segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Encomenda
Recebi uma encomenda. Não, não me pediram que trouxesse mergulhos de águas geladas, um gosto de que falei, cheiros diferentes, nem quitutes de minas. Me foi pedido um texto. Um texto que fale desse seu tudo. E me vi parada, com a caneta vermelha no papel envelhecido, sem saber o que dizer. Porque aqui não cabe floreio. Não cabe otimismo. Não cabe um olho leve, um jeito mais macio de ver as coisas. Não cabem minhas idéias florzinhas e nem meio suspiro de conforto. Nem meio. Não cabe falar que às vezes a gente não tem noção da dimensão das coisas e que isso acontece mesmo. Não cabe. Por que a única coisa que genuinamente acho é que é tudo fruto de uma burrice cavalar. Sim, meu amigo, você foi burro. Burro na iniciativa, burro na escolha, burro na entrega, burro em cada pequenino passo do caminho. E olha que foi um caminho longo. Não posso te falar que entendo seus motivos, que você fez o que pôde. Você poderia e deveria ter feito diferente, desde o minuto um. E já sabia disso, mas preferiu ser burro. Brilhantemente burro. E agora dói e quebra e estilhaça e espalha vão pelo chão. E eu, que tantotanto te amo, me recuso a te compreender. Não há desculpas. Porque qualquer desculpa ou afago seria só um incentivo para você persistir e seguir se alimentando dessa burrice sem fim. Sem fim? Acho que não. Por isso de mim não virão palavras coloridas. O que melhor posso fazer como amiga é te chamar de burro. E chorar com você. E você sabe bem por quê.
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Mil vezes Clarice

" Eu disse uma vez que escrever é uma maldição. Não me lembro por que exatamente eu o disse, e com sinceridade. Hoje repito: é uma maldição, mas uma maldição que salva. Não estou me referindo muito a escrever para jornal. Mas escrever aquilo que eventualmente pode se transformar num conto ou um romance. É uma maldição porque obriga e arrasta como um vício penoso do qual é quase impossível de se livrar, pois nada o substitui. E é uma salvação.
Salva a alma presa, salva a pessoa que se sente inútil, salva o dia que se vive e que nunca se entende a menos que se escreva. Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Que pena que só sei escrever quando espontâneamente a "coisa" me vem. Fico assim à mercê do tempo. E, entre um verdadeiro escrever e outro, podem-se passar anos. Lembro-me agora com saudade da dor de escrever livros."
Clarice Lispector ( A descoberta do mundo)
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Palavra Roubada


Exceção nº1
"A tua lenda - teu livro
aberto que, a cada segundo,
é lido de trás p'ra frente,
de baixo p'ra cima e vice-versa
- está aí para que a construas
em constante movimento,
atitude e algum carisma.

Não é fácil que consigas
transcrever (em palavras,
amores, viagens, sabores, canções,
emoções, abordagens, trabalhos,
desenhos, piadas, cantadas,
jogadas, sorrisos, tristes
passagens de ida e volta, revoltas,
compaixão) todo esse caminho.

É preciso que mergulhes,
tal num romance; chores,
tal num drama; gargalhes,
tal numa comédia, te intrigues,
tal numa ficção científica;
te assustes, tal num suspense;
te desprendas do padrão, tal
num filme "b"; te entregues
de corpo e suor, tal num pornô.

Ouças a ordem que for, não sigas
ao pé da letra; lances mão
da tua melodia de rumo, teu mapa
do tesouro universal; algo que
somente tu tens no bolso, impresso
em muitos tons, relevos, cheio
de rabiscos; teu protocolo
natural, aleatório ritual
de solução; assumas os riscos
de ser, isso é viver. "
Felipe Sanches ( Poesia de padaria)
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Capitoso som

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