terça-feira, 21 de janeiro de 2025

 Corre aqui, Gloria Steinem


Às vezes me pego descrente, bem descrente. Não me abala os ânimos, que continuam a querer e a agir e a me jogar em pensamentos impossíveis (impossíveis porque fora do campo tido como regra, mas não realmente impossíveis). Acredito no voo como meio e fim, mas o prático da vida é mais chão estático do que qualquer outra coisa. Descrente ao perceber ( e essa percepção é só minha?) que mulheres letradas, que se dizem feministas, aplaudem com vigor mulheres que rompem com os padrões de silenciamento e se expõem ao invés de se anularem, desde que seja à distância, da porta pra fora. Pagam pau para a escritora, a jornalista, a ativista, a personalidade que tem a coragem de sair da posição ensinada de "boazinha" e se manifestam com veemência, colocando limites, exigindo respeito. Aplaudem. Desde que seja da porta pra fora. Porque se for alguém próximo, uma irmã, uma amiga, em situação que haja envolvimento, a resposta vai ser choque e não aplauso. As mesmas mulheres que querem se livrar da prisão de ter que agradar o tempo todo, não aceitam a mulher que desagrada. De perto, no pouco que falam, te falam pra "deixar pra lá", deixar que o tempo resolva as coisas (leia-se, passar pano), abafar o que se sente e acredita, tudo em nome do "amor" e da manutenção das coisas como estão. Não se posicionam, não emitem opinião a favor ou contra, ninguém quer se indispor, correndo o risco de também desagradar (esse horror!). Elas acreditam que mulheres devem usar sua voz, erguer a voz (oi, bell hooks), mas se a mulher próxima traz à tona algo difícil de se ouvir, não há aplausos. Na prática, quem quebra a regra do silenciamento dos incômodos, peraí, ousou demais e só merece distância. Aí me pego descrente, me perguntando se a gente está evoluindo de fato ou se é só discurso pra sabe-se lá quem ver. Não sei. Não sei. E me pergunto também por que eu ainda me importo, se tenho clareza da dureza de se bancar e me banco. Eu me banco. Eu perdi o medo do chão. Acontece que não ter mais medo do chão não me livra do impacto da queda. Talvez por isso eu ainda me importe, por causa do impacto, do susto. Mas quero acreditar que, pela repetição que estou certa que virá, uma hora o impacto ganhe ares de pouso. Daí não vou mais me importar.

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