sexta-feira, 2 de março de 2012

Ar por metro (ou d de b)
Seus encontros eram pontuais, periódicos e certos. Hora, dia, local e lá estavam eles. Mesmo a essa altura eles só haviam se encostado três vezes, de forma amigável e quase despercebida. Toque comum mas que trazia susto de tão carregado que era do que não se tem mas tem.
Ele adorava o nome dela e o repetia incontáveis (mas que ela contava) vezes, sempre em sorriso. Ela ora olhava sem mudar a expressão da hora, ora abaixava a cabeça em uma espécie silenciosa de consentimento velado.
Ela adorava a voz dele e arrepiava quando a ouvia de perto. Quando de longe, sentia em cada som de letra um convite e sorria para si mesma com o canto esquerdo da boca.
Ele dizia sabe lá o que com o olho e ela adolescia.
Ela perguntava algo corriqueiro e ele engasgava.
Ele não sabia do que podia.
Ela não sabia do que queria.
E lá estavam eles, livres do peso de qualquer concretude e imersos na vontade de ser o que já eram sem nem ser.
Eles a sós entre outros. Eles da mesma cor.
E brilhavam em pontos de luz afastados no meio da multidão.
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Amada blogosfera

"Shuffle
Não temos televisão em casa, às vezes penso que essa é a maior das bênçãos para, no instante seguinte, discordar do meu vazio interior de preencher as vagas horas da madrugada (Jô Soares – você faz falta). Quero retomar aquela trilogia básica de Jornal da Globo com Programa do Jô e filme água com açúcar. Enquanto as “férias” (para a maioria dos brasileiros, é claro) terminam com chave de ouro através da avalanche de bons seriados globais, contento-me em ler revistas nas parcas horas vagas e dominicais do meu trabalho: a verdadeira bênção é ter uma hora de descanso.
Nunca havia parado para ler a Piauí, embora, em raríssimas ocasiões, quando questionada sobre o conteúdo da revista, tenha “admitido” que era interessante, porém não uma de minhas prediletas. Eu sou muito cara de pau para mentir, às vezes. Típica hipster que tenta ser cult pagando pau para revista do gênero. Ainda assim, não tenho responsabilidade alguma para falar dela, pois não compreendo o objetivo de algumas de suas colunas. Mas parece ficção, literatura. Estarei enganada?
O fato é que possuo uma preguiça imensa para recorrer aos conteúdos que alteram meu cotidiano. E, para estabelecer uma nova rotina, decidi que, caso eu chegue cedo no serviço, pegarei uma revista para ler e seja lá o que Deus quiser.
Comecei com a Época porque, de revista “séria”, só conheço Veja e IstoÉ. A segunda não me atrai e a primeira contém em si um vasto currículo de entrevistas de grandes nomes da música popular brasileira com opiniões alteradas por jornalistas gananciosos. Pode significar o mesmo para a frase “O Estado de S. Paulo é manipulado pelo governo”, mas eu não ligo. Até recuso aquele que é considerado o jornal mais importante do país.
Daí que na coluna intitulada “cultura” ou “comportamento”, presente em uma das edições de fevereiro, a Época veio com essa matéria para mostrar que, mais uma vez, eu não estou “de todo só no mundo”.
A revista denomina “jovens de espírito velho” como a “geração shuffle” – aquele botãozinho agradável para “misturar” as músicas de uma playlist, existente no aparelho de som da sua casa, nos programas para ouvir música do seu computador e também nos milhares de “mptrecos” que a alta tecnologia cria e recria a cada segundo.
Interessante como tudo ficou mais antigo enquanto vivemos a melhor fase da era digital. A última moda é editar fotos em programas que consigam envelhecê-las ao invés de deixar nossos rostos absurdamente perfeitos, como cartazes de marca de cosméticos européia com atrizes famosas fazendo pose para os mesmos. Já poderíamos aderir a roupas na cor prata e verde flúor, andar por aí como se tivéssemos acabado de sair de um filme de Spielberg ou obra de Huxley; mas o que realmente importa é com qual vestido florido meio riponga dos anos 60 eu vou trabalhar hoje. Filmes? Qualquer um com Audrey Hepburn é referência – mesmo que nunca tenhamos assistido. Ouvir bandas indie não é o suficiente: o ritmo jamais será o novo grounge e você precisa saber quem foi Bob Dylan e/ou Janis Joplin. E, de quebra, vai dizer que é impossível viver sem ela e Adele. No campo literário, vale à pena Bukowski, Kerouac, e alguns clássicos universais e/ou autores marginais para que sejamos “alguém na vida”. Anos de luta pelos direitos e independência da mulher moderna caem por terra quando tornamo-nos submissa na cama no papel de pin-up’s. Nós, habitantes da perdida e solitária “geração ‘z’” sabemos tudo, mas pecamos feio no quesito originalidade. Pelo contrário: repaginamos. Ou seja.
Naturalmente, isso se reflete em mim. Acho bonito lingerie de bolinha, calça de cintura alta, inclusive isso faz parte do meu guarda-roupa. O ápice da cafonice de terceira idade veio dia desses, quando saí para fazer uma consulta no oftalmologista (finalmente) e passei em diversas óticas, impressionando dezenas de funcionárias com o meu “ensaio sobre a cegueira” de um astigmatismo e miopia de quatro graus cada (nem a médica entendeu como consegui enxergar esses anos todos e ler mais de sessenta livros no ano passado vendo tudo turvo, embaçado – Saramago perde para mim): óculos “retangulares” estão na moda, mas quando eu os punha em meu rosto, enxergava apenas moldura, armação. Na ótica mais meia-boca encontrei a metade da laranja, o colírio dos meus olhos: um par de óculos retrô, de armação vermelha, grande e… bem, a minha cara.
Acho que, no mesmo dia, vi um fusca cor-de-rosa num ensaio dantesco de concesionária. Entrei, fingi fazer um test-drive e me apaixonei pelo negócio. Eu pretendia seriamente ficar rica e mandar fazer uma carruagem dourada no estilo dos filmes de época que a Keira Knightley interpreta, porém, se nada mais der certo, acredito conseguir adquirir pelo menos aquele fusca.
Voltando ao assunto “não-tenho-televisão-em-casa”, cada vez mais fica difícil acompanhar as notícias do dia-a-dia. O Brasil inteiro sabe que, aqui na Bahia, os “competentíssimos” policiais decidiram fazer greve. Greve esta que tornara-se motim em pouco tempo. Eu e o meu marido só ficamos sabendo porque um amigo nosso telefonou avisando que desmarcaria o nosso encontro por esse motivo. Em seguida veio a morte de Wando e Whitney Houston – ambas tendo sido anunciadas pelo quarentão que vive comigo e navega o dia inteiro na internet.
Sinto uma saudade imensa do Arnaldo Jabor e suas reflexivas reflexões de reflexo e caráter político ao fim da noite, início da madrugada. Do charme (e cabelo branco) de William Waack e das piadas do Jô (e de uma porrada de escritores bons que vão lá para serem entrevistados e EU NÃO ESTOU ASSISTINDO!). Em contrapartida, apesar do cansaço pós-trabalho, chego em casa e assisto Californication – uma série legal com nome de música do Red Hot (que marcou a minha infância), de um escritor em crise de processo criativo (infrutífero) que pega um monte de menininhas nada frágeis e balzaquianas problemáticas, apesar de saber-se ainda apaixonado pela ex-mulher que está para casar com um cara que ele considera um babaca (e, no fundo, é mesmo). Rola muita cena de sexo e isso, para um fim de noite é, no mínimo, estimulante. Mais excitante ainda foi descobrir, recentemente, que eu sou uma bissexual que ficou muito tempo dentro do armário e só agora, depois de ter encontrado o homem que dá sentido ao nascer do sol de cada dia em minha vida, possuo interesse por mulheres num ménage que sonho ter, um dia (e pensar que tive inúmeras oportunidades de beijar uma garota – e fazer coisas piores – durante o ensino médio, mas, como “era moda”, eu me sentia privilegiada em ser exceção nessa regra).
Hoje é domingo e eu sempre me condeno por escrever durante as horas lunares quando, na verdade, deveria estar descansando. Existem centenas de brasileiras que desejam fervorosamente que seus maridos saiam de casa enquanto seus amantes entram pela janela, mas quando o meu não está aqui, quase tenho um orgasmo por poder escrever na santa paz de Deus (estou utilizando nome d’Ele em vão?) e Hilda Hilst, minha musa, que tem me deixado muito safada nos últimos tempos. Acontece que, uma das atividades mais gratificantes do nosso convívio são as nossas conversas. Eu gosto de conversar com ele. E a escrita não tem vez quando ele está em casa. Porque conversamos. Porque sempre temos um assunto diferente e, por isso, o relacionamento não cai no ego da rotina, de ser exatamente o que ela é: insuportável. Caso eu me atrevesse a escrever roteiros para filmes americanos, intitularia minha obra-prima com o nada original “se escrever, não case”. Mas troco um punhado de frases bem construídas por orgasmos múltiplos sem medo de ser feliz. O meu marido não aprova muito o que escrevo. Por exemplo: ele deve estar lendo tudo isso agora e, com certeza, está detestando as palavras “orgasmo” e “bissexualidade”, nunca antes expressadas nesta mal fadada tentativa de diário. O que me parece um bom motivo para discutirmos a relação e reconciliarmo-nos logo após, com sexo, é claro. Ops, perdoem-me. Até."
Nina Vieira (bailarina de letras em pele de livreira =))
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Rádio Plutão
pedala. =)
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2 comentários:

  1. "(...) atração magnética ia muito além das aulas do colégio. A presença dela o paralisava. E ele queria desenhar todo seu futuro, juntos, a partir dali. Mediu as possibilidades; calculou os erros; considerou o horóscopo, cor da roupa, pernas cruzadas, olhar de soslaio, direção do vento e calou insegurança. "Se tal silêncio nos afasta, qual palavra nos aproxima?" - pensou ele; e decidiu arriscar um "oi!"."

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  2. o encantamento traz frescor e tempero, né guilherme? coisa boa...
    bonito o trecho seu! tá lá na ilha?? se tiver, manda o link pra mim! =)

    beijo p'c!

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