terça-feira, 4 de setembro de 2012

Carpinejar
"Lugar de ser

Estou solteiro de novo.

Ela se separou de mim. Mas eu não me separei dela.

O desagradável é que sou escritor, eu trabalho em casa. Não conto com um escritório para fugir e mudar de assunto. Identifico sua falta a todo instante.

Venho buscando mudar de hábitos, mas não está surtindo efeito. Passei a espiar classificados.

Localizo alguém vendendo uma telepizza.

Em vez de pensar:
- Como assim telepizza? Que absurdo, o que o cara está vendendo é apenas uma linha telefônica.

Eu penso:
- Coitado, ele está vendendo uma telepizza. Quase compro por compaixão.  Eu não me divirto com aquilo que eu achava engraçado, eu me comovo.

Continuo descendo para levar a Cora a fazer xixi três vezes ao dia, mas sem a Cora, nosso cachorrinho foi junto.

Meu coração é um cativeiro.

Tenho o controle remoto da tevê, mas me enxergo sem opção.

Tenho a liberdade do mundo para sair, e me sinto preso.

Tenho tempo de sobra, e me vejo sempre atrasado.

Tenho espaço nas prateleiras e nas estantes, mas nunca encontro o que quero.

Tenho a cama inteira à disposição, mas permaneço dormindo no cantinho.

Ninguém rouba mais minhas cobertas, mas sinto frio.

Retirei os porta-retratos da residência.

Mas olhar dentro da geladeira é também um porta-retrato dela.

Olhar a geladeira é descobri-la: seus morangos, sua mostarda forte, seu pãozinho integral, sua cerveja.

Como diz Karl Marx, que entendia tudo de divórcio:

"Separados do mundo, uni-vos""
Fabrício Carpinejar
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Rádio Plutão

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3 comentários:

  1. Há uma crônica singular e muito bela do Mário Prata, em que ele fala que separou e mudou de apartamento - só que do filho, Antonio. Chama-se "Separei e Mudei", se você ainda não leu, aproveite essa dica.
    É mesmo muito difícil quando a gente se separa da pessoa que ainda amamos.
    Beijão.

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  2. fui lá ler a crônica e ela é simsim bela. traz o ar doloroso e real que parecem sempre acompanhar as separações.
    obrigada pela dica, nina... gosto muito da escrita do mário prata.
    que as mudanças que chegam pra você venham macias, viu?

    beijomeu

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  3. Dói, mas passa. Sempre e para cada pessoa passa em seu tempo, com as suas sutilezas, a curtição das suas dores... É assim mesmo.
    Sempre gostei do Carpinejar!

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