terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Miniconto sobre a falta 

Ela soltou sua confissão e chorou. Chorou num misto de alívio e vergonha, como quem não quer mas quer puxar de volta a água já escorrida por entre os dedos. Assenti com os olhos, estendi minha mão em silêncio e consegui lê-la pelo tato. Vi um mar de faltas cercado de excessos por todos os lados, o avesso de uma ilha sendo ilha ainda assim. Quis explicar que entendia bem aquela dor, aquela humanidade, mas a mim não cabiam as palavras. Mergulhei no mar dela então, sofri junto. Minha tentativa, meu jeito, minha intenção de não deixá-la só. E só.

domingo, 30 de novembro de 2025

Diária, querida, é relevante definir relevância?

Hoje escovei os dentes, veja bem, antes do café preto. E sei que estou compartilhando contigo essa informação (irrelevante?) como um possível subterfúgio para o fato de não ter elaborado minimamente o que pretendo dizer. É para isso que estamos aqui - eu, caneta, caderno e você - certo? Não só para o que foi pensado e repensado e já cai meio que pronto no papel, mas também para o que prescinde da linha lógica que, a princípio, tanto importa para quem escreve. Penso que um certo senso de desimportância chega a ser refrescante e rima com a manhã de domingo. Isso dito, sigamos, do jeito que for.

Decidi fazer de hoje um dia livre. Casa só minha, nada marcado ou esperado, celular na gaveta. Céu aberto em azul sonoramente ornado por passarinhos quase frenéticos lá fora e Margot deitada em seu travesseiro lilás aqui dentro. E a frase que se repete na minha cabeça é "Gosto de viver o que acontece comigo". Foi o que Maggie disse para Alma no excelente "Depois da Caçada" para pontuar o que tanto as difere. "E nada te afeta" veio a seguir. Achei bonita essa clareza. Clareza que levou anos para alcançar a personagem. Antes disso, Maggie venerava sua mentora, queria não apenas ser como ela, mas ser ela. E quantas vezes, diária, somos o outro ao invés de sermos nós mesmos pelas mais variadas razões? Raso pensar que seria só por falta de entendimento próprio ou negação do "eu". Boto fé que há toda uma atração pelo universo vasto do que é diferente, trazendo ares de encantamento. E simsim o diferente é rico, ainda que sirva apenas para explicitar o des-afim e até a repulsa, percepções importantes que nem serão sentidas se evitarmos a todo custo o que não se aproxima do "eu", o díspar (adoro essa palavra). Eu, como Maggie, também gosto de viver o que acontece comigo. Me afeto. No afeto, no desafeto, no nada. Gosto sim da entrega de viver o que acontece comigo. E sei que leva tempo e eu tenho tempo, o tempo que eu tiver. Lembrei-me daquele quase tango bonito do Fred Martins e ufa que o usarei para terminar um tanto abruptamente essa prosa sem caminho aparente de fim e me levar para outra (ir)relevância logo ali. "Eu tenho o tempo do mundo, mundo afora".

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Rádio Plutão

Tem



quinta-feira, 27 de novembro de 2025

Cara diária, seria essa insônia "um antiacidente como uma rima"?

Madrugada ativa por aqui. Acordei por volta da 1:30 e segui desperta até o sol de quinta-feira chegar. E não foram incômodos que me mantiveram acordada, foram coisas de outra ordem, específicas e aparentemente não interligadas: uma excitação, uma paixão e um mergulho temático.

A excitação veio de algo não vivido por mim diretamente, mas que me sacudiu em contentamento. Pedro partiu ontem para sua primeira viagem solo e passei o dia recebendo imagens dele solto - com amigos, na água, na baladinha. Fui tomada por uma energia quicante, uma alegria genuína em ver, de longe, a cria em voo desgarrado, vivendo dias de autonomia mais concreta. Despertei pensando nisso, na beleza dessas mudanças, e meu peito foi aos poucos se aquietando, mas pensar em mudanças me remeteu à paixão corrente. Aqui talvez caiba um parêntese: (paixões não me são raras nem óbvias. elas surgem por pessoas, objetos, coisas imateriais e quase inimagináveis, mas são ridiculamente efêmeras. por isso me entrego, por isso as degusto). E sim, como me apaixono por autoras e autores. Acendi o abajur, peguei os óculos e li Édouard Louis me espalhando por suas palavras, por sua escrita livre e tão tão rica em tanta coisa. Quase dormi. Mas acontece que ele tocou em um ponto que eu tinha debatido naquele mesmo dia com minha adorável prima Pat e só aí me toquei que tinha tudo a ver com o que eu havia escrito, meio sem elaborar, no dia anterior. Pronto. Mergulho temático. Fechei o livro, puxei o caderno e o resto é história. O in-crível é que, já com sol e sabiás-laranjeira gorjeando, saí da cama bem, disposta, como se tivesse dormido a noite toda. Por isso te pergunto, diária, terá sido essa insônia "um antiacidente como uma rima"?

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Rádio Plutão 

e vem lá



terça-feira, 18 de novembro de 2025

Cara diária, There is no such a thing as coincidence.

Foda lançar mão de anglicismos, mas o que fazer se há expressões adoradas nessa língua outra que perdem algo se traduzidas, algo na sonoridade, algo no sentido. Como traduzir a citada acima e deixar de lado a cadência das palavras combinadas? E em "it takes two to tango"? Corre aqui, Fal, porque eu não consigo. Anyways (uia, mais uma), essa noite sonhei com ela. Ela apareceu no último dos, sei lá, quatro sonhos que tive (oi, CDB). Estávamos nós em uma cidade que parecia interior de Minas, carro parado em estrada de pedra, nos organizando para um rolê específico. E ela ali ao meu lado enquanto eu procurava um par de meias e só achava pés avulsos. Eu fazia graça da situação, teatralizando o simples, e ela gargalhava com seus olhos brilhantes. Acordei meio que rindo, ainda na vibe fresca do sonho, para encontrar um mar de impressões em forma de palavras e fotos e vídeos dela enviados minutos antes. Minutos antes. Estávamos juntas. Eu com ela na escrita e ela comigo em sonho. Bonito isso. Bonito também começar o dia saboreando saudade gostosa de quem está longe/perto. Bonito ter na vida afeto assim. E me despeço aqui usando as palavras dela.


Beijo, querida. 🤍

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Trecho esparso sobre o amor 

Ela havia notado algo peculiar mas levou um tempo para chegar à certeza de fato. Ele não tinha cheiro. Nem cheiro só de pele sem perfume, nem cheiro de pele perfumada, nem cheiro emprestado de roupa lavada. Ele cheirava a nada. Nem quando distante do último banho ou logo após ele. Nem mesmo na boca acordada ou de dentes recém escovados. Nada. Ela bem que procurou - atenta - em horas propícias e lugares prováveis, mas só encontrou caminho sem trescalo (como depois lhe diria o dicionário). Uma atípica e intrigante ausência na essência. Ele cheirava a nada. Diante da evidência, coube a ela fazer o que sabe fazer. Abriu o caderno e o topo da folha com o título "A festa deserta do corpo sem cheiro". E pôs-se a escrever.

sábado, 8 de novembro de 2025

Método 


Tarde de sábado. Li apenas 10 páginas do Édouard Louis e tive que parar. Parei porque o céu lá fora mudou de cor de um jeito que a cor da página aqui dentro mudou também, me puxando para fora da história e de volta para meu quarto. Levantei, acendi a luz, ouvi trovões. Escancarei a janela antes de fechá-la só para sentir o vento forte e as primeiras gotas de chuva no rosto. Inspirei bem fundo e deixei sair pela boca o que sobrou da raiva que amanheceu comigo. Nada gritante, raiva quase corriqueira, nada nova. Aquela que vem quando minha necessidade de controle é cutucada. Quando o outro se demora no que para mim é urgente. E às vezes o tempo nem é necessariamente relevante, pode ser um lance que tanto faz se eu desenrolar de fato agora ou um teco depois, mas ter que depender do outro me perturba, me cresce o bico. Talvez por isso eu goste tanto do meu trampo, pois ali sou eu em todas as etapas do processo, da primeira à última. Controle. Me orgulho e aplaudo e enalteço esse traço em mim? Claro que não. Tento lidar com ele. Sem ignorá-lo, sem fingir que ele não existe. Tento lidar com ele. Reconheço a dificuldade minha, converso com a Larissa (que sabe bem do modus operandi) e me permito sentir a pequena ou grande raiva até ela sentir vontade de passar. E aí vem a calhar se o céu fechado em cinza escuro e a falta de luz me tiram do livro e me levam à janela. Para esvaziar no vento apertos de dentro. Mas devo acrescentar que a raiva em questão foi mais fácil de passar não só por mérito do meu autoconhecimento e do céu. O impasse prático que cutucou meu vespeiro foi resolvido com desfecho que contemplou todos os envolvidos. Houve estresse, desgaste, mas cada um entendeu o lado do outro e cedeu um pouco para achar saída comum. Ao invés de queda de braço, vitória e derrota, achamos entendimento, coisa rara entre nós nos últimos anos. Esse sentimento bom, cujo nome ainda não sei mas que rima com equilíbrio enfim, também se fez presente no peito e no vento. 
Ok, agora depois do sentido organizado na escrita, posso voltar ao livro que traz o tema como título. Mudar: método. Diga-me aí, Édouard Louis. 

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

Diária, meu bem. The D∅ também canta no seu silêncio?

Lô Borges morreu e eu, pouco internética que sou, só fui descobrir dias depois quando Falzuca falou a respeito. Putz, como amo a escrita e a cantoria desse mineiro que é trilha sonora "do meu vidinha" (oi, André) desde a infância. Bem que quis parar tudo e ficar dias ouvindo só Lô, assim como fiz com Angela Roro e com cada outro significativo que deixa esse plano. Mas não consegui. Porque há som novo ocupando meus espaços em metiê exploratório sem meta nem prazo para cumprir. E como me gusta e acho rico ser esponja sonora, sacar os arranjos, o tempo, as quebras, a poética cantada e seguir assim: canção por canção. Achar gosto e desgosto sem pressa. Pra mim, som novo é mais que som. É água nova e fresca que entra e se espalha, refresca. Frescor interno em forma e cadência variadas ritmando os dias com contornos móveis típicos do que se apresenta diverso, alimentando curiosidades. Busca, envolvimento, entrega e recompensa com ares de descoberta em quase moto-contínuo. E sim, acertou você se acha que o todo aqui dito é mais do que sobre música. É sobre o todo.🤍

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Rádio Plutão 

degusta



quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Retórica 
E quando o tanto se aquieta em confortável nada? Qual o cheiro dessa cor clara de água passada?
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Rádio Plutão 




domingo, 2 de novembro de 2025

Cara diária, tá sentindo o que fica e o que passa?

Interessante o quanto esses processos de quebra rapidamente desenham contornos que são mais sobre você mesma, seu estar no mundo e suas escolhas, do que sobre o outro. Veja bem que usei "quebra" e não "perda". "Perda", escrita assim crua, me soa agora tão unifocal, como se a ausência do objeto fosse o eixo principal de um movimento que envolve uma pá de coisas muitas vezes mais relevantes que a falta do algo em si. Já "quebra" traz um quê de caleidoscópio ritmado que, se bem degustado, é prato cheio para toda uma sorte de percepções e sentidos. Pedaços de um todo mutante. Pedaços que nem vão existir se a gente não se abrir para experimentar, para viver as experiências nas suas oportunidades práticas. E brincar com elas, se aventurar no porvir. Porque é na experiência que se materializa o pensar, o querer, o planejado, o improviso. Pra que roteiros rígidos, ditos seguros, diária, se eles te protegem também da riqueza temática da vida? Quando foi que o inesperado, o que foge do seu (pretenso) controle, virou um vilão? Liv Stromquist tece essa teia de maneira brilhante fazendo sociologia em quadrinhos no fodástico " A rosa mais vermelha desabrocha". Depois de lê-lo fiquei brisando sobre o risco de adotar o medo como timão do barco. Sobre evitar viver para tentar se precaver das intempéries da vida. Só que as intempéries são inescapáveis, dores são inescapáveis e elas vão te morder de algum jeito, inevitavelmente. Sobre como o medo te mantém "seguro" enraizado nos sofrimentos já conhecidos, só sofrendo, sofrendo só. É uma escolha. E quem sou eu pra ditar como os outros devem escolher viver, até mesmo porque euzinha aqui abracei mais de uma vez essa escolha no passado. Mas não mais. Hoje vejo mais sentido no risco, nos riscos que fazem sentido. E ah como me sinto viva nas minhas escolhas, inclusive nas equivocadas. Nelas amo. Nelas sofro. Nelas bordo vínculos e desato nós. Nelas sou nós, pronome plural. Nelas sou eu singular. Nelas descubro chances de mudar. Nelas me lasco. Nelas mudo. Me aventuro no porvir. E aí que ontem fui assistir ao impactante "O último azul", que extrapola o tema em TANTAS direções que vou precisar de elaboração e tempo para falar sobre. Talvez.

Beijo domingueiro, querida. 🤍


quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Cara diária, "eu quero a esperança de óculos e meu filho de cuca legal."

Foi o que Elis cantou assim que entrei no carro e sorri de quase distender um músculo da face. Aquele sorriso apertadinho que lembra o efeito de tamarindo na boca, sabe? Porque estava eu usando óculos fresquinhos, que agora seguirão comigo full time. Pausa para o contexto: quando criança eu sonhava em usar óculos. E não ouse me julgar pois "cada ser tem sonhos a sua maneira" (quanta referência musical é muita referência musical? Nunca saberemos, diária.). Achava bonito, estiloso, mas também achava que me comporia, criança nerdinha amante das palavras e escritora de poemas ruins. rs. O lance é que tinha olhos de águia e sempre saia da oftalmologista desgostosa do elogio. Pois sim que agora os 49 anos de praia juntaram a vista cansada com um cadinho de hipermetropia e fui finalmente coroada com essa mudança, com olhos que veem o mundo com outra nitidez. Bonito isso. E penso eu que mudanças tem tudo a ver com esperança. É o incômodo que inquieta e abre espaço para vislumbrar e cavar caminhos melhores, com mais sentido, e traz a vontade de mudar (oi, bell hooks). Espera-se com a mudança, senão nem haveria propósito em passar pelo transtorno e desgaste de deixar o antigo e abraçar algo desconhecido. Esperança. E me tocou a música tocada ali, bem na hora da minha pequena grande mudança. Eu quero simsim a esperança de óculos e meus filhos de cuca legal. Por isso mudo, em voz e atitude. E abri a tarde cantando encantada e mudada eixinho afora.

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Rádio Plutão 

E olhos se movendo assim


terça-feira, 28 de outubro de 2025

Querido D., não deveria ser você "querida"?

Bateu aqui essa brisa. Bom, tendo em vista essa nova ondinha minha de escrever assim, como carta para um interlocutor, faz sentido o substantivo masculino? Sei que a escolha de "o" em diáriO e cadernO foi feita pela gramática da língua portuguesa antes de euzinha pisar aqui nesse plano, está dada. Mas, aqui entra meu sonoro Mas, faz sentido que você seja um substantivo masculino no meu contexto, contexto composto massivamente por interlocutorAS? Me peguei pensando nisso ontem a caminho do bar para uma hora feliz anárquica em plena segundona feriado. Lá, em mesa pra quatro, Nati, Tati, Gi e eu passamos tempo sem pressa em prosa aberta. Nós quatro falamos e ouvimos e reclamamos e cantamos e rimos de doer maxilar, misturando-nos umas nas histórias das outras e nas nossas histórias conjuntas. Assim também no sábado com Paulinha e Pri na casa verde e no domingo com Paulinha no cãopão. O pequeno recorte de três dias, falando só do presencial, grita "a" no final. AmigAs interlocutorAs. Minha existência é uma não ilha cercada de mulheres por todos os lados. Felizmente. Não faria mais sentido então eu lançar mão da minha liberdade poética e te chamar de "querida diária"? Faria. E fará.
Mudando de assunto sem mudar de assunto, você pode me dizer: " Tá aí você toda prosa e cheia de graça, Izabela. Desistiu de viver plenamente o sweet sad love?". Não, minha cara, de jeito algum. Estou no deguste, curtindo literalmente a fossa, porque 1- faz parte do amor (vide vídeo do Louie) e 2- acredito que os lutos (pequenos ou grandes) quando não vividos acabam depois vindo te cutucar em outras horas e de jeitos disfarçados. O lance é que o sweet sad love não precisa ser um buraco escuro, ele vai perpassando a vida no que ela tem de bacana e festivo também. Ainda sinto um pouco a falta do que era bom e muito o alívio da ausência do que era ruim. Ainda bate o engasgo de quando em vez (oi, Fal) mas já "me pego cantando sem mais nem porquê". Vou vivendo o trem e ele vai achando seu lugar tranquilo em mim. Lembrei-me de um miniconto sobre a falta que escrevi há uma pá de tempo (2011, serasse?) e que fala sobre minha capacidade afiada pra esquecer. Vou ali buscar e já volto.

Ela comeu só metade da maçã. Não precisava se fartar. Naquela hora, precisava de quase nada. Não entoou hinos, não chorou rios, não gritou farpas. Não precisava se fartar. Apenas abraçou seu luto em pequenina reclusão. Sofria um pouco pelo perdido, um pouco pelo tempo cedo, um pouco pelo que queria. Mas sofria mesmo por conhecer de longa data aquele talento que tinha. Sabia esquecer como ninguém. Sabia bem viver sem. E por isso sofria.

Talento para a entrega e talento para o esquecimento. Ói p'cê vê. rs
Beijo, querida.
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Rádio Plutão 
Reverencia o tiny desk fresquinho da Céu Aqui!
E putz que bonito Grains de beauté, uma das minhas favoritas na vida, cantada assim. :)





sábado, 25 de outubro de 2025

Querido D., cabe te chamar pela inicial?

Madrugada, "Dois" da Legião Urbana nos ouvidos, e cá estou com essa batata quente nas mãos, com esse osso pra roer e com todas as outras expressões dessa linha desfilando desalinhadas pelas paredes do quarto. "The sweet sad love". E não vou nem dizer que queria que existisse cartilha com regras e orientações e passos sobre como ser um poema ambulante. Nós sabemos bem que eu a leria só para ignorá-la, afirmando veementemente que do meu sofrer quem sabe (ou não sabe) sou eu. O que sei do meu sofrer é que ele está estranho. Quase nada de choro, bom humor aberto com eventuais pancadas de azedume e a vida seguindo aparentemente inabalada. Exceto por um engasgo, um nó amargo. Um nó em movimento, que me aperta em diferentes partes do corpo, de diferentes jeitos. Sinto raiva desse incômodo. Não o conheço. Converso com ele lançando mão do meu sorriso simpático, no meu bom e velho jogo de conquista. Canto canções que possam fazer sentido, mostro meus passinhos e o chamo pra dançar. Conto histórias improváveis e invento desenrolares de rir no final. Rio. Quero que ele goste de mim, que se abra para que eu possa entendê-lo e acolhê-lo, fingindo interesse sincero. Mostro meu presente e passado pra que ele perceba sutilmente que não tem casa aqui. Quero mentir que não tenho pressa só pra que ele não se demore. Sei que o engasgo é necessário, faz parte do processo, mas quero ele fora de mim. Agora. Agora.

 Rádio Plutão 

Isso


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quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Querido diário, não chora. Ou chora, vai.

Gostaria que você pudesse ver o que vejo. Numa das sacadas do prédio da frente, um quadro grande com a imagem de algum santo em moldura vermelha, uma bandeira de Cuba pendurada logo abaixo e um gato branco e amarelo sentado em um banquinho, quase imóvel, sentindo o sol. Parece composição de pintura de algum artista que não conheci ou conheci. Já aqui dentro, me vejo nada imóvel.
"... e, por mim, a gente pode terminar como começou, de um jeito bacana e gostoso." foi o que eu disse olhando nos olhos dele, levantando a taça de vinho para um brinde. E assim foi. Ficamos em prosa, em riso, em choro, em gozo, em afeto, em estranhamento, esticando o fio da noite como linha branca de carretel que corre. Foi intenso e bonito e triste. Tão bonito um fim bonito, vestido de entendimento e maturidade pelos dois lados. Ele se disse espantado e confesso que o espanto dele me espantou. Ele não esperava que eu, do alto do meu amor declarado, trouxesse um ponto final? Imaginou, talvez, que eu me ajustaria ao que fosse em nome do meu querer. Lembra o "topa tudo por dinheiro" do programa do Silvio Santos? Pois é. E eu sim já fui nessa vida adepta ao " topa tudo por "amor"" (foco nas aspas dentro das aspas), mas não sou mais essa mulher, não me apetece esse jogo e nem sei dizer o quanto a constatação prática desse sentido me enche o peito de orgulho e alegria. Meu peito também dói, não se engane, pelo prenúncio da falta do gosto, da voz, da presença mesmo quando ausente. Abraço minha dor sem peso, tentando entender a cor dela. E doída me lembro de um memorável episódio da série "Louie", em que Louis C. K. conta para um vizinho que está arrasado por causa de um término e o vizinho, puto, o chama de imbecil, diz que ele não entendeu nada. Fala da beleza e significância do coração partido, que é o momento em que somos " a walking poem", e que devemos desfrutá-lo. Olha, não acredito em deus nem vejo graça em fés institucionalizadas, mas se alguma religião trouxer o diálogo desse episódio transcrito em seu livro sagrado prometo parar para dar uma segunda olhada. rs. E é isso. Me sinto uma mistura de poema ambulante com Adriana Calcanhotto cantando "Tá na minha hora". E sigo, como de costume, nadando de braçada na ambivalência de tudo. Sigamos, pois.
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Rádio Plutão
Louie Aqui
Calcanhotto Aqui



sábado, 18 de outubro de 2025

Querido diário, prepara-te para uma possível miscelânea temática.

Sábado, café preto. Eu e você sabemos que este espaço já mudou de nome algumas vezes, em momentos nos quais outras cores se faziam relevantes e me puxavam os sentidos. A de agora é nova, nunca antes havia passado por aqui, não é verdade? Aí que me encontro imersa no branco - cor densa, sólida, aberta, quase um convite. Um convite de mergulho íntimo e expansivo ao mesmo tempo, não sei se sei explicar. Cor que é página e é tela, mas carrega a serenidade de prescindir de algos outros para compô-la. E mesmo embebida em ares de plenitude se apresenta exposta, sem tampa. O branco é seguro e vulnerável ao mesmo tempo, uma contradição bonita e almejável na minha opinião. Pois sim que é nessa manhã branca de cigarras e sabiás cantantes que sento para escrever. Ontem saí para dançar, coisa que não fazia faz tempo. E, cara, como  gosto de dançar forró. A sonoridade musical, o ritmo que é mesmo e é variado, o exercício de entrega ao movimento conjunto com o corpo do outro (corpo desconhecido) a sensação de aterrar se espalhando pelo chão. Um aterrar não estanque. Além disso, como aprecio o caráter democrático e rico em diversidade do forró. O mano e a mina, o novo e o velho, o feio e o bonito, o performático e o simples estão ali, pertencentes e exercendo sua existência no salão. Todos têm lugar. Me perdi e me achei reparando nas diferentes texturas de mãos e cheiros, nas diferentes formas de me conduzir pelas costas. Me perdi e me achei nos toques nas minhas costas. Cheguei em casa encharcada de suor, cansada, feliz e, voltando para a contradição poética do branco, me perguntando porque a gente foi ensinada a associar segurança à permanência e ao controle das variáveis. Me perguntando se isso permeia o ensinado ou o instintivo. Me perguntando por que não abraçamos a inconstância das coisas, já que SIM a inconstância é inescapável, e nos sentimos seguros fazendo casa nesse lugar, na garantia de que "tudo muda o tempo todo". Segurança na vulnerabilidade. Cheguei em casa me perguntando tanta coisa que custei a dormir. Mas dormi e acordei com dor no joelho esquerdo ("não é só bala de canhão que mata", diria minha sábia Vó Elza) e vontade gostosa de ficar quieta, dar descanso ao corpo e à mente. 

Opa que não houve miscelânea. Tema único. Meu todo branco 🤍. 


terça-feira, 14 de outubro de 2025

Querido diário, oi.

Ontem finalmente choveu. Choveu forte. Me despedi cedo da casa cheia de gente e vim pro quarto para ler Carrère e me deixar ritmar pelo barulho da água. Ritmada, apaguei a luz para sentir o som de outro jeito e adormeci sem perceber, ainda sob os efeitos relaxantes de uma das histórias que irei contar. Acordei antes do Sol e saí de casa sem levar sombrinha, cantando "se chover eu tomo chuva com vontade de molhar".

Dias intensos por aqui. Três histórias que têm em comum o fato de terem sido desencadeadas pela palavra dita. Eu e você, eu porque sou escritora e você porque é um diário, sabemos bem do talento que as palavras têm de materializar a vida, da beleza e dos perigos da concretude da palavra. Um parêntese: E. me disse hoje que verbalizar cria realidades. Achei bonito e fez sentido.

Pois sim que ano passado, palavras duras ditas por mim caíram como pedra grande em água de lago, provocando movimento inescapável para tudo que estava ali parado por tempo demais. O que já não era deixou efetivamente de ser e, nesse processo, houve quem ficou e quem escolheu se afastar. Aí o tempo que é tempo e roda sem pressa buscando chaves escondidas em caixas de mudança trouxe ares de reaproximação e entendimento. Trouxe também seis braços abertos. Parece que pisquei os olhos para abrir e nos ver ali, juntos de novo. Amores conhecidos em recomeço. Senti aquela alegria que se espalha em luz e cobre todos os cantos. Senti a vida se expandindo. Essa é a história 1 e não, ela não termina com créditos que sobem depois da palavra "fim", ela não é história assim.

Já a história 2 vem de passado bem recente e já adianto que ainda não posso precisar o tipo de desfecho. Mais uma vez, palavras ditas por mim - só que agora de afeto genuíno -, parecem ter caído como pedra grande em água de lago, trazendo movimento inescapável para o que estava em movimento. É o que parece. Parte de mim se entristece com um possível fim, parte acredita no alinhamento de quereres e eu toda sei que não há do que me ressentir. Nem do vivido nem do dito. E se o desencaixe veio para deixar claro que o estar juntos perdeu o sentido, vai me restar sofrer um cadinho e seguir em frente, feliz por levar essa história comigo.

A história 3 é fresquinha, de ontem. E ufa que a voz de palavra falada dessa não sou eu, apesar de eu ter também falado um pouco e ter desfilado muitos sins. A sessão de terapia energética foi uma espécie de transe guiado. Na sorte de ter Nina como guia, me entreguei e vi cores e percorri trajetos desde a natureza pura do centro da Terra ao espaço sideral e atravessei camadas gelatinosas e aprendi o caminho para o meu espaço branco, meu espaço de paz. Meus dedos dos pés viraram raízes e o topo da minha cabeça se abriu em luz. Foi muito e foi tanto. Tanto desnecessário saiu, tanto preciso se fez presente, tangível, ao alcance das mãos. Tanto visto, sentido, tanto transformado. Saí de mim e saí de lá mergulhada nesse caldo sensível e criativo. Saí de lá mais em mim e mais pro mundo.

Verbalizar cria simsim realidades. E a realidade criada depois da palavra dita não está mais na nossa alçada, escapa do nosso controle. Pode trazer desenrolares inesperados e de toda ordem. E, quanto mais vida vivo, mais entendo que pra mim faz sentido correr esse risco. O risco da beleza e dos perigos da concretude da palavra.

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

E
"Amar é sofrer/ eu vou te dizer/ mas vou duvidar", bem escreveu João Donato para Angela Ro Ro cantar e para euzinha aqui acatar. Não duvido da afirmação ou da dúvida. Amar é sofrer. E cabe duvidar. Porque o amor é mais, bem mais, mas traz um sofrer garantido emaranhado no todo diverso. Pois sim. Daí que agora me pego conjugando verbos desse balaio e amo e sofro. Amo a alegria na prosa e no corpo, os lampejos surpresa, as pequeninas graças e um ou outro eventual momento de arrebatamento. Amo o sentido em mim, o sentido que sai de mim para o outro e os quereres que vão abrindo mato sem pressa, ritmadamente. Amo o simples, me águo. E sofro. Sofro pra dentro com supostas incertezas, com minha ambivalência quase crônica, com a ausência manifesta do que falta. Por vezes me sinto como quem busca por vento abanando um leque fechado. Me seco. E depois passa, o ambiente vira ar. Tudo tão típico, tão clichê. Tão novo e ao mesmo tempo mais velho que o próprio tempo em si. Poetizo, degusto, engasgo, sofro e amo. Mas não me engano, sei que gosto do frenesi desse lugar e me permito ficar até. Até chegar a hora de ir. 
Que demore. Ou seja breve. Sem porquês e com todos eles.
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Rádio Plutão


quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Sutis

Passo roupa ou paro para escrever? Um exemplo dos nada glamourosos dilemas cotidianos. E veja bem que não parar para escrever não significa necessariamente ter parado de escrever. Minha mente segue escrevendo. De perguntas retóricas a textos inteiros que vou tecendo ao longo dos dias. Num passado um tanto já distante, eu usava o que tivesse à mão na hora que fosse por receio de perder os meus rotineiros lampejos palavreiros, pois sabia bem da força presente do esquecimento em mim. Achava uma boa alma que me emprestasse uma caneta e lá se iam guardanapos, versos de recibos, braço esquerdo. Certa vez, no falecido e saudoso Schlob, me fechei no banheiro e escrevi um "trecho esparso sobre o amor" que saiu pronto e definitivo na parte alta das coxas. Mas não funciona mais assim. E nem é porque o celular cumpre essa função de cobrir as urgências da escrita. Hoje, não me importa tanto deixar ir. Deixo ir o que for de ir. Outras coisas serão escritas ali na esquina. Ou não. O tempo vivido vai ensinando a gente a perder, a entender que as coisas seguem em movimento. "Viver é perder", bem disse Milly Lacombe. Mas veja bem que aprender a perder não significa necessariamente ter parado de sentir as perdas. Sinto. Só acho (ou quero crer) que hoje sei descascar com algum sucesso os medos que criava em volta delas, das perdas. Acho (ou quero crer) que sei perder melhor. Aí sobra energia e olhar para perceber outros medos mais sutis, antes desconhecidos, mas não menos importantes. Medinhos escondidos nas beiradas, no fundo das gavetas, dentro de páginas marcadas de livros. Mergulho neles. Nos sutis.

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Retórica

E se te confunde o amor "com todo o seu tenebroso esplendor"?


domingo, 7 de setembro de 2025

De/para

Ela afirma que o mundo é um lugar horroroso e eu entendo. Entendo que não é pessimismo nem drama. Entendo quando ela diz essa verdade assim, sem alarde. Que isso não implica necessariamente a ausência absoluta do bom e do belo. Há bondade, há beleza. Há arte que nos toca e move, há gente que caminha junto, há amores pelo caminho, há afeto sincero (ainda que raro). Há este sol da tarde que esquenta minha pele e cai sem peso, sem medo. Mas simsim o mundo é um lugar horroroso. É tanta perda, tanta queda, tanto susto, tanto caos. Fico pensando que seria menos sofrido se encarássemos o inescapável horror assim, sem alarde, sem choque. Pelo simples fato de ser fato, de ser inescapável. O lance é que estamos inseridos até a ponta do nariz em uma cultura que proclama, profetiza e promete uma alcançável satisfação plena que é irreal. É irreal. Daí cria-se uma transferência. Os reveses, que são da vida, passam a cair na sua conta. Como se os problemas não acontecessem por que problemas acontecem, mas por que você não foi e não é suficientemente capaz. Você se torna pessoalmente responsável por tudo que cai. Como se fosse possível só ter o bom e o belo e evitar a perda, a queda, o susto, o caos. Aí o mundo, que já é um lugar horroroso, fica insuportável. E eu sinto muito. Sinto tanto que seja assim. Que não possamos ser mais sol e cair sem peso, sem medo.

domingo, 31 de agosto de 2025

" eu abro meu Neruda e apago o sol..." 

Os tão tocados e tão tão movidos pelas palavras. Nós. 
A ridiculamente desafiadora tarefa de educar filhotes. Você não sabe a hora que vai precisar ensinar o que nem sabia que precisaria ensinar. A situação simplesmente se dá e pronto, vire-se. E você se vê ali, tentando dizer com algum sentido algo que não sabe se sabe dizer e nem sabe se os filhos vão saber entender. É não saber atrás de não saber. Às vezes me sinto em mar revolto, tendo que segurar o barco na força do braço e ao mesmo tempo dar orientações a pequenos tripulantes que mal sabem a diferença entre terra e água. É desesperador. Mas sinto que quando falo pra eles desta minha teia de não saberes, me abro, me vulnerabilizo, eles se esforçam mais pra me ouvir, me entender. É um cadinho menos pior e mais produtivo mas, putz, só alivia um pouco a sensação de que fui erroneamente escalada para um papel que tenho zero expertise pra interpretar. E quem tem? 
Acho sotaque um lance muito interessante. É um jeito de cantar a fala. E se o de Minas, que me é tão familiar, segue arrastando palavras diminuídas e diminutivas, o do Rio Grande do Sul se apresenta aos meus ouvidos quase como outra língua. É todo um vocabulário diferente e todo um jeito de colocar ênfase no final de certas palavras ou no final de todas elas. Acho graça. Por vezes me perco tanto observando essa cadência que não presto atenção no que ele diz. Aí rio em "eita viajei o que que cê disse" ou simplesmente disfarço. rs 
Amo o gramadão dos cachorros por um leque de motivos: o espaço aberto, a grama, a luz da tarde, as crias soltas se soltando com os bichos - envolvendo tropeços, quedas e arranhões-, a prosa boa com os humanos dali, o sol que vai sumindo aos poucos até que sua ausência completa nos diz que é hora de ir embora. Isso tudo é lindo. Mas confesso que o que mais me apetece é EU estar em meio a, sei lá, 15 cachorros. E aprender os nomes e fazer carinho e correr junto e ser quase atropelada e sentir falta dos que faltam e jogar bolinha e aprender o jeitinho de cada um e ter meus preferidos. Me sinto a Iza criança no quintal da casa da Vó Elza com a nova ninhada de Mila e Galbak. Me sinto a Iza criança sendo a Iza criança. 
Tanto a dizer sobre "Um romance russo" e sobre o impacto de "A rosa mais vermelha desabrocha" e sobre a prosa poética quente e de ar parado de "A cabeça do santo", mas sou mãe cansadita e repito hoje não, hoje não, hoje não.
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Rádio Plutão 




domingo, 24 de agosto de 2025

"Caminar descalzo, caminar despierto"

Bastante tempo sem escrever. Quase duas semanas escrevendo na cabeça sem parar para colocar um a no papel. Dias e dias seguidos de mais dias com energia quase nula para o virtual e mantendo, na medida do possível, olhos e mãos longe da tela do celular. Sinto que, cada vez mais, quero cada vez menos dessa órbita e que de tempos em tempos preciso me afastar pra conseguir dosar, achar o tanto muito ou tanto pouco que faz sentido pro agora em questão. E a verdade é que não tem sido algo que demanda esforços, disciplina. É como se fosse um movimento necessário e natural. Como se uma clareza observativa se abrisse em mim, mostrando para onde minha energia quer ir, e meu corpo e mente a seguissem sem resistência. Aí que andei imersa, solta em outros ares. Deliciosamente solta. Com tempo até quando sem tempo. Imersa em mais silêncio, em leituras, em saudade leve e gostosa, em contemplações quase meditativas, em estar presente com outros nos mais diversos lugares, de gramados a bares. Imersa, presente, solta. De mim e em mim.

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Retórica 
E se a mola da gana de fato morar fora do linear? No que escapa do roteiro, no que desvia, no descontínuo?
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Rádio Plutão 



sábado, 2 de agosto de 2025

Bonito isso

com Milly Lacombe, que é belíssima 

Perai que vou buscar meus óculos. Pronto. Bem melhor. E é por aí.  Quando criança tinha esse sonho de usar óculos por que achava (e ainda acho) absurdamente marcante e charmoso, mas eu tinha olhos de águia, visão perfeita. Aí que aos 44 fui renovar minha CNH e descobri que não conseguia mais ler bem de perto. Hoje, aos 49, a vida de perto é só borrões se sem óculos. Rolou um tempo de adaptação, mas confesso que adoro meus óculos e, de verdade, adoro precisar deles. Não tenho síndrome de Peter Pan, eu acho. Fico bem feliz que não morri (pra morte, por que em vida já dei umas morridinhas) e vou juntando em mim minha bagagem. Me orgulho dela com o seu pior e o seu melhor. Entro em uma ou outra crise de quando em vez, pois estou inserida nesta cultura etarista e misógina e machista do cacete, mas me sacudo e saio delas em 3, 2, 1. 

Bom, introdução à parte, o ponto é meio que esse e meio que outro. Queria falar sobre as rugas. Estou assistindo ao seriado The Pitt e putz, o Noah Wyle. Lembro dele dos tempos idos de E.R. e que bonito é vê-lo com seus 54 anos e suas rugas. E veja bem que eu não estou me posicionando politicamente (apesar de estar). Eu acho realmente bonito Noah e suas rugas. Bonito. Atraente. Verdadeiramente bonito. Minha pergunta é: quem inventou que envelhecer é feio e deve ser evitado esteticamente a todo custo? Quem? Que loucura é essa? É genuinamente bonito, na boa. E talvez W. tenha chegado em minha vida também pra reforçar este olhar. Ele é 11 anos mais velho que eu, e eu o acho bonito, repetindo, genuinamente bonito. Quem decidiu em caráter coletivo que o tempo vivido imprimido na pele é feio e deve ser negado? Sou a única mulher de 49 anos que conheço que nunca fez nada de harmonização facial e nunca me senti tão bem. Sei que posso mudar de ideia (não linear e contraditória, lembra?) mas confesso que tenho hoje em mim uma autoestima quase delirante. Gosto de quem me tornei, do que penso e emano, da minha aparência, do meu estar de agora. Não tenho mais rosto de menina e por que teria se não mais sou? Tenho meu rosto de mulher. E acho realmente belo Noahs e Ws e Eus exibindo suas trajetórias no rosto. Como isto não pode ser belo? É! Pra mim é.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

"vermelho sangue, verde oliva, azul celestial..."

☆ Venho por meio desta dizer que, aparentemente, o inverno acabou. Celebro e me sinto pronta para reclamar do calor desalmado quando setembro chegar. 

☆ Toda uma geração que foi alfabetizada ouvindo Marina Lima e passou a vida soletrando fugaz em caderninhos e cartas tendo Marina como fonte. Até que o corretor automático veio enfim dizer que não não, que o gás total é sem L e e com z. Achei bonito. Tanto ter escrito errado mas certo esse tempo todo quanto descobrir um jeito certo mas errado novo de escrever. 

☆ O cheiro fresco e úmido de roupa recém pendurada no varal.

☆ Eu me olhando de fora e quase sempre vendo sentido em estranhar meus ímpetos primeiros. Basicamente um eu contra eu pra então achar o a favor. Quase todo dia. Em cartaz em mim.

☆ Outra batalha é ouvir o corpo e atendê-lo no que ele pede, jogar a rigidez em relação à malhação pros ares. Fácil não. Esse fds teve teatro, boteco com cerveja agarradinha na cachaça (oi, Minas), torresmo, prosa ao sol, chamego noturno sem pressa e me permiti não pisar na academia, me controlei na minha cartilha quicante. Passei o domingo quietinha e, em agradecimento, meu corpo me colocou pra dormir às 20:36 e segui feliz até acordar com o primeiro sabiá laranjeira. Só ganhei nesse exercício de escuta. Mas é fácil não. 

☆ O choque de ter o que queria. Um susto. Aperta áspero e me solta macia em movimento contínuo. Tátil.

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Rádio Plutão 

Nova da Noga no repeat





sábado, 26 de julho de 2025

Filhos de mim

Nós ali sentados no banco esperando por Pedro, em chamego e brincadeira, quando André me pergunta: manhê, qual é seu ponto fraco? E lá vou eu: filhote, talvez seja o silêncio. Nos seus opostos. A presença marcante dele me incomoda, me faz preencher os espaços vazios com dúvidas e devaneios que via de regra nem fazem sentido. Eu sou da palavra e entro em conflito com o não dito, entende? E, por outro lado, me perco de mim e do outro quando o silêncio me falta. Preciso do silêncio, do tempo, do respiro. Preciso de espaço para elaborar o que eu penso e sinto. Preciso da falta. Mas nem sempre sei lidar com ela. E ele diz: não, mamãe,  é o ponto fraco no corpo. O meu, por exemplo é a cosquinha. AÍ eu não soube responder. E como ri. rs.

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Por que eu amo a Fal


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quinta-feira, 24 de julho de 2025

Trecho esparso sobre o amor

O nome dele, um sussurro. O desfecho de um suspiro. Os erres que não sei se sobem ou descem ao final das sílabas soam despretensiosamente como um quase ronronar. Algo singelo. Mas para minha voz, com o meu sotaque, parecem evidentes demais, a ponto de eu me constranger. Ou não. O nome dele. Ele. E eu solta em sons.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

 " olha o meu charme, minha túnica, meu terno..."

quem não pode jacumã, vai de olhos d'água 

E este sorriso estalado? Esta cútis cheia de viço? Esta dancinha enquanto escova os dentes cantando p.l.e.a.s.e (oi, Noga) em pretenso silêncio? Esta energia saindo quicante por todos os poros? Fim das férias escolares, darlings.

"Janelas escancaradas como bocas que bocejam". Karl Ove Knausgård. Bonito isso.

☆ Fui a um café encontrar cazamiga e lá encontrei uma outra que não via há tempos mas sabia eu que ela tinha se divorciado recentemente. Aí ela me conta o que rolou e né, putz. Se Chico Buarque estivesse ao meu lado, sussurraria em meu ouvido "não sou eu quem repete a história, é a história que adora uma repetição". Que merda! Sou capaz de tacar o caderno na cara de quem disser "nem todo homem", por que é o homem na maioria esmagadora das vezes. E não pense que falo aqui em cima de um palanque de moralismos ou regras impraticáveis. Sou a mulher que carrega "não linear e contraditória" piscando em neon na testa e sei que todo mundo faz merda, todo mundo pode ser escroto e magoar os outros de quando em vez. Mas escrotice continuada, sustentada no tempo e no espaço, com a pessoa que está ali subindo a montanha contigo, aí não. Acho o fim da picada. Sabe o que eu queria? Peraê que vou abrir um meu reino inteiro só pra dizer.

Meu reino inteiro 

Por um feitiço que, diante de uma escrotice consciente e continuada, faça o pau dos caras ir apodrecendo até cair no sétimo dia. Quem sabe seria didático.

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 "mas não tem nada não, tenho o meu violão". 

☆ Há os que adoram estar sempre certos, cobertos com o manto adamascado da razão. E há os que até apreciam a beleza dos próprios tropeços, suspiram ufas quando se percebem equivocados. Talvez não por maturidade mas por um senso crítico um cadinho mais apurado em relação a si mesmo. Ou então, se pá, por simples estratégia de sobrevivência. Não sei. Perdi o fio da meada. rs.

E eu que sou a rainha do falo o que sinto me peguei segurando a palavra ali, na pontinha da língua. Mas isso é prosa que carece de elaboração, prosa pra texto. 

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Rádio Plutão 

Quer...

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sábado, 19 de julho de 2025

Trecho esparso sobre o amor 

Parte de mim tem sobrenome escapar. Mapeio vielas escondidas, examino a viabilidade de terrenos de passagem e guardo senhas batidas no bolso. Enxergo rotas de saída em portas de entrada e, não satisfeita, chamo outrem para entrar. Decifro códigos talvez nem escritos. Desenho possíveis obituários no canto do caderno. Deixo a mochila pronta e prendo os cachos no alto, também pronta. Alongo o corpo, afino os olhos e me faço Rita em "cartão postal". E não sei se mais me acho ou me perco nesse ensaio supostamente sem palco.

sexta-feira, 18 de julho de 2025

 "cada estrela se espanta à própria explosão"

☆ Fal sempre fala tanto da importância do registro e eu não só digo amém como afirmo ser tatuável "sou uma crente do registro ". 2012, que ano horrível. E como é bom reler e me ver ali me debatendo. Eu não estava passiva. Melhor ainda reler e ver que não estou mais lá. Um grande sonoro e prolongado ufa.

☆ Ainda sobre o tema acima, eu boto  fé que toda vez que alguém começa a escrever um diarinho, o universo inteiro agradece. E se o diarinho é compartilhado, eu agradeço (oi, Davi).

☆ Os filmes do Wes Anderson. A estética, as cores, a fotografia, os diálogos, aquele ritmo permeado por um todo díspar. "O Esquema fenício " e a abertura com aquela cena no banheiro. Putz. Assistiria mil vezes partindo em pedaços e degustando segundo a segundo.

☆ E como não confessar que estou apaixonada? Suspirante, olhos brilhantes, ridiculamente entregue. Querendo tudo, querendo o todo, querendo mais. Sou puro amor pelo meu e só meu recém chegado óleo de canabidiol. Noite passada dormi oito, eu disse OITO horas de sono. É um soninho bom, uns sonhos macios, uma sensação de descanso que nem sabia mais que poderia existir. Sou só amor, sou só bem querer. 

☆ Feminista de merda. E. abomina a expressão pelo mesmo motivo que pra mim faz sentido usá-la (assassinei o português aqui, produção?). Diz ele que fomos criadas em uma cultura machista e misógina então sempre haverá contradição em nós, independentemente do quão "feministas" somos. Por isso não há que se falar em "de merda" pois é uma condição esperada. E, pra mim, exatamente por ser uma contradição via de regra inescapável, mesmo com letramento e atitudes outras, ela é uma merda. Ela não deixa de ser merda só porque temos clareza da contradição. Bem, discordâncias em concordâncias à parte, estava lá eu na melhor linha "então é outra festa, é outra sexta-feira" quando parei para me perguntar se aquilo que eu me dizia querer eu queria de fato ou queria de modo automático, mais para os outros que para mim. E minha resposta foi diametralmente oposta ao "meu querer" inicial. Me senti simsim uma feminista de merda. Mas não com ares pejorativos. É mais como um percalço (ui) natural no caminho de quem questiona o script e, boa parte das vezes, rompe com ele. Consegui me explicar? Bom, as 6 pessoas que leem o blog sabem que nem sempre me faço entender, então está tudo sussa. 

☆ Me interesso tanto. Me desinteresso tanto. Aí me interesso tanto. Às vezes nem eu dou conta, na boa.

☆ André Alves e a empatia. Era outro tópico, mas hoje não. :)

terça-feira, 15 de julho de 2025

49 e 3



O 13 de julho virou outra coisa mais que o meu aniversário. Em 2022, foi também a data do dia um de separação, o dia do "nem mais uma noite". Só de lembrar me vem aquela força no peito, o pé firme bancando a decisão e uma serenidade controversa, um prenúncio de alívio. Até então eu via o fim do casamento como um quase fim do mundo. E protelava. Ouvia Chico Buarque cantando que "a saudade é o revés do parto" e cria na separação como o revés do amor. Mas bastou a concretização da experiência chegar para minha perspectiva começar a mudar. Passei a ver e sentir o término da relação como uma grande manifestação de amor. Pela vida, por mim mesma e, de uma maneira meio truncada (às vezes envolvendo raiva e mágoa), também de amor pelo outro. Porque há o entendimento de que estar junto daquele jeito não tem mais nada a ver com amor. Ali sim, permanecer na relação, seria o revés do amor e a separação é o grito pro resgate. É um suspiro fundo que puxa ar novo e nos abre para a possibilidade de uma vida que faça sentido. Sair de uma relação exaurida é um ato de amor imenso. Por isso acho que o divórcio deveria perder o estigma de fracasso e ser celebrado, ritualizado como outros tantos acontecimentos marcantes e decisivos pelos quais passamos. Tanto que na época fiz uma despedida de casada: festa, bolo, lembrancinha, karaoquê. E ontem celebrei o ano três com água de cachoeira escorrendo pela nuca e sol no rosto, com a alegria de estar em mim e rodeada de amor por todos os lados. Viva.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Georgie Jones - Resoluções para felicidade 

 N° 12  "Surpreenda-se com algo pequeno todo dia. Uma sombra, uma frase, uma colher ".

☆ Sobre o branco, o movimento lento dele de abraçar meu pé com a mão.

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Palavra roubada

"Glitch love

do amor ter sido a sorte

da morte 

do amor ter sido amor

tecido à sorte

do amor

à morte e a sorte

do amor ter

vencido 

do amor ter amortecido a morte 

e sido"

Davi Machado (Aqui)


sexta-feira, 4 de julho de 2025

 " e sonho soluções fenomenais..."

☆ 17:35. Tardinha que cai, minha hora preferida no dia. E sim, estamos em julho e acredito ser senso comum que esse é o mais gorjeante dos meses. Nada a ver com o fato do meu aniversário ser no dia 13 e ser também o Dia Mundial do Rock. Nada a ver.

☆ Fui visitar escritos antigos (oi Davi), lá dos idos 2010 e, pelamordadeusa, que obsessão por uma idealizada "leveza".  Aff que dá uma vontadinha de sair apagando, mas não, né? A gente foi quem foi pra ser quem a gente é, quem a gente está. Então tá valendo. 

☆ Lendo "A morte do pai", de Karl Ove Knausgård e degustando a maneira na qual ele descreve sua criança perceptiva e observadora, inserida naquela cultura familiar tão tão rígida e tão igualmente familiar pra mim. 

☆ Gosto dele. Esta afirmação teve o patrocínio da oitava série B (oi, Falzuca). rs. E gostar, pra mim, decerto por ser algo que não acontece com frequência no campo afetivo-sexual, carrega um quê de estranheza. Me estranho. Estranho estar neste terreno único, não antes pisado por mim nem pelo outro, um todo novo. Acho bonito, excitante e estranho. A sensação que tenho é a de que tudo sinto e nada sei. Ou quase algo sei já que sei que me estranho. E sei também que minha boca talvez não se mova, mas meu olho abre em sorriso quando a gente se vê.

☆ E se a Iza de 2010 era obcecada por leveza (blé), a de 2025 tem como alvo Georgie Jones e sua escrita recitada. Não me canso.  AQUI


quarta-feira, 2 de julho de 2025

Imo

Falhos. Intrinsicamente falhos. Ou meramente humanos, por assim dizer. E às vezes sem perceber, em movimento mais que natural, mergulhamos fundo nas nossas fendas, nas nossas ladainhas, na nossa pequenez mais genuína. E ali engendramos análises mirabolantes e perfis adversos e planos plausíveis que fazem MUITO sentido. Bem, MUITO apenas no secreto âmago de nós. Até que conseguimos enfim respirar, respirar de fato, e iniciamos o movimento de volta. Nos afastamos do conforto caótico da nossa gema e aos poucos sentimos certa clareza chegar. Esticamos os braços para alcançar o Eu que existe para além de nós e espreguiçamos como quem acorda de um sonho ruim, de uma viagem errada. Mas vira e mexe voltamos para lá, talvez entendendo melhor os ditames do passeio amargo e aprendendo a não se demorar. E penso que não é problema o imo ter ares de inescapável. Desde que consigamos, de alguma forma, escapar.

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Rádio Plutão 

"eu abro meu Neruda e apago o sol"


Aqui

terça-feira, 1 de julho de 2025

Retórica 

E quando não há chão para o clássico e esperado "mas agradeço por"? Quando o que há é batida de pé que anseia por cegueira de poeira pra enxergar o não visto?

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Bishop 



domingo, 22 de junho de 2025

Trecho esparso sobre o amor 

Ela imprimiu o silêncio. Jogou para o campo do inexistente o que viria, como se ele assim passasse de fato a inexistir. Mas não se calou no todo. Falou e cantou e riu sobre coisas outras da vida mostrando estar bem, confortável naquele hiato criado. E eu, que sou por demais galgada na fala, na palavra, guardei o silêncio no engasgo da garganta e fiz o que podia: respeitei. Não cabe a mim invadir o que nela nem é.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Nada frágil 

Fala. Olha e fala. Se coloca, alinha essa estradinha aparentemente torta. Desenha seu querer em letra, seja pela boca ou pela caneta. Fala, tenta, é mais de boa do que você pensa. Descasca seus medos, joga seus sins. Usa sua voz, banca seus nãos. Um não bem bancado é mais que revolucionário. Fala. Põe seu azulejo colorido no meio do chão de cimento batido e vê o que acontece. Fala. Ou cala, vai, se preferir assim. O silêncio também é bonito do seu jeito, no seu claro imperfeito. O silêncio é vasto, morada de nós imaginários e espaços nada gastos. Então cala. Calar é mais regra que rebedia.

E, no fim do dia, 

até o que cala

fala

na pequena poesia

terça-feira, 27 de maio de 2025

"Margarita has a strange appeal..."

** Num passado já distante, lá pelas saudosas terras das Minas Gerais, conheci esse cara, T., que tinha aí umas questões de ordem psíquica e carregava nas costas uma história famosa. Ele estava no aniversário de uma prima quando, no meio da cantoria do parabéns, ouviu uma voz dizendo: é agora!. T. atravessou a sala correndo e pulou. Da sacada. Do décimo andar. E não, não morreu. A queda foi amortecida por um toldo da área de lazer do prédio e ele somente quebrou as duas pernas. Somente. Na boa, cair do décimo andar e quebrar as duas pernas é NADA. Pois sim. Lembrei dessa história do T. por que na semana passada minha mãe "quebrou as duas pernas". Na versão dela foram nove costelas, pulmão contundido, corte no cotovelo e hematomas mapa mundi espalhados pelo corpo. NADA para alguém que bateu em um caminhão. Em uma rodovia. E o caminhão foi arrastando o carro até atingir um poste que desterrou pegando o carro por baixo também. E não, ela não morreu nem sofreu lesões graves, irreversíveis. Tá aí tendo que ser vigiada para não fazer peripécias durante o repouso necessário. E, assim como T., tem agora essa história pra contar. 

** Saber compartimentar os diferentes aspectos da vida é uma arte, penso eu. Separar em caixinhas, rotular com letra bonita, organizar por ordem de importância e prioridade. Tudo muito claro, visual e certeiro, ali contigo. Nesse sentido, eu por vezes brilho, por vezes fracasso miseravelmente. E, no fim, não sei se faz diferença. Cê lá vi.

** Alessandra Orofino é uma gênia. Gênia. E a cada Calma, urgente parece mais articulada, precisa. Nada não, só pontuando obviedades.

** Adoro quando falo mal de algo, sou veementemente contra, brado "nuncas" enfáticos e depois vou lá, faço e gosto. Adoro. rs

** Eu ainda diria mais...

sábado, 17 de maio de 2025

"tô nem aí pra rolê, tô nem aí pra rolê"

** A frase acima cantada em coro entusiasmado no rolê (ói p'cê vê), frio cortante do invernico candango, gente dançante, mistura tipica asa norter e eu, novata ali, me perguntando quanto João Gomes é muito João Gomes. Ah, João Gomes 💛.

** Fazer amizade em fila de banheiro é um dos pequenos prazeres da vida que mais me apetece, na boa.

** Aceitação e perspectiva. Pepe Mujica morreu nessa semana e me peguei pensando muito na vida dele. Pensar no todo da vida dele trouxe a palavra "contentamento" para o meu já em curso processo de aceitação das coisas e foi um tempero bom. Quanto à perspectiva, E. me trouxe essa analogia que fez sentido e, sentido fazendo, decidi dar aquele conhecido passo pisando diferente. E pisar diferente mudou o passo. Bonito isso. 

** Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro e Miranda July me faz exclamar um "Cê tá de sacanagem" em sorriso a cada 5 páginas. Delícia.

terça-feira, 6 de maio de 2025

 Maio


(o céu do chão do parque. sem filtros, por supuesto)

Fal e sua voz delícia começaram recitando Vinicius. "Suavemente Maio se insinua/ por entre os véus de Abril, o mês cruel/ e lava o ar de anil, alegra a rua/ alumbra os astros e aproxima o céu ". Eu, tola, nem sabia que Abril era notoriamente um mês cruel. Achei que tivesse sido alguma disjunção cósmica explosiva endereçada ao meu desatento e discreto umbiginho. E sinceramente não sei se a consciência da crueldade democrática de Abril me conforta ou me perturba mais. Enfim.
Brasília começou trazendo mudança na tardezinha do dia 1, cumprindo a cartilha maiana (?). Fez frio. Brasília sabe desfilar um Maio de noites e manhãs frias, dias de calor e ostenta os mais lindos céus azuis. Lindos. Paulinha e eu nos embrulhamos em casacos e capuzes e meias e seguimos sentadas em cadeiras de praia, proseando ao vento e observando as 12 crianças que brincavam espalhadas em um grupo só. Bonito isso. 
Eu sinto que só comecei mesmo no dia seguinte. Dois de maio é em Minas (ou pelo menos em Uberlândia) o dia mais doido do ano. Doidemai é como se lê e se vive o dia em minerês. E meu doidemai foi doidemai como eu escolhi: no meio do mato. Dia inteiro de trilhas, cachoeiras, prosas, silêncios, o som das passadas no cascalhinho do cerrado (amo) e o acolhimento único que só água corrente sabe dar.
Não sei o que será de Maio. Esperança não tem tido espaço entre as palavras de ordem que imperam (aceitação e perspectiva). Mas sei que ele começou.




sábado, 3 de maio de 2025

 Rupi Kaur 

     (os livros dela e o que já foi meu autorretrato)

Tarde de sábado, sol, friozinho. Margot observa, já sem enxergar, os filhos de mim inventando toda sorte de brincadeira com gravetos e subindo em árvores e me esquecendo soltos. Um novinho de bigode passa cantando alto, pisada firme, algo que desconheço mas cuja letra me leva para outro som, outro tempo e me faz fechar o livro um pouco para chegar lá. Quando se lê poesia, tudo e qualquer coisa parece poética. E com Rupi Kaur me sinto em mergulho na falta de água. Ela entrega escrita que afunda faca no peito, desce em zigue-zague e você sangra repetidamente a cada página. O ar me falta, engulo seco, fecho os olhos e sangro. Sangro feliz pelo que leio e sigo sangrando até ter que parar sem conseguir. E me vejo Kaur no murchar, cair, enraizar, crescer, florescer. Caso meu florescer com o dela, piso o mesmo terreno e vejo que queremos mundos parecidos, que lutamos parecido. Termino o livro meio de sangue trocado de sangue mesmo. Termino o livro com a língua afiada em palavra e pronta para imergir em outros jeitos de usar a boca. Inclusive para dizer seu nome. Rupi Kaur. 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

terça-feira, 29 de abril de 2025

Trecho esparso sobre o amor

Ele falou o que me falou meio de canto mas em uma altura que não sei se quem estava perto chegou a ouvir. Só sei que disse o que disse e eu só entendi de fato quando saquei que música era aquela. Demorei uns segundos para voltar do susto da explicitude e disfarcei verbalmente. Mal, por sinal. Pensei ali se ele, como eu, é adepto da ousadia planejada e trouxe consigo a frase pronta de casa. Talvez. Ele ficou diferente: postura de satisfação, orgulhoso do feito, e olho baixo de claro arrependimento. Ambivalente. Eu fiz a egípcia (quero crer) e também fiquei diferente: lisonjeada pela certeza pouco surpresa de me ver parte do imaginário dele e incomodada por saber que esse é um terreno que tenho por regra não pisar. Ambivalente. Também. Ideal e nada ideal. ...........................................

Rádio Plutão 

segunda-feira, 28 de abril de 2025

 Por que eu amo a Fal

"Alguém a faz sentir-se viva quando alcançada pela luz?

A moça da canção do ABBA (pra mim vale a da Meryl) declara que, quando banhada pelas luzes dos holofotes (gostou do banhada?) não se sentirá triste porque alguém está em algum lugar da multidão e o olhar desse alguém a faz feliz. Ela canta por vaidade artística, ela canta para pagar as contas, mas ela canta para uma pessoa em especial. Mas uma pessoa especial, uma pessoa especial no meio da multidão, faz com que nossa cantorinha triste se sinta viva. Uma pessoa especial em meio à multidão.

É de se imaginar que seja recíproco, porque afinal de contas, a pessoa especial no meio da multidão está ali, a enfrentar la muchedumbre para assistir à apresentação da triste cantorinha banhada pelas luzes. Mas me entenda: é de se imaginar. Não é certeza. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode estar no show por tédio. A pessoa especial em meio à multidão não tinha nada pra fazer e a triste cantorinha mandou um ingresso de presente — a tal da pessoa especial pode ser do tipo que não paga pra ver os shows da cantorinha. A tal da pessoa especial em meio à multidão pode até ter levado a pessoa especial dela, a pessoa que realmente ama, pro show da cantorinha triste. Por fim, a pessoa especial pode ter dito à cantorinha que ia ao show e não foi não. Vai ver, a pessoa especial em meio à multidão acha a cantorinha extremamente chata, mas, ao mesmo tempo, ter uma cantorinha triste extremamente chata ligando no meio da noite de Glasgow faz qualquer um, até a pessoa especial em meio à multidão que não dá a mínima, se sentir especial. E quem não quer se sentir especial?

Enfim, sobre a pessoa especial em meio à multidão pouco podemos dizer. Geralmente a pessoa especial em meio à multidão não está nem aí para o que a cantorinha triste, você ou eu sentimos.

*

Voltemos para a cantorinha.

Ela se declara menos triste, pois a pessoa especial em meio à multidão estará atenta, ouvindo seus trinados.

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Nós que escrevemos, escrevemos para alguém: nossos leitores (não escrevemos para nossa família, não escrevemos para nossos amigos). Escrevemos para os nossos leitores. Quem são esses caras?

Se é que eles existem, digo.

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Perdi um amigo, me machuquei e tomei um susto quase ao mesmo tempo. De longe, perder o amigo foi a pior das situações.

Esse era um amigo que não apenas gostava de me ler — a única coisa que faço na vida. Eu gostava imenso de escrever para ele e de escrever em qualquer lugar sabendo que ele ia me ler.

A morte dele me fez — ainda me faz, é tudo tão recente — inventariar com quem diabos estou falando e para quem diabos quero falar. Quando viramos escritores, somos ensinados, ensinamos a nós mesmos que devemos viver no mode Roberto Carlos – eu quero ter um milhão de amigos.

Não discuto com quem me diz Sim, quero alcançar as mais apartadas almas com o fulgor das minhas palavras.

Nesses dias, mais ou menos de molho, tou fazendo um inventário tão interessante quanto perigoso: estou escrevendo para quem? Não para que, mas quem? Pouco antes do meu amigo morrer, uma imensa escritora me disse que estava dando uma limada em quem a lê. Que está selecionando, na maciota, quem a lê e quando. Na hora só concordei, mas quinze dias depois, nunca uma declaração fez tanto sentido.

Para quem estou escrevendo? Não por que, mas para quem?

Daqui donde estou, embalada por questionamentos vários, tristezinhas miúdas, tristezona enorme, alguma decepção e partinhas soltas de ressentimento e surpresa, me pergunto se faz qualquer diferença ser lida por este e não por aquele, aliás, se faz qualquer diferença ser lida, aliás, se faz qualquer diferença deitar sobre o papel as palavrinhas minhas.

Não tenho resposta, não tenho solução, não vou recomendar a quem quer que seja escrever, não escrever, ler ou não, pensar ou não sobre isso tudo.

Mas a verdade é que a ideia de dar a última aula às dezoito horas, fechar o computador e comer e assistir séries até a hora de dormir tem me parecido muito sedutora. A desistência é sempre sedutora. E algumas coisas simplesmente querem que você desista delas."

Fal Vitiello de Azevedo

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" e nesse dia branco"

*** Aquele nozinho aqui do lado direito, que pega pescoço e ombro em fisgada e dói rígido, cuja terminologia científica é maternidade. Difícil para um cacete. Especialmente a tarefa hercúlea de viver batendo o pé para deixar claro que você, mãe, também é gente e não apenas função. Mais uma área da vida em que a gente tem que bater o pé para deixar claro que é gente. Na boa, difícil para um cacete.

*** Segunda rima com silêncio e algum respiro, mesmo que descompassado. E hoje, especialmente, gostaria que durasse meses.

*** O episódio 2 de The Last of us me lembrou o que me fez abandonar Game of Thrones. Mas tenho aqui pra mim que seguirei.

*** Sonhei esta noite que estava lendo um livro que não quero ler. Isso. Ponto. Só isso. O mais inútil sonho desses meus quase 49 anos. Valendo aqui da premissa (questionável) de que os sonhos têm alguma utilidade. 

*** No excelente "Canção para ninar menino grande", Conceição Evaristo usa várias vezes "cria" como o passado de crer. "Ela cria na chegada do dia em que...". E fiquei viajando na ponte com o "cria" de criar. Pois acreditar, crer, é algo que criamos na nossa mente e nos nossos sentidos. Crer é uma criação imagética. Crer É criar. Por isso "cria", como usa Evaristo, vai além, diz mais, se estende para o campo macio do poético. Bonito isso. 


sexta-feira, 25 de abril de 2025

Retórica 

E se o "Clube dos abandonadores da velha escola" fosse um mar de gente e não esse fiapo quase invisível de água corrente? Como seria?

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quarta-feira, 23 de abril de 2025

 "nada ficou intacto"

* Esse foi o pedaço de frase que me pegou quando tocou "Boa Noite" do Djavan no rádio do carro, de manhã, voltando pra casa. Ele fala ali do efeito de um amor arrebatador que chega mas eu senti em outro lugar: quando acontecimentos em série trazem uma espécie de crise que parece afetar os aspectos mais variados da vida. "Nada ficou intacto". Nada. Tudo mexido, repensado, rasgado, desfeito, refeito, redirecionado, mudado. Nada ficou intacto. É quase uma outra existência.

* Falzuca quer lançar a campanha "Isso não é amor, é desidratação" e eu digo amém, sista. Porque, né? Há casos em que só pode ser mente e corpo alterados por alguma desordem vital, na boa. rs

* A mulher que sou/estou vira e mexe (leia-se: quase diariamente) topa com a mulher que fui. Topada topada mesmo, na linha dedo mindinho no pé da mesa. Rola choque, grito, palavrão e leva um cadinho de tempo pra parar de doer, pra entender e eu lembrar que é o que acontece com quem muda sempre as coisas de lugar. Parte do processo em curso, mutante.

* Invasor bárbaro, encusiasta, negócio fechado, família adams, malásia, correntinha, pavão, focaccia, em comum. Nada não, só listando referências.

* Aí que o estado quase sólido de desesperança não era tão sólido assim. Foi se deixando permear por simplicidades. Por prosa e café sem pressa com Daia, por pé na grama e livro e sol e ducha gelada de faltar ar no parque, por Pri rompendo com planos para estar junto, por almoço que faz ponte para noite em casa de amigos onde se dança Bowie e Prince na sala e se canta Gal como se Gal fosse na mesa e se bebe gin em taça que parece um balde, por janta improvisada e risos precisos na casa de Paulinha, por White Lotus maratonada, por Alabama Shakes nos ouvidos. Por quietude. Por Conceição Evaristo e sua escrita phoda. Por áudios de rir e chorar da Fal. Pelo que vive. Pelo que se vive.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

PORTARIA CGR Nº 1, DE 17 DE ABRIL DE 2025

Atribui novo significado a estar bem.

A PRESIDENTE DO COMITÊ GERAL DE RESSIGNIFICAÇÕES , no uso da competência que lhe foi subdelegada pela Portaria MTA nº 1, de 20 de maio de 2010, e o que consta no Processo Dossiê nº 130776.130776/1976-13, RESOLVE:

Art. 1º Instituir em caráter temporário e em regime de urgência o novo "bem". O novo "bem" transita em chão duro sem o uso de qualquer tipo de amortecimento e carrega doses consideráveis de seca aceitação. Possui coloração inidentificável, aspecto opaco mas, curiosamente, no fundo é transparente. Prescinde de pausa, chora pouco e mantém alto desempenho na execução das tarefas diárias. O novo "bem" rasga esperanças tolas, infantis, e se fortalece na convicção plena de que tudo não vai ficar bem. Abomina toda e qualquer forma de silêncio e musica (sim, do verbo musicar) todos os espaços ocupáveis. Dá merecido descanso a Noga Erez e abarca variações de algo por ele classificado (talvez equivocadamente) como punk rock. Canta alto todo o "Horses" da Patti Smith, dança sentado duas lado B do Talking Heads e explora Santigold. Ainda assim, o novo "bem" desconhece a graça das coisas e segue cru. Não apresenta características típicas do antigo bem, mas responde que está bem quando perguntam tudo bem. O novo "bem" não se sente só, tem amparo logístico e afetivo e valerá até que portaria posterior o torne sem efeito.

Art. 2º Este ato entra em vigor na data de sua publicação.

Izabela F. Cosenza

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Rádio Plutão 

Santi



segunda-feira, 14 de abril de 2025

"como dois e dois são cinco"

Chove um tanto lá fora. Chuva bonita, encorpada, contínua, com um ou outro som tímido de trovão. Chuva que faz uma a cor do céu. Um longo e único branco acinzentado. E eu, sem cor aqui dentro, não consigo me prender a nada. Como se mente e corpo estivessem sintonizados nessa frequência vaga, sem chiado. Trabalho sem trabalhar, leio sem ler, dirijo sem dirigir, malho sem malhar, como sem comer. E não, não estou afundada em um poço de tristeza ou outra emoção qualquer. Não é isso. Há dor, mas não é isso. Estou desligada, em off, atravessando os passos do dia. Um a um. Eu ausente. Preciso dar um jeito de descer com a Margot. Minha capa de chuva verde, guarda-chuvão e a capa de chuva rosa bonitinha e meio ridícula dela. Preciso trabalhar até as 19:30. Chuva de matérias aqui. Preciso não errar. Tipo de ato, seção, data de publicação. Básico, Izabela. Preciso higienizar as folhas para a salada, ralar cenouras. Preciso continuar nesse silêncio perene e vago, sem chiado. Branco acinzentado. Duas mortes em cinco dias. E eu perdi a cor.