O assovio
Eu assovio alto. E assovio bem o assovio alto. Aprendi sozinha, quando criança, na casa da minha avó em umas férias Monte Carmelo. Eu me sentava naquela janela gigantesca e ficava ali por horas olhando o passar da rua e soprando molhado por entre os dedos. Até que um dia saiu som. Saiu som. E achei tão incrível o contato com aquele som novo, aquele som meu, que fui diversificando o jeito de assoviar, entregue ao misto gostoso de desfio e brincadeira. Só que meu assovio, que me dava prazer, era expressão de alegria, um abano de rabo de cachorro feliz, passou a ser uma questão já na vida adulta. Porque ele não gostava. E tudo bem ele não gostar, era para ser um problema dele e não meu. Mas, né, o QUE não era problema meu? “É muito alto”, “dói os ouvidos”, “você está incomodando os outros”, e por aí vai. Passei a assoviar baixo, a assoviar menos. Comecei a me distanciar dele para assoviar e mesmo assim isso me rendia algum tipo de punição: uma reprimenda, uma cara emburrada, um olhar de reprovação. Meu assovio, essa “pequenez”, virou um peso, bem como outras tantas pequenas enormes coisas em mim e de mim. Eu era um combinado de pesos a ser contido, controlado, “orientado”. Um conjunto de erros meio sem conserto.
Ontem, no parabéns sambado da amiga Carol, assoviei feliz meu contentamento por estar ali com ela. Ela me tocou o braço em sorriso e disse que sempre quis assoviar assim. “Eu te ensino” foi a minha resposta. É bom sentir que fiz as pazes com o meu assovio, tirei dele o peso colocado. Na verdade, já faz um tempo que venho fazendo as pazes com o que é meu, com minha voz, com meus mutantes seres e estares. Já faz tempo também que me permito falar desses issos. E parece ter chegado a hora de trazer essa liberdade para o lugar que mais me toca: a concretude da palavra escrita. Contar por escrito. Enfim.
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