quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

It takes two to tango


Adoro essa expressão. E não só pela sonoridade, esse encadeamento poético de Ts e o que faz a boca ao pronunciá-los assim seguidinhos. Adoro porque ela traz algo da dinâmica da dança para a dinâmica da vida. Pois assim como no tango, relacionar-se requer movimento, sintonia, presença. Requer incorporar (literalmente) o som e ter alguma dose de confiança para se mover de acordo com as esperadas mas imprevistas tempestades e calmarias, encaixes e desencaixes. Lembro bem dos meus tempos de dança de salão que, para as outras aulas -forró, salsa, samba, bolero- bastavam sapatos e roupas confortáveis. Para o tango não. Para o tango era salto, saia, collant, cabelo em coque, postura e parceria. Eram comuns exercícios com os olhos fechados ou vendados e danças inteiras com as luzes apagadas, no quase completo escuro. Era um exercício de entrega e presença. Sintonia. Mesmo que cada qual com seu passo diverso. E não vejo como estar presente se a dança não te move de fato. Se a música não te apetece, o ritmo não conversa contigo e os passos não te prendem em liberdade pelo salão, não há presença. Há desconforto. E ninguém tem que gostar da mesma dança ou querer dançar. Há aí uma infinidade de ritmos outros, possibilidades outras que podem te fazer mais sentido. Inclusive danças deliciosas que prescindem de parceria. Mas dança de dançar junto é com dois presentes. It takes two to tango. E às vezes na vida a gente é tão pouco atento que dança sozinho estando com outro. Ou seguem os dois em desgosto e desgaste tentando achar ritmo comum onde não existe mais. O entendimento do que é amor, amizade, respeito, responsabilidade, liberdade, ética relacional pode ser completamente diverso e naturalmente não vai encaixar em passo. Não há dança. São pés arrastados em tropeços contínuos. O tango é complexo de se dançar e é divino. Relacionar-se também. Mas precisa de dois. It takes two to tango. Hoje consigo enxergar isso com clareza e me sinto em treinamento no exercício de trazer essa percepção para a prática. Mas confesso que tenho pés e mãos e corpo inteiro com cicatrizes e uma ou outra ferida ainda aberta de tanto que me arrastei e me contorci pelo salão. Me machucava tentando encaixe em dança ruim pra mim ou tentando convencer o outro a dançar, só para garantir a ilusão de ser um par. Não mais. Talvez só agora eu esteja realmente aprendendo a dançar.


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