terça-feira, 13 de setembro de 2011

Minicontos sobre a falta

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Foi por acaso. Na pausa do plantão ela foi ao banheiro, sentou no vaso e simplesmente dormiu. Ela, desperta há dias, dormiu por mais de uma hora um sono de molhar a boca. Acordou assustada, lavou o rosto e voltou pro mundo com um sorriso tímido estampado no rosto. Estampa quaseculpada. Depois disso, a descoberta virou rotina e ela programava seu tempo de sono ali, no banheiro do hospital. Espreguiçava, entrava no cubículo, fechava a porta e dormia. A melhor posição era sentada no chão com as pernas esticadas até a parede por trás do vaso. O azulejo gelado equilibrando a temperatura do corpo, as costas pregadas na pedra cinza chamuscada. Dormia. Sentia um prazer enorme, secreto, como o de quem executa pequenos crimes perfeitos. E eram aqueles cochilos breves que a sustentavam dias afora. Traziam o descanso que ela não tinha em casa. Nãonão, ela não era insone. Sempre dormiu bem. Mas é que desde a chegada dele, sua cama tinha virado coisa outra. Coisa outra sem tempo nem espaço pra sono.

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Ele tinha dúzias de pares de olhos. Espalhava-os a sua volta mas tinha o foco preso. Não se colocava, não conhecia a cor da inteireza, só trazia o de fora para si. E de tanto ver variado sem realmente ver, afundou-se em um mar de espelhos caindo em seus cacos inteiros. Nada quebrado naquele muito vivido feito de pouco. Perdeu-se em si sem nem perceber. Perdeu cada um de seus olhos e perdeu a firmeza do passo. Passou a seguir andando pelos pés da multidão festiva que ele acompanhava frugalmente, assim, sem nem mais ser. Vivendo sem ver.
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