terça-feira, 28 de outubro de 2025

Querido D., não deveria ser você "querida"?

Bateu aqui essa brisa. Bom, tendo em vista essa nova ondinha minha de escrever assim, como carta para um interlocutor, faz sentido o substantivo masculino? Sei que a escolha de "o" em diáriO e cadernO foi feita pela gramática da língua portuguesa antes de euzinha pisar aqui nesse plano, está dada. Mas, aqui entra meu sonoro Mas, faz sentido que você seja um substantivo masculino no meu contexto, contexto composto massivamente por interlocutorAS? Me peguei pensando nisso ontem a caminho do bar para uma hora feliz anárquica em plena segundona feriado. Lá, em mesa pra quatro, Nati, Tati, Gi e eu passamos tempo sem pressa em prosa aberta. Nós quatro falamos e ouvimos e reclamamos e cantamos e rimos de doer maxilar, misturando-nos umas nas histórias das outras e nas nossas histórias conjuntas. Assim também no sábado com Paulinha e Pri na casa verde e no domingo com Paulinha no cãopão. O pequeno recorte de três dias, falando só do presencial, grita "a" no final. AmigAs interlocutorAs. Minha existência é uma não ilha cercada de mulheres por todos os lados. Felizmente. Não faria mais sentido então eu lançar mão da minha liberdade poética e te chamar de "querida diária"? Faria. E fará.
Mudando de assunto sem mudar de assunto, você pode me dizer: " Tá aí você toda prosa e cheia de graça, Izabela. Desistiu de viver plenamente o sweet sad love?". Não, minha cara, de jeito algum. Estou no deguste, curtindo literalmente a fossa, porque 1- faz parte do amor (vide vídeo do Louie) e 2- acredito que os lutos (pequenos ou grandes) quando não vividos acabam depois vindo te cutucar em outras horas e de jeitos disfarçados. O lance é que o sweet sad love não precisa ser um buraco escuro, ele vai perpassando a vida no que ela tem de bacana e festivo também. Ainda sinto um pouco a falta do que era bom e muito o alívio da ausência do que era ruim. Ainda bate o engasgo de quando em vez (oi, Fal) mas já "me pego cantando sem mais nem porquê". Vou vivendo o trem e ele vai achando seu lugar tranquilo em mim. Lembrei-me de um miniconto sobre a falta que escrevi há uma pá de tempo (2011, serasse?) e que fala sobre minha capacidade afiada pra esquecer. Vou ali buscar e já volto.

Ela comeu só metade da maçã. Não precisava se fartar. Naquela hora, precisava de quase nada. Não entoou hinos, não chorou rios, não gritou farpas. Não precisava se fartar. Apenas abraçou seu luto em pequenina reclusão. Sofria um pouco pelo perdido, um pouco pelo tempo cedo, um pouco pelo que queria. Mas sofria mesmo por conhecer de longa data aquele talento que tinha. Sabia esquecer como ninguém. Sabia bem viver sem. E por isso sofria.

Talento para a entrega e talento para o esquecimento. Ói p'cê vê. rs
Beijo, querida.
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Rádio Plutão 
Reverencia o tiny desk fresquinho da Céu Aqui!
E putz que bonito Grains de beauté, uma das minhas favoritas na vida, cantada assim. :)





sábado, 25 de outubro de 2025

Querido D., cabe te chamar pela inicial?

Madrugada, "Dois" da Legião Urbana nos ouvidos, e cá estou com essa batata quente nas mãos, com esse osso pra roer e com todas as outras expressões dessa linha desfilando desalinhadas pelas paredes do quarto. "The sweet sad love". E não vou nem dizer que queria que existisse cartilha com regras e orientações e passos sobre como ser um poema ambulante. Nós sabemos bem que eu a leria só para ignorá-la, afirmando veementemente que do meu sofrer quem sabe (ou não sabe) sou eu. O que sei do meu sofrer é que ele está estranho. Quase nada de choro, bom humor aberto com eventuais pancadas de azedume e a vida seguindo aparentemente inabalada. Exceto por um engasgo, um nó amargo. Um nó em movimento, que me aperta em diferentes partes do corpo, de diferentes jeitos. Sinto raiva desse incômodo. Não o conheço. Converso com ele lançando mão do meu sorriso simpático, no meu bom e velho jogo de conquista. Canto canções que possam fazer sentido, mostro meus passinhos e o chamo pra dançar. Conto histórias improváveis e invento desenrolares de rir no final. Rio. Quero que ele goste de mim, que se abra para que eu possa entendê-lo e acolhê-lo, fingindo interesse sincero. Mostro meu presente e passado pra que ele perceba sutilmente que não tem casa aqui. Quero mentir que não tenho pressa só pra que ele não se demore. Sei que o engasgo é necessário, faz parte do processo, mas quero ele fora de mim. Agora. Agora.

 Rádio Plutão 

Isso


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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Querido diário, não chora. Ou chora, vai.

Gostaria que você pudesse ver o que vejo. Numa das sacadas do prédio da frente, um quadro grande com a imagem de algum santo em moldura vermelha, uma bandeira de Cuba pendurada logo abaixo e um gato branco e amarelo sentado em um banquinho, quase imóvel, sentindo o sol. Parece composição de pintura de algum artista que não conheci ou conheci. Já aqui dentro, me vejo nada imóvel.
"... e, por mim, a gente pode terminar como começou, de um jeito bacana e gostoso." foi o que eu disse olhando nos olhos dele, levantando a taça de vinho para um brinde. E assim foi. Ficamos em prosa, em riso, em choro, em gozo, em afeto, em estranhamento, esticando o fio da noite como linha branca de carretel que corre. Foi intenso e bonito e triste. Tão bonito um fim bonito, vestido de entendimento e maturidade pelos dois lados. Ele se disse espantado e confesso que o espanto dele me espantou. Ele não esperava que eu, do alto do meu amor declarado, trouxesse um ponto final? Imaginou, talvez, que eu me ajustaria ao que fosse em nome do meu querer. Lembra o "topa tudo por dinheiro" do programa do Silvio Santos? Pois é. E eu sim já fui nessa vida adepta ao " topa tudo por "amor"" (foco nas aspas dentro das aspas), mas não sou mais essa mulher, não me apetece esse jogo e nem sei dizer o quanto a constatação prática desse sentido me enche o peito de orgulho e alegria. Meu peito também dói, não se engane, pelo prenúncio da falta do gosto, do cheiro, da voz, da presença mesmo quando ausente. Abraço minha dor sem peso, tentando entender a cor dela. E doída me lembro de um memorável episódio da série "Louie", em que Louis C. K. conta para um vizinho que está arrasado por causa de um término e o vizinho, puto, o chama de imbecil, diz que ele não entendeu nada. Fala da beleza e significância do coração partido, que é o momento em que somos " a walking poem", e que devemos desfrutá-lo. Olha, não acredito em deus nem vejo graça em fés institucionalizadas, mas se alguma religião trouxer o diálogo desse episódio transcrito em seu livro sagrado prometo parar para dar uma segunda olhada. rs. E é isso. Me sinto uma mistura de poema ambulante com Adriana Calcanhotto cantando "Tá na minha hora". E sigo, como de costume, nadando de braçada na ambivalência de tudo. Sigamos, pois.
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Rádio Plutão
Louie Aqui
Calcanhotto Aqui



sábado, 18 de outubro de 2025

Querido diário, prepara-te para uma possível miscelânea temática.

Sábado, café preto. Eu e você sabemos que este espaço já mudou de nome algumas vezes, em momentos nos quais outras cores se faziam relevantes e me puxavam os sentidos. A de agora é nova, nunca antes havia passado por aqui, não é verdade? Aí que me encontro imersa no branco - cor densa, sólida, aberta, quase um convite. Um convite de mergulho íntimo e expansivo ao mesmo tempo, não sei se sei explicar. Cor que é página e é tela, mas carrega a serenidade de prescindir de algos outros para compô-la. E mesmo embebida em ares de plenitude se apresenta exposta, sem tampa. O branco é seguro e vulnerável ao mesmo tempo, uma contradição bonita e almejável na minha opinião. Pois sim que é nessa manhã branca de cigarras e sabiás cantantes que sento para escrever. Ontem saí para dançar, coisa que não fazia faz tempo. E, cara, como  gosto de dançar forró. A sonoridade musical, o ritmo que é mesmo e é variado, o exercício de entrega ao movimento conjunto com o corpo do outro (corpo desconhecido) a sensação de aterrar se espalhando pelo chão. Um aterrar não estanque. Além disso, como aprecio o caráter democrático e rico em diversidade do forró. O mano e a mina, o novo e o velho, o feio e o bonito, o performático e o simples estão ali, pertencentes e exercendo sua existência no salão. Todos têm lugar. Me perdi e me achei reparando nas diferentes texturas de mãos e cheiros, nas diferentes formas de me conduzir pelas costas. Me perdi e me achei nos toques nas minhas costas. Cheguei em casa encharcada de suor, cansada, feliz e, voltando para a contradição poética do branco, me perguntando porque a gente foi ensinada a associar segurança à permanência e ao controle das variáveis. Me perguntando se isso permeia o ensinado ou o instintivo. Me perguntando por que não abraçamos a inconstância das coisas, já que SIM a inconstância é inescapável, e nos sentimos seguros fazendo casa nesse lugar, na garantia de que "tudo muda o tempo todo". Segurança na vulnerabilidade. Cheguei em casa me perguntando tanta coisa que custei a dormir. Mas dormi e acordei com dor no joelho esquerdo ("não é só bala de canhão que mata", diria minha sábia Vó Elza) e vontade gostosa de ficar quieta, dar descanso ao corpo e à mente. 

Opa que não houve miscelânea. Tema único. Meu todo branco 🤍. 


terça-feira, 14 de outubro de 2025

Querido diário, oi.

Ontem finalmente choveu. Choveu forte. Me despedi cedo da casa cheia de gente e vim pro quarto para ler Carrère e me deixar ritmar pelo barulho da água. Ritmada, apaguei a luz para sentir o som de outro jeito e adormeci sem perceber, ainda sob os efeitos relaxantes de uma das histórias que irei contar. Acordei antes do Sol e saí de casa sem levar sombrinha, cantando "se chover eu tomo chuva com vontade de molhar".

Dias intensos por aqui. Três histórias que têm em comum o fato de terem sido desencadeadas pela palavra dita. Eu e você, eu porque sou escritora e você porque é um diário, sabemos bem do talento que as palavras têm de materializar a vida, da beleza e dos perigos da concretude da palavra. Um parêntese: E. me disse hoje que verbalizar cria realidades. Achei bonito e fez sentido.

Pois sim que ano passado, palavras duras ditas por mim caíram como pedra grande em água de lago, provocando movimento inescapável para tudo que estava ali parado por tempo demais. O que já não era deixou efetivamente de ser e, nesse processo, houve quem ficou e quem escolheu se afastar. Aí o tempo que é tempo e roda sem pressa buscando chaves escondidas em caixas de mudança trouxe ares de reaproximação e entendimento. Trouxe também seis braços abertos. Parece que pisquei os olhos para abrir e nos ver ali, juntos de novo. Amores conhecidos em recomeço. Senti aquela alegria que se espalha em luz e cobre todos os cantos. Senti a vida se expandindo. Essa é a história 1 e não, ela não termina com créditos que sobem depois da palavra "fim", ela não é história assim.

Já a história 2 vem de passado bem recente e já adianto que ainda não posso precisar o tipo de desfecho. Mais uma vez, palavras ditas por mim - só que agora de afeto genuíno -, parecem ter caído como pedra grande em água de lago, trazendo movimento inescapável para o que estava em movimento. É o que parece. Parte de mim se entristece com um possível fim, parte acredita no alinhamento de quereres e eu toda sei que não há do que me ressentir. Nem do vivido nem do dito. E se o desencaixe veio para deixar claro que o estar juntos perdeu o sentido, vai me restar sofrer um cadinho e seguir em frente, feliz por levar essa história comigo.

A história 3 é fresquinha, de ontem. E ufa que a voz de palavra falada dessa não sou eu, apesar de eu ter também falado um pouco e ter desfilado muitos sins. A sessão de terapia energética foi uma espécie de transe guiado. Na sorte de ter Nina como guia, me entreguei e vi cores e percorri trajetos desde a natureza pura do centro da Terra ao espaço sideral e atravessei camadas gelatinosas e aprendi o caminho para o meu espaço branco, meu espaço de paz. Meus dedos dos pés viraram raízes e o topo da minha cabeça se abriu em luz. Foi muito e foi tanto. Tanto desnecessário saiu, tanto preciso se fez presente, tangível, ao alcance das mãos. Tanto visto, sentido, tanto transformado. Saí de mim e saí de lá mergulhada nesse caldo sensível e criativo. Saí de lá mais em mim e mais pro mundo.

Verbalizar cria simsim realidades. E a realidade criada depois da palavra dita não está mais na nossa alçada, escapa do nosso controle. Pode trazer desenrolares inesperados e de toda ordem. E, quanto mais vida vivo, mais entendo que pra mim faz sentido correr esse risco. O risco da beleza e dos perigos da concretude da palavra.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

E
"Amar é sofrer/ eu vou te dizer/ mas vou duvidar", bem escreveu João Donato para Angela Ro Ro cantar e para euzinha aqui acatar. Não duvido da afirmação ou da dúvida. Amar é sofrer. E cabe duvidar. Porque o amor é mais, bem mais, mas traz um sofrer garantido emaranhado no todo diverso. Pois sim. Daí que agora me pego conjugando verbos desse balaio e amo e sofro. Amo a alegria na prosa e no corpo, os lampejos surpresa, as pequeninas graças e um ou outro eventual momento de arrebatamento. Amo o sentido em mim, o sentido que sai de mim para o outro e os quereres que vão abrindo mato sem pressa, ritmadamente. Amo o simples, me águo. E sofro. Sofro pra dentro com supostas incertezas, com minha ambivalência quase crônica, com a ausência manifesta do que falta. Por vezes me sinto como quem busca por vento abanando um leque fechado. Me seco. E depois passa, o ambiente vira ar. Tudo tão típico, tão clichê. Tão novo e ao mesmo tempo mais velho que o próprio tempo em si. Poetizo, degusto, engasgo, sofro e amo. Mas não me engano, sei que gosto do frenesi desse lugar e me permito ficar até. Até chegar a hora de ir. 
Que demore. Ou seja breve. Sem porquês e com todos eles.
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Rádio Plutão