sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Flor e marimbondo

arte de duy huynh

Lá estava ela: os mesmos olhos e colar com pingente de flor. Ainda usava maria chiquinhas e cuspia marimbondos quando a vida pedia. E como passava os dias lendo o que ninguém lê, sua mente tempestiva - abarrotada de sentidos - às vezes não a deixava dormir. Ela trocava a cabeça pelos pés, cobria os olhos com cheiros, abraçava o elefante de pelúcia, virava água corrente de rio e nada. Permanecia acordada. Até que descobriu uma forma de aproveitar melhor aquele tempo inquieto. Nas noites de nãosono ela vestia uma capa florida que a fazia invisível aos olhos noturnos. E, invisível, ela invadia casas à procura de barulhos que pertubavam os preocupados, tristes e de sono leve. Vasculhava os cômodos e os arredores e fazia o silêncio do descanso imperar. Calava corujas, cessava o ronronar das geladeiras, fechava pingos de torneiras, segurava ponteiros de relógios e parava o bater das janelas com suas mãos pequeninas. E depois de limpar toda a perturbação do ar, se aproximava do já dormindo e deixava cair sobre ele palavras de nino. Caía inteira, perdia ela seu próprio corpo em quasecanto sussurrado para afastar os pensamentos ruins, os desagrados, as dores de alma que teimavam em sacudir o sono de quem estava ali. Depois da tarefa cumprida, leve também do seu pesar, voltava pra casa em passos mudos e deitava na cama tendo na capa o aconchego do melhor cobertor. E dormia. Só então dormia.
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2 comentários:

  1. Interessante, nossa personagem para se curar, curava os outros. Para se limpar, limpava o meio ao redor. Parece o Amor: quanto mais se dá, mais se recebe... Muito bonito!!

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  2. "muito bonito" é o que posso dizer do seu comentário, isso sim! =)
    obrigada, paulo!
    tenha um ótimo dia!

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