terça-feira, 27 de maio de 2025

"Margarita has a strange appeal..."

** Num passado já distante, lá pelas saudosas terras das Minas Gerais, conheci esse cara, T., que tinha aí umas questões de ordem psíquica e carregava nas costas uma história famosa. Ele estava no aniversário de uma prima quando, no meio da cantoria do parabéns, ouviu uma voz dizendo: é agora!. T. atravessou a sala correndo e pulou. Da sacada. Do décimo andar. E não, não morreu. A queda foi amortecida por um toldo da área de lazer do prédio e ele somente quebrou as duas pernas. Somente. Na boa, cair do décimo andar e quebrar as duas pernas é NADA. Pois sim. Lembrei dessa história do T. por que na semana passada minha mãe "quebrou as duas pernas". Na versão dela foram nove costelas, pulmão contundido, corte no cotovelo e hematomas mapa mundi espalhados pelo corpo. NADA para alguém que bateu em um caminhão. Em uma rodovia. E o caminhão foi arrastando o carro até atingir um poste que desterrou pegando o carro por baixo também. E não, ela não morreu nem sofreu lesões graves, irreversíveis. Tá aí tendo que ser vigiada para não fazer peripécias durante o repouso necessário. E, assim como T., tem agora essa história pra contar. 

** Saber compartimentar os diferentes aspectos da vida é uma arte, penso eu. Separar em caixinhas, rotular com letra bonita, organizar por ordem de importância e prioridade. Tudo muito claro, visual e certeiro, ali contigo. Nesse sentido, eu por vezes brilho, por vezes fracasso miseravelmente. E, no fim, não sei se faz diferença. Cê lá vi.

** Alessandra Orofino é uma gênia. Gênia. E a cada Calma, urgente parece mais articulada, precisa. Nada não, só pontuando obviedades.

** Adoro quando falo mal de algo, sou veementemente contra, brado "nuncas" enfáticos e depois vou lá, faço e gosto. Adoro. rs

** Eu ainda diria mais...

sábado, 17 de maio de 2025

"tô nem aí pra rolê, tô nem aí pra rolê"

** A frase acima cantada em coro entusiasmado no rolê (ói p'cê vê), frio cortante do invernico candango, gente dançante, mistura tipica asa norter e eu, novata ali, me perguntando quanto João Gomes é muito João Gomes. Ah, João Gomes 💛.

** Fazer amizade em fila de banheiro é um dos pequenos prazeres da vida que mais me apetece, na boa.

** Aceitação e perspectiva. Pepe Mujica morreu nessa semana e me peguei pensando muito na vida dele. Pensar no todo da vida dele trouxe a palavra "contentamento" para o meu já em curso processo de aceitação das coisas e foi um tempero bom. Quanto à perspectiva, E. me trouxe essa analogia que fez sentido e, sentido fazendo, decidi dar aquele conhecido passo pisando diferente. E pisar diferente mudou o passo. Bonito isso. 

** Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e Miranda July me faz exclamar um "Cê tá de sacanagem" em sorriso a cada 5 páginas. Delícia.

terça-feira, 6 de maio de 2025

 Maio


(o céu do chão do parque. sem filtros, por supuesto)

Fal e sua voz delícia começaram recitando Vinicius. "Suavemente Maio se insinua/ por entre os véus de Abril, o mês cruel/ e lava o ar de anil, alegra a rua/ alumbra os astros e aproxima o céu ". Eu, tola, nem sabia que Abril era notoriamente um mês cruel. Achei que tivesse sido alguma disjunção cósmica explosiva endereçada ao meu desatento e discreto umbiginho. E sinceramente não sei se a consciência da crueldade democrática de Abril me conforta ou me perturba mais. Enfim.
Brasília começou trazendo mudança na tardezinha do dia 1, cumprindo a cartilha maiana (?). Fez frio. Brasília sabe desfilar um Maio de noites e manhãs frias, dias de calor e ostenta os mais lindos céus azuis. Lindos. Paulinha e eu nos embrulhamos em casacos e capuzes e meias e seguimos sentadas em cadeiras de praia, proseando ao vento e observando as 12 crianças que brincavam espalhadas em um grupo só. Bonito isso. 
Eu sinto que só comecei mesmo no dia seguinte. Dois de maio é em Minas (ou pelo menos em Uberlândia) o dia mais doido do ano. Doidemai é como se lê e se vive o dia em minerês. E meu doidemai foi doidemai como eu escolhi: no meio do mato. Dia inteiro de trilhas, cachoeiras, prosas, silêncios, o som das passadas no cascalhinho do cerrado (amo) e o acolhimento único que só água corrente sabe dar.
Não sei o que será de Maio. Esperança não tem tido espaço entre as palavras de ordem que imperam (aceitação e perspectiva). Mas sei que ele começou.




sábado, 3 de maio de 2025

 Rupi Kaur 

     (os livros dela e o que já foi meu autorretrato)

Tarde de sábado, sol, friozinho. Margot observa, já sem enxergar, os filhos de mim inventando toda sorte de brincadeira com gravetos e subindo em árvores e me esquecendo soltos. Um novinho de bigode passa cantando alto, pisada firme, algo que desconheço mas cuja letra me leva para outro som, outro tempo e me faz fechar o livro um pouco para chegar lá. Quando se lê poesia, tudo e qualquer coisa parece poética. E com Rupi Kaur me sinto em mergulho na falta de água. Ela entrega escrita que afunda faca no peito, desce em zigue-zague e você sangra repetidamente a cada página. O ar me falta, engulo seco, fecho os olhos e sangro. Sangro feliz pelo que leio e sigo sangrando até ter que parar sem conseguir. E me vejo Kaur no murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Caso meu florescer com o dela, piso o mesmo terreno e vejo que queremos mundos parecidos, que lutamos parecido. Termino o livro meio de sangue trocado de sangue mesmo. Termino o livro com a língua afiada em palavra e pronta para imergir em outros jeitos de usar a boca. Inclusive para dizer seu nome. Rupi Kaur.