Por que eu amo a Fal
"Tormenta
Ninguém pode ser o que você quer que ele ou ela seja, ou o que você precisa. As pessoas são o que são. Talvez elas se encaixem. Talvez não. Talvez você se encaixe. Talvez seja tudo uma grande besteira. Talvez o emprego apareça, ou as suas cutículas parem de doer, ou ele ligue duas, três vezes por semana só para saber como você está. Talvez você finalmente entenda aquele livro estranho, talvez um filme com o Kevin Kline salve você, talvez você se dê conta de coisas muito apavorantes durante uma madrugada muito triste. Talvez a sua alergia misteriosa se manifeste mais violenta do que nunca. Talvez você acabe bebendo vinho rose numa taça linda ou andando num carro sem capota com o Miltão ou num consultório médico recebendo notícias horríveis.
Talvez haja um fim.
Talvez não.
Quando Claudel disse há algo de ausente que me atormenta, ela não se referia só às chances que não alcançava por ser mulher num mundo de homens, ao amante casado que jamais seria dela, ao seu próprio talento (que era imenso). Ela não se referia apenas ao que nunca é o que desejamos ou esperamos de nós mesmos, ao amor, à felicidade, ao tempo, à grana, à liberdade.
Sempre acho que Claudel se referia fundamentalmente a si mesma. Nunca estamos, real e definitivamente. Não de verdade, não sempre, não, não.
O algo de ausente que sempre falta somos, ao fim e ao cabo, nós mesmos. Eu para mim, você para você.
Estamos, nós, minha voz anasalada e irritante, sua voz grave e doce, nossa coragem, nosso mover de mãos, peito, pelos, unhas, lábios e suas pelinhas, dentes e aquele quebradinho do dente, mamilos, unha do dedão, dedos dormentes, boceta, pontas mastigadas do cabelo e olhos que embaçam, estamos, todos, em falta conosco, distantes, meio apagados, meio longe demais, ausentes.
Nunca estamos, nunca estamos o suficiente em meio à tormenta dos dias, das dores, das graças, dos sins.
Nós nos atormentamos a nós mesmos e nos faltamos e nos faltamos."
Fal Azevedo