terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Ela

vó elza

Nem sei quantos textos já escrevi sobre minha Vó Elza. Talvez ela apareça tanto na minha escrita por que está sempre comigo, me visita em sonhos e, mesmo não estando mais nesse plano, continua a me ensinar um monte de coisas. Penso muito nela. E acontecimentos recentes fizeram com que eu percebesse algo que já sabia mas que nunca tinha visto sob outra perspectiva.

Vó Elza não foi uma mulher, digamos, "típica".

Ela se casou "velha" para os padrões da época e me dizia, nas nossas conversas sem pressa, que não se preocupava se se casaria ou não e que só se casou com o meu avô por que gostava dele, por que via nele "um homem bom". E olha que esse casamento quase não saiu... Aconteceu que o "permanente" chegou em Monte Carmelo e várias mulheres experimentaram a novidade. Vô Jorginho, então seu noivo, disse que ainda bem que ela não havia aderido à moda pois ele não se casaria com uma mulher que fizesse um trem horroroso daqueles no cabelo. Pois sim que no próximo dia em que ele bateu na porta para "noivar" encontrou a Vó Elza com permanente nos cabelos e a aliança fora do dedo. Ali, na porta de casa, ela entregou o anel nas mãos dele e disse que não queria como marido alguém que se importasse mais com o cabelo dela do que com quem ela era. Imagine só se esse tipo de reação era algo admissível para uma mulher da pacata Monte Carmelo do início do século passado! Imagine! Meu avô pirou, pediu mil desculpas e ela acabou voltando. (Ainda bem, né? Senão eu não estaria aqui...)

Ela não tinha vaidades. Não usava maquiagem, passou a vida adulta usando o mesmo modelo de vestido em 3 ou 4 cores diferente e só (esse era seu guarda-roupas) e o mesmo corte de cabelo, que nunca viu uma tinta, apenas o famoso permanente.(rs!)

A casa da Vó Elza estava sempre aberta. Ela não julgava aparências, cor ou classe social e recebia a todos - inclusive os considerados "doidinhos" da cidade - com prosa, lanche e coração aberto. Os meninos da rua viviam se esbaldando nas jabuticabeiras e mangueiras do enorme quintal. Ela era uma avó cheia de netos, de sangue e de afeição, e adorava repetir isso. Adorava.

Certa vez, no meio de um acesso de raiva do meu pai, ela mandou os bons modos para o espaço, levantou uma cadeira no ar e ameçou quebrá-la na cabeça dele se ele encostasse um dedo na minha irmã Simone, que era pequenina e dormia.

Já com mais de 80 anos, ela dizia coisas do tipo "transar é normal, hoje em dia todo mundo transa" e soltava uma risadinha quicante. Ela não se engessou nos valores do seu tempo e não julgava as dita "modernidades". Com ela aprendi o sábio "dê o ar da graça e leve biscoitos", que "touro a gente vence é no olho" e que "tudo começa com um beijo. Pense bem antes de beijar alguém".

E eu posso ficar aqui o dia todo contando coisas assim mas esse não é o propósito. Essas coisas não são novidade para mim. Sempre soube que minha Vó era diferente. Mas nunca tinha parado para pensar em como ela era vista pela "sociedade carmelitana". Será que ela era considerada esquisita? Será que falavam com desdém daquela mulher estranha, que estava ficando para titia e mesmo assim peitava as "ordens" do noivo? Que recebia todo tipo de gente em sua casa? Que não gostava de se arrumar e tinha um jeito meio masculino de se vestir? Que preferia aceitar as mudanças a pregar os bons e velhos costumes? Será? Não sei. Ela nunca me disse nada a respeito. Talvez não. Talvez as pessoas não estivesse nem aí para nada disso. Ou talvez sim e quem não se importava com isso era minha Vó, a ponto de não achar relevante nem guardar na memória para contar depois. Não sei. Só sei que, de um jeito ou de outro, pensar nisso me deixa ainda mais orgulhosa dela, que se orientava mais pelo coração e pela simplicidade do que pelo que lhe era culturalmente imposto, caso ela discordasse. Ela tinha seus defeitos, como todos nós, deu lá suas cabeçadas na vida, como todos nós, mas não abria mão do que ela tinha de genuino. E eu saúdo e tomo como exemplo para minha vida esse respeito que ela tinha por si mesma e pelos outros.

Que bom que minha Vó Elza foi quem foi (e ainda é). Que bom que minha mãe Elza (elas tem o mesmo nome simsim =)) é quem é. E que bom que me foi dada a oportunidade de estar aqui, nesse aprendizado, sendo quem eu sou e bebendo desse todo genuino.
Agradeço às duas. =)
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6 comentários:

  1. Geeeente,
    me apaixonei pela sua vó,
    foi assim, amor as primeiras palavras.
    Pessoas que dã vontade de conhecer. Para sentar embaixo do pé de jabuticaba em um sábado a tarde, bebendo café com leite, comendo pão doce e ouvindo histórias de quem tem histórias para contar, desde aquele tempo longínquo do permanente.

    Desculpa, não resisti, me apoderei da sua avó por alguns momentos....

    ;P

    Parabéns.

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    1. apodere-se à vontade, lara!!!
      vó elza sempre foi simsim uma figura apaixonante.
      obrigada pela visita, volte sempre e daqui a pouco vou lá conhecer sua boemia. =)

      beijo p'c!

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  2. Eu tive uma vó que foi minha professora, meu exemplo, a mulher que quero ser quando envelhecer. Tomara.

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    1. ah, nina, coisa boa é ter a oportunidade de conviver com gente assim, que traz exemplo e inspiração para a vida. é um presente. =)
      tomara, meu bem, tomara!

      beijosobrefato =)

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  3. Emocionante, meu bem! Simples assim.. escreva mais sobre ela.... Beijo!!
    Tataaa

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    1. ela é uma linda, tataaaaaa!depois te mando os outros que tenho...
      beijo grande, queridinha! =)

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