos seus olhos. Foi como um transe. Achei que fosse me esvair em afeto.

¨¨
Quase tudo que acontece quando com ele é digno de trecho. Mas não escrevo. Não sei se por respeito aos pingos do tempo ou se por simples digestão. Ou talvez seja medo bobo de, escrevendo, assumir pra mim mesma o tamanho que ele tem. É que eu entendo melhor o que sinto na concretude escrita da palavra. E não sei se é hora de entender.

¨¨
Ela atravessou o gramado da casa correndo, assim, meio cambaleante, para me abraçar. Depois do abraço bom me olhou com seus olhinhos gigantes de mangá, passou a mão pelos meus cabelos ainda molhados do banho e disse com doçura sem-par: "tia di, cabelo bonito...". E me abraçou de novo. Juro que quase morri de seiláoque. Não sei nem dar nome ao amor que sinto pelos meus sobrinhos.

¨¨
Domingo. Meio-dia, café bom, broa de milho, manteiga e joão do vale. Em um movimento maisquenatural a gente levantou e começou a dançar. E dançou forró e carimbó e aquela meio salsa. Fluidez. E eu, que sempre achei que o meu papel único era o da condução, aprendo com ele a delícia entregue do me deixar levar. Ele sabe me levar. E eu deixo. Ele me conduz bem nos passos da dança. E me conduz bem também no todo da vida.
.......................................................................
Mil vezes Clarice
"Uma noite gaguejei uma prece por um padre que tem medo de morrer e tem vergonha de ter medo. Eu disse um pouco para Deus, com algum pudor: alivia a alma do padre x..., faze com que ele sinta que Tua mão está dada à dele, faze com que ele sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que ele sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que ele sinta uma alegria modesta e diária, faze com que ele não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que ele se lembre de que também não há explicação porque um filho quer um beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que ele receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-o para que ele viva com alegria o pão que ele come, o sono que ele dorme, faze com que ele tenha caridade por si mesmo, pois senão não poderá sentir que Deus o amou, faze com que ele perca o pudor de desejar que na hora da sua morte ele tenha uma mão humana para apertar a sua, amém. (Padre X... tinha me pedido para eu rezar por ele.)"
Clarice Lispector
............................................................................................

6 comentários:

  1. dói... q dói... quase todos... mas prefiro a dor a viver chocho por medo dela...

    e que bom que muda né... e tudo é mutável e inconstante... seria um tédio viver na monotonia da constância eterna...

    ------------------------------------------------

    não sinto mais medo dela... acho q o grande medo universal é o medo do fim e do desconhecido... nao sei o que virá depois... mas que venha o novo quando tiver de vir... e até lá escolho viver... viver sem medo da dor... sem medo de quebrar a cara e o coração...

    borá viver e colorir???

    ResponderExcluir
  2. hoje estou com dor de saudade dos amigos que estão longe.
    digo longe fisicamente, porque sempre bem perto, no coração.
    saudade de você.
    que bom que gostou da dica ;)
    beijusss

    ResponderExcluir
  3. chorar em aeroportos me acompanha a vida toda.

    ResponderExcluir
  4. pequi!
    seu comentário me fez lembrar de uma conversa que tive com o Adauto, amigo que é DV, pedalador internacional e ultramaratonista (120 km, nêgo, só isso). Eu lá falando sobre o tão conhecido medo do desconhecido e ele me solta um "pois é, eu não posso me dar a esse luxo. porque pra mim o desconhecido é sempre o próximo passo."
    e acho que é isso, ao lado do medo mora a nossa capacidade de superá-lo. bonito isso.
    e você que o diga... jogou o seu medo de altura no saco e fez dele verbo passado, né querido? =)
    bora simsim viver e colorir!
    beijosaudoso!

    ResponderExcluir
  5. bia!
    ave cruz que a saudade bate mesmo e bate dóidóidói(cantaria o tom zé). e que bom que bate, pra mostrar quem importa, quem a gente carrega simsim "sempre bem perto no coração".
    saudades de você tb... dos seus ares leveintensos, da sua energia camaleoa! =)
    e ó, parabéns pelos dois anos de blog!
    longa vida ao bdluxo!
    beijogrande!

    ResponderExcluir
  6. ah, fernand's... só quem passa ou já passou por isso entende o quanto um local tão impessoal, de voz metálica e cadeiras coladas, pode ser TÃO carregado de sentido.
    um brinde aos repetidos e doce reencontros, fernand's! =)
    beijodocep'c!

    ResponderExcluir