quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dia Mundial Sem Carro!

arte de jana magalhães
............................................................................................
Amarelando
no melhor sentido da cor. =)
arrivederci rosso!
............................................................................................
Minicontos sobre a falta

¨¨
Um susto. E ela levava a mão na barriga. Também o fazia quando ria leve, quando sentia medo e quando alguém trazia notícias boas. Levava a mão na barriga para passar pelo degrauzinho do box na hora do banho. Também enquanto lia, tranquila, entregue ao embalo sonoro da rede. Quase nem notava que também acordava com a mão assim. Sentia a mais dura das faltas, aquela ciente da perda mas ainda inteira imersa na presença vazia. "Todo dia é aquele domingo.", dizia. Ela carregava a falta no corpo.
E a protegia. Com a mão.


¨¨
Ele a viu no trânsito - óculos enormes, lábios cantantes, carrinho velho - e só de olhar pra ela perdeu o ar. Aquela falta era velha conhecida e fazia parte das reações frequentes do leque " tímido demais para complete". O sinal abriu e um algo novo, um quase tapa na cara, fez com que ele esquecesse seu caminho e a seguisse. Curvas, retas, faixas de pedestres, sinais e ele tentava não perdê-la de vista. Não sabia o que diria quando ela parasse o carro. Não sabia nem se diria palavra alguma. Mas dirigia como se aquele fosse um destino único, além da razão e muito além de quereres quaisquer. Mantinha sua atenção focada no trânsito e todo o resto que fazia parte dele estava concentrado na tarefa nada simples de continuar respirando naquela escassez ridícula de ar. Boca seca, peito fraco, punhos firmes no volante, quase onze minutos e ela estacionou em frente a um sacolão. Não havia outra vaga disponível e ele parou em fila dupla, fechando o carro dela. Ele continuou a perseguição, agora em passos pela calçada. Salto em caminhar firme, ritmo macio, costas irretocáveis e ela parou já olhando para trás. Ele recuperou o ar, se apresentou e desenrolou uma história impossível de ser repetida de tão descabida. Ele falava com desenvoltura, como se abordagens daquele tipo fossem rotina. Pediu o telefone e ela negou. Ele insistiu e ela negou, mas riu. Aí ele calou e ela, após algum titubear, abriu a bolsa, anotou o dito em um pedaço já rasgado de papel e entregou a ele. Ele agradeceu com um sorriso que nunca tinha dado e desceu a rua se sentindo um ele mesmo melhorado.  Em ato talvez insano mas natural, fechou a mão que trazia a conquista entre os dedos e jogou fora o papel no lixo laranjado que passava ao lado. Assim. Só para celebrar a falta da falta. 
............................................................................

2 comentários:

  1. Nem me fale em falta, ausência, sentido etimológico, duplos e afins. Eu sinto falta de tanta coisa! Principalmente de textos bons como os seus. Obrigadíssima!

    ResponderExcluir
  2. haja palavra pra falar sobre a falta, nina...
    obrigada pela visita e pela gentileza do elogio! =)
    beijogrande!

    ResponderExcluir